A Discussão da Pauta de Gênero no G20

Semana passada, participei do 7º Diálogo Nacional W20 Brasil. Para quem não está familiarizado, o W20 é um grupo de engajamento do G20 focado na promoção da igualdade de gênero e no empoderamento das mulheres. Este evento teve como objetivo apresentar à sociedade as discussões que ocorreram ao longo deste ano, em que o Brasil sediou o W20. Neste texto, quero compartilhar um pouco das perspectivas trazidas pelas delegadas do W20, abordando a agenda dos países para o período e minhas próprias percepções sobre os temas discutidos. Além de ser especialista em gênero, sou formada em relações internacionais, o que me oferece uma perspectiva única para conectar como essa temática está sendo tratada no cenário internacional e brasileiro.

Para contextualizar, o G20 é um fórum internacional que reúne as principais economias do mundo para discutir políticas relacionadas à economia global, como estabilidade financeira, desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas e comércio internacional. Além das reuniões principais do G20, existem grupos de engajamento que abordam temas específicos e envolvem diferentes partes da sociedade, como a sociedade civil, o setor privado, sindicatos e cientistas. Esses grupos são compostos por especialistas, representantes de organizações e líderes de opinião que trabalham em áreas específicas. Abaixo estão alguns dos principais grupos de engajamento do G20:

• W20 (Women 20): Focado na promoção da igualdade de gênero e no empoderamento das mulheres, com recomendações sobre inclusão econômica, liderança feminina e equidade salarial.
• B20 (Business 20): Representa o setor privado, discutindo políticas sobre comércio, inovação e desenvolvimento sustentável para promover o crescimento econômico global.
• C20 (Civil 20): Envolve a sociedade civil para garantir que as questões de justiça social, direitos humanos e meio ambiente sejam consideradas nas políticas do G20.
• L20 (Labour 20): Representa os sindicatos, abordando questões de emprego, condições de trabalho e proteção social, com foco na equidade e justiça laboral.
• Y20 (Youth 20): Envolve jovens líderes para discutir educação, emprego e mudanças climáticas, apresentando as perspectivas e preocupações das gerações futuras.
• T20 (Think 20): Reúne think tanks para fornecer insights baseados em pesquisa, ajudando a moldar políticas públicas com análises científicas e evidências.
• S20 (Science 20): Integra descobertas científicas nas discussões do G20, abordando temas como inovação tecnológica, saúde global e mudanças climáticas.
• U20 (Urban 20): Prefeitos discutem soluções para desafios urbanos, como mobilidade e desenvolvimento sustentável, representando as grandes cidades do mundo.

É fundamental mencionar esses grupos porque, no evento mencionado, além das prioridades discutidas pelo W20, também tivemos a oportunidade de ouvir representantes dos outros grupos de engajamento e como a pauta de gênero foi tratada nas suas discussões. Destaco aqui as discussões do B20, que representa as empresas e tem uma ligação direta com o avanço da pauta das mulheres no mercado de trabalho.

W20 2024 - Brasil 

Durante o encontro, soubemos que nossa delegação, foi liderada por Janaina Gama, que apresentou o plano de atividades e o calendário de 2024, junto com a presidente Ana Fontes e as delegadas brasileiras Adriana Rodrigues, Camila Achutti, Kamila Camilo, Maria José Tonelli e Maria Rita Spina Bueno .

Cinco eixos temáticos da agenda brasileira foram destacados:

• Empreendedorismo
• Mulheres em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática)
• Economia do Cuidado
• Violência de Gênero
• Justiça Climática

Esses temas tiverm co-liderança de países como Estados Unidos, Argentina, Austrália, Índia, Indonésia, Itália, México, África do Sul e União Europeia. Além disso, houve um grupo específico liderado por Adriana Carvalho, focado na sistematização da governança do W20, em parceria com Itália e Índia, além da África do Sul e Estados Unidos, que presidirão o G20 em 2025 e 2026, respectivamente.

Outro ponto importante abordado foi a interseccionalidade entre gênero e raça, considerando que as mulheres negras e indígenas são as mais impactadas pela desigualdade de gênero no Brasil.

Vale ressaltar que o comunicado oficial detalhado ainda não está disponível, mas já podemos antecipar que essas são as áreas principais em que o Brasil estava focado durante o período de sua participação no W20.

B20 2024 - Brasil 

Especificamente, no comunicado conjunto B20-L20,  foi enfatizada a importância de promover o crescimento econômico sustentável e a inclusão social, destacando a igualdade de gênero como um elemento crucial para ambientes de trabalho mais inclusivos e diversos. O B20 destacou que é necessário avançar na implementação de políticas que garantam a inclusão econômica de grupos sub-representados, promovam a diversidade no local de trabalho e combatam todas as formas de discriminação. Essa abordagem visa não apenas criar oportunidades para mulheres, mas também melhorar a produtividade e a inovação nas empresas ao integrar perspectivas diversificadas.

