Dove e o racismo, de novo?
campanha Dove 2017

Dove e o racismo, de novo?

A campanha da Dove que foi retirada as pressas ontem é certamente o sintoma de uma incapacidade crônica de aprender com os próprios erros além de ser a prova da falta de interesse verdadeiro da marca para o tema da diversidade. Uma empresa, que pisou na bola varias vezes e cujo pessoal de marketing no mínimo deveria ter aprendido uma certa cautela e a falar com os colegas de responsabilidade social antes de aprovar uma campanha (o cara de RS deve estar deitado no chão chorando em posição fetal até agora). Uma possível explicação é que provavelmente a empresa ainda (!) não elaborou adequadamente as diretrizes de sustentabilidade e responsabilidade empresarial em termos de governança e de cadeia de valor.

Por deformação profissional o que mais me deixa sem palavras nesta história é papel critico da agência que criou a campanha pois não podemos esquecer que a loucura toda partiu em um lugar aonde alguém criou o conceito e ninguém se sentiu incomodado. Ninguém naquela que por definição deveria ser uma oficina de boas ideias, em posição de liderança ou gregária, teve sensibilidade, bom senso, liberdade ou capacitação sobre os temas da diversidade, ao ponto de conseguir parar o delírio. O cliente teve o seu papel na difusão deste absurdo, mas o que mais me interessa destacar também é responsabilidade enorme que os profissionais de comunicação têm. Os criativos da agência receberam um briefing para criar uma campanha que mostrasse que o Dove serve para todo tipo de pele e, tenho certeza, já equivocaram no começo, achando que todo tipo de pele é sinônimo de todo tipo de cor. Apesar deste deslize semântico inicial, poderiam ter se saído melhor, escolhendo por exemplo uma referência clássica como, sei lá, o morphing do vídeo do Michael Jackson, Black or White. Infelizmente, eles acabaram escolhendo o jeito mais grotesco ever (tirar a camiseta da mesma cor da pele) para cortar de uma mulher para a outra. Mas ainda poderiam ter encontrado uma saída na ilha de edição da produtora, se alguém de bom senso tivesse sugerido de aumentar o numero de etnias representadas e a ordem das mulheres. Isso teria sido muito útil, especialmente na hora de editar a versão da campanha destinada à veiculação nas redes sociais, pois até um estagiário de publicidade e propaganda sabe que na comunicação audiovisual multiplataforma cada veiculo precisa de um raciocínio, ainda mais as redes sociais caraterizadas por linguagem específica, formatos e dinâmicas de fruição próprios. Nem isso conseguiram fazer, tamanho foi o racismo consciente ou inconsciente de toda a cadeia produtiva. E na hora de explicar o que aconteceu, a Dove pediu desculpas por ter ofendido as mulheres, colocando que as intenções eram outras e que a imagem foi tirada do contexto. As pressupostas boas intenções de empresas cujo racismo comunicativo é tão profundo que chega a ser masoquismo, são evidência de uma falta de maturidade empresarial, pois as empresas são feitas de pessoas e as pessoas cometem erros com as melhores das intenções só quando não existem diretrizes claras, quando comprometimento com ética e responsabilidade social não fazem parte do dia a dia do negócio e não influenciam também em critérios de escolha dos prestadores de serviço e das pessoas. Aliás, falando em pessoas, se alguém viu esta propaganda e não se sentiu incomodado, por favor, pare para pensar. Pode existir a remota possibilidade que você tenha atitudes racistas ou aceite o racismo como algo de normal sem nem perceber. Isso é algo que pode moldar as suas relações e até a educação dos seus filhos sem que você queira mesmo em sana consciência espalhar a semente do ódio e do racismo pelo mundo. E se você tem um papel chave na comunicação de uma empresa o racismo não consciente pode causar problemas de proporções bíblicas. Por isso, faça um favor a você e à sua empresa, sente-se e procure informações e, possivelmente, também a ajuda de um profissional (de responsabilidade social empresarial ou diversidade, dependendo das necessidades) que oriente o seu time. Nunca é tarde demais para melhorar o mundo, nunca é tarde demais para aprender com os erros dos outros (e com os nossos).

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