Dia da Consciência Negra
Hoje é o Dia da Consciência Negra, neste país onde 54% da população integra a etnia de acordo com a mais recente pesquisa do IBGE.
Sempre me preocupei com algo que parece normal, a referência apenas à “negritude” e nunca à “branquitude”. Ou seja, o branco é visto como padrão. Ninguém trata branco de branco. E se o fizer, o branco não vai se incomodar porque ele é entendido como pilar da estrutura social.
Tenho por dever de ofício e prazer pessoal o hábito de assistir ao programa “Roda Viva”, transmitido às segundas-feiras, à noite, pela TV Cultura de São Paulo. Não faz muito tempo, entrevistaram a empresária Luiza Trajano (Magazine Luiza), pessoa corajosa, transparente e empreendedora que mereci ter em algumas noite de autógrafos de livros meus e que me trata sempre com muita simpatia.
Durante a entrevista, Luiza contou porque criou um programa de trainee somente para mulheres e homens afrodescendentes em sua empresa. Segundo a empresária, ao constatar a baixa presença de pessoas negras em cargos de maior nível na empresa, entendeu que o racismo estrutural existe e é algo inconsciente para a grande maioria das pessoas. Com sua habitual franqueza, Luiza disse que ao entender o real significado da expressão até chorou, porque sempre achou que não era racista.
O problema é histórico no Brasil, e não acabou com a Abolição da Escravatura. Ao contrário, a falta de um planejamento para o após Lei Áurea gerou consequências graves e duradouras para o racismo. Sempre houve a desvalorização do negro, o pouco acesso à educação de qualidade, o desrespeito aos seus bens culturais, as dificuldades de evolução na carreira profissional e, assim, foi se consolidando em práticas e políticas marginalizantes – de modo dissimulado – o que se denomina como “racismo estrutural”.
Segundo a professora do curso de Sociologia da Universidade de São Paulo - USP, Márcia Lima, coordenadora do Núcleo Afro no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o racismo atua em diversas dimensões, sendo a estrutural uma delas: “É um fenômeno estruturante da sociedade. Ele atua em diversas dimensões e camadas e pode ser observado em diferentes níveis. Mas entendo que a distinção entre estrutural e institucional busca demonstrar que os diferentes níveis da sociedade instrumentalizam o racismo de maneira diferente. O mesmo acontece quando falamos do racismo cotidiano, nas situações de interação pessoal.”
Sabemos, dando um exemplo bem conhecido, que vigilantes de shoppings e policiais civis/militares têm, no combate à violência, pessoas negras como alvo principal. Estas são também os maiores índices nas estatísticas de analfabetismo, doenças graves, desemprego, sub-moradias e outras questões. Ou seja, há um problema que todos fingimos que não existe, ou pelo menos procuramos achar que não é nosso.
O racismo estrutural decide quem deve ter isso ou aquilo, merece mais ou menos atenção governamental e social. E isso não fica apenas na questão histórica, segue acontecendo nas desigualdades que determinam injustos privilégios.
O fato de muitos brasileiros ainda não aceitarem que o racismo é parte da estrutura da sociedade é um dos motivos para manter essa absurda discriminação social. Portanto, o Dia da Consciência Negra existe para refletir sobre a importância da cultura africana e celebrar sua forte e positiva influência nos costumes, na música, na literatura, no teatro, na dança, no cinema, nas artes plásticas, na gastronomia, na ciência, nos esportes, no mundo acadêmico, enfim, na vida do nosso país.
Ricardo Viveiros