Viciados em resposta
É bastante recorrente em nossa newsletter falarmos sobre o efeito da tecnologia em nossa percepção e regulação emocional. No artigo desse mês quero falar sobre o efeito das telas em nosso comportamento, ainda mais especificamente nossos smartphones. Eles estão se tornando um vício e, como qualquer outro processo aditivo, podem estar lesionando nossa capacidade de compreender contextos, desenvolver ideias e interagir com as pessoas.
Recentemente em um workshop da Conexão IE perguntei para a turma qual o tempo que imaginavam estar utilizando telas durante sua rotina. Me referia a celulares, tablets e computadores, que nos permitem estar sempre conectados. Chegamos à incrível média de 12 horas diárias no grupo presente. Durante a semana, repeti a pergunta a outros gestores e a média foi semelhante. Em resumo, quando não estamos dormindo, em deslocamento ou tomando banho é muito provável que tenhamos uma tela em nossa frente, por onde recebemos notificações e atualizações constantes. E isso está fazendo toda a diferença.
O celular especificamente tornou-se para muitos de nós um vício, acoplado às nossas mãos como se fosse uma extensão de nosso corpo. Olhamos para a tela de nossos smartphones assim que abrimos os olhos e, para muitos de nós, é também a última coisa que vemos antes de adormecer. Mas por que isso acontece? O que faz com que seja tão difícil fazer qualquer outra coisa sem, de vez em quando, checar nossas mensagens, acessar a rede social ou, muito pior, entrar em jogos digitais?
O que ocorre tem a ver na forma como nosso cérebro responde a estímulos e à nossa necessidade de pertencimento ou validação social. Biologicamente, estamos programados para responder prontamente a estímulos do ambiente, uma característica evolutiva que nos ajudou a sobreviver em situações de perigo. Em paralelo, redes sociais e grupos de whats app capitalizam a necessidade humana de pertencimento ao fornecerem um espaço onde likes, comentários e mensagens servem como validações ou alertas rápidos. Isso alimenta a compulsão por estar conectado, sempre pronto a fornecer respostas, com medo de perder algo (FOMO, do inglês "fear of missing out"), de não ser notado pelos demais ou de parecer arrogante. Inclusive falamos sobre o FOMO no episódio 5 do Arena IE dessa quarta temporada, sobre Sentido no Trabalho. No contexto moderno, essa predisposição a buscar atualizações constantes sobre nosso meio foi adaptada para a tecnologia, liberando respostas ambivalentes, por um lado associadas ao estresse e vigilância, por outra ao alívio e bem-estar. A combinação das duas está associada à ansiedade social. Parece contraditório, mas pensando bem, faz sentido. Vamos entender cada momento desse ciclo.
Montei aqui um sistema de engrenagens interdependentes, buscando explicar o ciclo de checagem contínua, associado ao vício em telas, especialmente do celular:
Vale lembrar que a dopamina é liberada em maior quantidade não quando recebemos a recompensa, mas sim quando a antecipamos. Esse fenômeno é crucial para entender a dinâmica do uso compulsivo do celular. A expectativa pela recompensa — seja uma mensagem nova, uma curtida ou uma atualização — ativa esse sistema, gerando um pico de dopamina e criando uma sensação de urgência e prazer pela iminência do "prêmio". No entanto, o efeito é transitório, e logo após obtermos o que esperávamos, a dopamina cai, nos levando a buscar incessantemente o próximo estímulo. Até porque a ansiedade social avisa: podemos ser expulsos do sistema, é preciso seguir vigiando!
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Mas voltemos ao vício na dopamina. Ele leva a um outro problema, que é quando as redes sociais já não trazem mais os “picos” de alívio que traziam. É quando nos tornamos mais propensos ao uso de jogos online e a outros processos aditivos (álcool, drogas). Nesse sentido, o Brasil possui um cenário alarmante em relação ao vício digital. Segundo uma pesquisa da USP, há em média 2 milhões de pessoas viciadas em jogos digitais no país. Em uma leitura econômica, estimativas apontam que o mercado de apostas representou 1% do PIB nacional em 2023. Esse tipo de vício tem a ver com o desejo de “fugir” da própria realidade ou, no caso de jogos de aposta, buscar uma forma rápida de enriquecimento e na tentativa de "recuperar" o que foi perdido. No ambiente virtual, o jogador tem a possibilidade de se desconectar de dificuldades da vida real e experimentar sensações de controle, recompensa e progresso rápido. Pelo menos por algum tempo.
