E Deus chorou...
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Viver é bom quando se acumula uma boa porção de lendas e histórias. Algumas, vem da cabeça da gente, outras a gente escuta, muitas a gente lê ou escuta. A verdade é que elas vêm e vão, constituindo nosso cabedal de sabedoria e de vivência, principalmente aquelas histórias que tem um fundo moral e que servem para nossas reflexões. Vou contar uma delas agora, já pedindo perdão por não citar quem me contou ou o livro onde li. É a história de um rio bem rasinho, que corria mansamente pelo seu leito de barro, com águas muito turvas, mal cheirosas e com peixes da cor de lama que buscavam o seu alimento no fundo lodoso. Por seu raso, no seu trajeto não existiam pontes, apenas algumas pedras no seu leito que improvisavam caminhos umidificados pelas lentas e escuras águas. Até os animais da floresta evitavam aquele fileto de água fétida, não querendo sujar suas patas no quase pântano. Preferiam vaguear um pouco mais e beber água fresca e limpa num lago mais próximo.
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Mas Deus, que tudo vê e tudo pode, teve piedade de tanta miséria e mandou um de seus gênios de luz para tentar acordar aquele riacho tolo e contaminado pela comodidade, despertando-lhe da preguiça e tentando desafiá-lo a romper a inércia de sua existência. O ribeirinho parecia uma cobra morta, serpenteando-se indolente pelos caminhos mal formados. Nas suas margens cresciam apenas sargaços, taboas e lírios selvagens. O gênio, então, decidiu secar um pouco do solo e construir com a terra uma barreira, de tal forma que não restou ao rio outra alternativa senão a desviar o seu leito. Forçado a movimentar-se, o velho ribeirinho começou a saltar sobre as pedras e, represado, ganhou forças para arrastar algumas árvores e abrir novos caminhos por sobre abismos de areias e pedregulhos, batendo-se em choques repetidos contra os barrancos de suas margens.
E foi assim que suas águas, filtrando-se em seu novo leito, não mais de barro e sim de pedras de múltiplas cores e tamanhos, tornaram-se, mas límpidas e cristalinas. As ondas, ao ricochetear nos penhascos, formavam uma espuma branca, denotando o esforço da luta constante que denotavam um trabalho íntimo de purificação. Vieram peixes coloridos, novas flores nos muitos aguapés que subiam, deixando cintilar na superfície das águas o reflexo das estrelas e as bênçãos da luz do sol. Tornou-se mais profundo e os humanos construíram pontes em forma de arcos sobre ele, enquanto os animais da floresta não mais o evitavam e iam matar sua sede no novo regato. Ao ver o resultado, Deus pensou nos muitos homens que não aproveitam as suas oportunidades e teimam em se manter como rios lentos e barrentos, desprovidos de valor e de glória. Foi quando Deus chorou e lamentou a estupidez humana.