Digitalizando a vida real
OBS: Um leve aviso, é que este artigo não tem a intenção e nem o foco de abordar profundamente o tema ambientalista, neste caso a intenção da reflexão de hoje é outra.
Lembro que há 3 anos, quando veio o anúncio da mudança do Facebook para Meta e todo o conceito do Metaverso, o meu primeiro pensamento verdadeiro foi: "Mas 'pra' que serve isso?".
E na verdade, passei uns bons anos sem mudar essa primeira impressão. E não me entendam mal, nunca foi querendo o pior para a empresa, mas além da ideia inicial me parecer estranha, ainda ocasionalmente apareciam novas informações, demonstrando cada vez mais que esse formato virtual imersivo era inviável e até mesmo sem utilidade.
Mas recentemente tudo mudou, uma única notícia não trouxe somente uma ideia que eu pessoalmente nunca havia pensado antes, mas como também pode ser um marco histórico para o futuro das próximas gerações.
A Grande Mudança
No final de 2023, o país de Tuvalu oficialmente anunciou a sua transferência para o mundo virtual, o Metaverso, como uma última tentativa de preservar sua cultura, hábitos, ideias e acima de tudo, sua nação.
Os governantes decidiram por transferir, não só informações sobre a própria linguagem falada, desde os conhecimento sobre a língua até exemplos claros da fala de crianças até adultos, como também dados geográficos, como um mapeamento completo das mais de 120 ilhas e ilhotas que compõem o território do país.
Além de que a população já demonstrou seu apoio em querer preservar histórias passadas pelos antigos, danças típicas, música e outras formas de cultura nacional que representam o seu povo.
Toda essa movimentação, apesar de interessante, é mais ainda triste, justamente por ser motivado pelo desaparecimento da sua própria nação. As enchentes vem cada vez mais consumindo o país devido às alterações climáticas, e apesar dos esforços ambientais, a situação do território só demonstra pioras nos últimos anos.
Não somente para preservar suas memórias e conhecimentos, mas principalmente para salvar o seu "Estado", e esta é a palavra chave.
A Ficção
Yuval Noah Harari, escritor e historiador premiado, classifica três fatores primordiais para a evolução do homem como ser social. Estes são o dinheiro, a religião e o Estado.
Estes pontos são chamados pelo autor de "Ficções", como uma forma de demonstrar que são conceitos que estão incorporados socialmente e não dependem de objeto físico, mas sim da ideia que a reconhece como correta.
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O Homo sapiens domina o mundo porque é o único animal que pode acreditar em coisas que existem apenas em sua própria imaginação, como deuses, Estados, dinheiro e direitos humanos.
- Yuval Noah Harari
Por exemplo, se destruíssem todas as igrejas, templos e monastérios, queimassem todas as bíblias, alcorões e torás do mundo, a religião deixaria de existir? Não, pois o que define a religião é a fé que une as pessoas e as torna seres unidos por uma ligação social.
O mesmo vale para o Estado, nações podem cair e ruir, mas enquanto uma população se entender como pertencente a uma mesma comunidade, o conceito da sociedade não morrerá (Alô Israel e Palestina).
O que quero dizer é que mesmo os governantes de Tuvalu já alteraram o seu conceito de Estado na constituição e pedem para que os países reconheçam sua validade, para que a sua existência seja aceita pelo resto do mundo. Ou seja, o conceito é mais forte que o físico, a ficção que nos une em sociedade é mais importante que as pessoas que a compõem.
O Futuro
A verdade dolorida é que um país, de forma física, está deixando de existir, aos poucos sendo consumido pelo erro humano e se voltando para um último suspiro digital de preservação.
No início, quando falei de um "marco histórico para o futuro das próximas gerações", disse isso muito mais com um pesar social, do que uma revolução tecnológica.
Não penso que o Mark Zuckerberg tenha planejado que um país utilizaria o Metaverso para tal finalidade, não por achar que empresas são boazinhas, mas sim porque fazer um planejamento para isso é de uma psicopatia que prefiro não acreditar diretamente.
Mas o ponto alto é que, nós como sociedade sempre vamos procurar uma forma de preservar o que nos torna unidos, e a tecnologia agora mais do que nunca irá andar nesta direção, espero que mais como um "auxiliador", do que um "fim" para as nações "desaparecidas".
A Lição
Pessoalmente não gosto muito do clichê positivista de coach do tipo "Unidos somos mais fortes" e nem mesmo o mais ambientalista de "Preservar no agora para Ter no futuro". Por isso, hoje optei pelo realista e duro: "O coletivo está acima do individual".
E calma, não estou dizendo que este é o correto ou o errado, mas sim que essa é a nossa realidade, e também não falo isso de uma forma pejorativa, já que a como dito antes, este foi um fator importantíssimo para o nosso crescimento e unificação como sociedade.
Minha intenção é deixar todos conscientes sobre o movimento social pelo qual estamos passando, ou seja, que a nossa sociedade tecnológica está caminhando para uma coletividade virtual.
Aos Nietzschianos, podem pensar como um "Eterno Retorno", a sociedade evoluiu tecnologicamente, mas a base permanece a mesma, neste caso, continuamos mesmo que de forma inconsciente sempre tentando preservar o que nos une, desta vez no Metaverso.
Alguns podem considerar que isto não é uma novidade, já que sempre tentamos preservar conhecimentos e informações em ambientes como "Wikipedia" e "Archive", mas a mudança desta vez está na necessidade e na imersão.
Pela primeira vez precisamos salvar um coletivo devido o seu desaparecimento físico, e mais ainda, precisamos que seja de uma forma tão imersiva quanto possível, para que futuras gerações continuem experienciando de forma vívida o coletivo que jamais deve ser perdido.