E nas empresas? Estamos imunes ao estresse das telas e ao ciclo contínuo de checagem?
Infelizmente muito pelo contrário. Ferramentas como e-mails, chats empresariais e notificações instantâneas criam um fluxo incessante de tarefas e interações, exigindo uma resposta rápida e constante, o que, por sua vez, também traz um ciclo de dependência e reforça práticas de microgerenciamento. Novamente se configura o ciclo vigilância – alívio – ansiedade social.
No caso do trabalho, a vigilância tem a ver com a pressão por respostas e prazos apertados. O "prêmio" que libera a resposta de dopamina pode ser uma sensação de produtividade, reconhecimento ou simplesmente a eliminação temporária da ansiedade gerada pelas tarefas pendentes. No entanto, assim como nos jogos, a satisfação é momentânea, levando o indivíduo a buscar o próximo estímulo o mais rápido possível, o que acaba reforçando um comportamento de constante alerta e conectividade.
De tudo que foi dito, dá para dizer que a combinação de design dos celulares, programados para capturarem nossa atenção e fornecerem notificações constantes, e a biologia humana, propensa a responder a estímulos frequentes, cria um cenário no qual estamos sempre "ligados". Isso afeta nossa capacidade de concentração, nossos relacionamentos e até mesmo nossa saúde mental, contribuindo para o aumento dos níveis de estresse e ampliando a dificuldade de desconectarmos. Poderia citar outros efeitos secundários como a falta de confiança em times e de desenvolvimento de autonomia nos indivíduos. Para reduzir esses impactos, é essencial desenvolver maior consciência sobre o uso dos dispositivos e implementar estratégias que promovam um equilíbrio entre a vida digital e o bem-estar pessoal. Eis aqui algumas dicas para implementarmos hábitos emocionalmente inteligentes no uso de telas e conectividade contínua:
Sem dúvida, a vida digital nos trouxe muitas recompensas rápidas, porém fugazes. Na rapidez de tantas trocas, precisamos investigar o quanto estamos alimentando dependências psicológicas e emocionais. Reconhecer o peso do tempo digital em nossa vida torna-se essencial para promover uma relação mais saudável com a tecnologia e com o próprio bem-estar. E haja IE para navegar com tranquilidade, do lado de cá ou de lá das telas.
Support Team Manager at SAP Labs Latin America
3 mExcelente leitura e reflexão! Agora vou pegar um café para fazer algo analógico :P
Country Manager getAbstract Brasil | Autor | Prof do CNEX (MIT Sloan Business Review)
3 mÓtimo, Ale! Em acréscimo, se me permite: Você está correta ao destacar como a biologia humana e o design das tecnologias modernas se combinam para manter nossa atenção constantemente capturada. As redes sociais e aplicativos de mensagens como o WhatsApp exploram essa predisposição ao fornecerem validações rápidas através de likes, comentários e mensagens, que funcionam como recompensas emocionais. Outro ponto, a alternância frequente entre tarefas, provocada pelas interrupções, aumenta os níveis de estresse e dificulta a recuperação do foco. Além disso, a dependência de dispositivos digitais pode levar à diminuição da capacidade de atenção, perda de empatia e menor energia para atividades criativas ou pensamento crítico. Desconectar-se das telas e investir em interações humanas diretas pode fortalecer os relacionamentos e promover uma sensação de pertencimento mais autêntica, certo? (por gAia). Obrigado por partilhar, Ale!
Financial Management at Shopping Brasil
3 mSimplesmente perfeito Ale!
Psicanálise - em Formação
3 mExcelente artigo, vou compartilhar.
Diretor executivo na Conexão IE com expertise em Inteligência Corporativa e Desenvolvimento Executivo
3 mEsse artigo a gente deveria fazer download e analisar em grupo de estudo!