NO DIA DAS MULHERES, MINHA HOMENAGEM É PARA UM HOMEM.

NO DIA DAS MULHERES, MINHA HOMENAGEM É PARA UM HOMEM.


Quando o olhar do homem para a mulher é de igualdade, as coisas dão muito certo.

Há uma frase em inglês, que aliás é bem clichê, e em tradução livre seria: eu sou porque você foi, que gosto muito. Essa frase representa minha relação com meu pai.

Meu pai faleceu em 2016 e deixou um vazio que faço questão de não o preencher, porque não há nada que se compare com o que foi nossa experiência de vida compartilhada aqui na Terra.

Sem ter muito conhecimento do mundo, já que morávamos em sítio lá nos fundões do Paraná, ele me criou para ser independente.

Meu pai raramente resolvia questões que eu podia ao menos tentar resolver sozinha. Nunca se importou muito por eu não ser adepta de bonecas, e sim dos livros.

A escola era distante de casa, mas ele me matriculou assim mesmo, sabendo que eu correria riscos, já que teria que atravessar pastos, sítios dos vizinhos, dos não vizinhos, córregos que transbordavam quando chovia, e nesses dias ele pegava o Fusquinha e ia buscar a mim e aos filhos dos vizinhos, dando uma volta de mais de 30 km.

Ele nunca se importou com a minha convivência com os primos, os que me ensinaram a jogar bola no terreiro de secar café, o que fazia ficar, às vezes, sem a ponta do dedão, porque eu ralava no cimento, rs. Eles também me ensinaram a jogar Bets (acho que é esse o nome da brincadeira). Ahh, eles cavalgavam, e isso eu não consegui aprender, mesmo com o incentivo dos meninos da família, o meu medo era maior.

Já no Estado de São Paulo meu pai me incentivou a continuar os estudos, já que era mais acessível, e insistia que eu precisava arrumar um emprego. Dizia que eu nem precisava ajudá-lo, apesar dele ser cortador de cana e o salário ser baixo, segundo ele ao comprar minhas coisas com meu próprio dinheiro eu já o ajudava, porque ele não teria que tirar do pouco que ganhava para comprar para mim (era um sábio, apesar de ter tão pouco estudo).

Ele conseguiu para mim, por intermédio de uma pessoa que ele conhecia; ele era muito querido, era um homem muito educado e correto, então colecionava amigos; meu primeiro emprego, em um laboratório da empresa Zilor, uma das maiores empresas do ramo açúcar e álcool do país.

Com a oportunidade eu cursei inglês, e batalhava a noite para concluir o ensino médio.

Quando passei no vestibular eu devia uma grana para ele, cerca de R$70,00. Em 2005 isso era um dinheirão. Ele perdoou minha dívida, mesmo sendo um cortador de cana. Na época eu estava desempregada, e ele disse que o dinheiro serviria para eu comprar o material, e seria uma forma dele me ajudar.

Ele estava comigo quando comecei a construir minha casa, me deixando morar com eles, mesmo casada, e acolhendo meu marido, para que com o dinheiro que pagaríamos aluguel conseguíssemos investir em material e mão de obra para construção.

Quando consegui a cnh era uma batalha entre a vontade de dirigir, a necessidade e o medo. Ele saia da casa dele, entrava no carro comigo (corajoso né, rs) e me acompanhava, dando apoio moral, sem criticar, sem apontar meus erros, até o local de trabalho, depois ele pegava o carro, ia embora, e a tarde ele estava lá com o carro de volta para eu pegar e treinar. E ia em casa para colocar o carro na gararem, etc, etc.

A parceria era de respeito mútuo. Eu sempre admirei a luta serena para que nunca nos faltasse nada. E ele admirava o meu desenvolvimento, meu conhecimento. Não fazia nenhuma compra de algo mais caro sem me consultar, trocar ideias. Não comprava um eletrônico, um eletrodoméstico sem me perguntar sobre o produto, sobre os preços.

Doente, eu o acolhi. Era um acolhimento cheio de amor por aquele homem íntegro, carinhoso, elegante do jeito dele, que em mais de 40 anos de convivência nunca vi elevar o tom de voz, nunca o vi brigando com minha mãe ou irmãs.

Estive mais de 60 dias ao lado dele em uma luta dolorosa contra um câncer. Rimos juntos, estava com ele quando já doente um AVC tirou sua voz, o movimento de seus braço direito, da perna direita, o que o fazia andar com dificuldade e me obrigava, muitas das vezes, o carregar no colo, mesmo ele sendo bem alto e ainda meio pesadinho, apesar da doença.

Meu ser foi moldado pela essência desse homem de luz que o Criador enviou ao mundo para ser meu pai.

Não tenho como negar isso: foi olhar dele, sempre além do tempo, e o carinho na medida, que me transformaram em um humano que se orgulha de ser Mulher.

Quando vejo toda essa violência a que estamos sujeitas fico a imaginar a partir de que momento os homens começam a nos ver como inimigas. Somos feitos do mesmo material.

O que faz terem essa ideia de que merecemos apanhar, merecemos ganhar menos, que somos incapazes, que somos loucas, o que pode ser um bom adjetivo quando equiparado a coragem, a mudar de rumo, gritar para extravasar o estresse, que devemos ser molestadas no metrô.

Meu pai tem 4 irmãs que falam dele com carinho, que ainda sofrem muito a falta dele.

Meus sobrinhos, 2 meninos que hoje tem quase 13 anos, são criados por mulheres, e são inundados de amor, cuidado e respeito. Vai que o amor seja contagioso?

Como vocês tem cuidado das mulheres que estão na vida de vocês?


José Bernardo Batista de Medeiros

Administrador de Empresas | Produtividade | Qualidade | Auditoria | Software | Análise e Criptografia de dados

5 a

Antológico. Há apenas um tipo de perda que acomete humanos sem que percebam: - O convívio que não tiveram com outros humanos especiais. Puxa, que saudade que me deu do seu Pai. Obrigado Lu por trazê-lo, generosamente, para minha história.

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