Além disso, o B20 reforçou a necessidade de uma transformação digital que seja inclusiva e equitativa. Isso inclui investimentos significativos em capacitação e requalificação da força de trabalho, com ênfase especial nas habilidades digitais, que são essenciais para navegar as mudanças no futuro do trabalho. O B20 e o L20 também enfatizaram a importância de investir em educação de qualidade, especialmente em áreas como STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), para preparar uma força de trabalho resiliente e ágil, capaz de enfrentar os desafios das transformações tecnológicas.

Outro ponto crucial abordado foi a Justa Transição diante das mudanças climáticas. O comunicado pede que as políticas climáticas sejam desenvolvidas em cooperação com os parceiros sociais para evitar impactos socioeconômicos negativos, como perdas massivas de empregos. Nesse sentido, o B20 destacou que a transição para uma economia verde deve ser gerida de forma que proteja os trabalhadores, oferecendo oportunidades de requalificação e assegurando que as mudanças sejam justas e inclusivas.

Por fim, o comunicado ressaltou que as empresas precisam de incentivos adequados e de um ambiente regulatório favorável para se adaptarem às mudanças climáticas e à transformação digital, garantindo que todos os grupos, especialmente os sub-representados, sejam incluídos nesse processo. 

Minhas perspectivas 

É extremamente importante que em posicionamentos poíticos em forúns economicos tão relevantes como essa pauta de gênero entre em destaque e que essa discussão aconteça, acredito que o Brasil ter sediado esse evento tão importante nos deu a oportunidade de pautar agendas esenciais para nosso cenário e protagonismo global, trazendo questões que nem sempre serão trazidas pelo norte ocidental tais como as questões raciais, já que historicamente esses países são os colonizadores que foram responsáveis por essas desigualdades e também sobre a vulnerabilidade que essas populações se encontram cada vez mais por conta das mudanças climáticas que já estão ocorrendo. 

No entanto, entendendo o histórico de discussões do grupo, entendemos que alguns assuntos extremamente importantes como o acesso a crédito para mulheres, que é um assunto recorrente nas discussões do grupo não conseguimos ver ações concretas para a concretização desses objetivos, e não é algo pouco significativo já que estamos falando de uma parte da população global que poderia gerar negócios melhores e fortalecer o comércio mundial.

Em relação à pauta de diversidade e inclusão de mulheres no mercado de trabalho, da qual Paula Bellizia é a responsável na delegação atual, acredito que o resultado final do comunicado reflete nossos desafios atuais. Contudo, na prática, o que observamos é um retrocesso preocupante. De acordo com um relatório recente da McKinsey & Company, embora muitas empresas tenham adotado políticas de diversidade nos últimos anos, cerca de 27% dessas empresas relataram uma redução significativa no investimento em programas de diversidade desde 2021, citando pressões econômicas e a crescente resistência política como principais fatores. Além disso, um estudo do Fórum Econômico Mundial apontou que a pandemia de COVID-19 exacerbou as desigualdades de gênero, com as mulheres enfrentando demissões em taxas desproporcionais e uma recuperação mais lenta no mercado de trabalho .

A situação é ainda mais crítica no setor de tecnologia, onde a inclusão de mulheres foi um dos principais focos tanto do W20 quanto do B20. Apesar disso, empresas líderes como Microsoft encerraram recentemente suas áreas dedicadas à diversidade e inclusão, citando a necessidade de reestruturação e cortes de custos. Em 2023, as Big Techs realizaram demissões em massa que afetaram desproporcionalmente as mulheres, com estimativas indicando que mais de 70% dos demitidos eram mulheres. Esse movimento representa não apenas uma perda significativa de progresso, mas também um enfraquecimento dos esforços globais para promover a equidade de gênero em setores críticos como a tecnologia. 

Outro ponto que notei e que inclusive foi um questionamento meu sobre o assunto, é que devido o avanço da extrema direita em diversos países em que alguns representantes eram de países com governos com essa orientação, as delegadas relataram uma maior dificuldade em colocar no papel os avanços que elas gostariam nessa discussão.

Em resumo, acredito que o Brasil sai fortalecido e segue se posicionando na dianteira de discussões importantes como as que mencionamos acima, no entanto acredito que apesar de nos discursos sabemos exatamente onde queremos chegar, na prática isso não vem se concretizando da maneira que gostaríamos.

Me conta aqui nos comentários o que achou sobre o texto e suas perspectivas sobre nossa atuação nesses fóruns.