E você, saiu de casa como?

E você, saiu de casa como?

Coisa de uns três meses atrás, uma amiga deu à luz a gêmeos, um menino e uma menina, lindo e linda de bochechas rosadas, barriguinha de leite e pés de bisnaguinha, e olha, ela estava aflita, preocupada, pensativa, com medo... do mundo! Postou uma mensagem falando sobre isso e até pelo menos a quinta linha eu permaneci fiel e em concordância, afinal, ela dizia que foi uma criança e adolescente excêntrica, estranha, gostava de poesia, de aprender palavras novas e tinha a péssima mania de gostar de falar de tudo que aprendia, o que a afastava uma boa quantia de gente (gente boa, mas desinteressada), e até ai eu estava prestes a comentar “Oi alma gêmea, você também escutava Raul?”, até que a mensagem ganhou outro tom, que foi quando a preocupação, a aflição dela, o medo veio a tona, BOOOOM (bomba explodindo), deixei de me conectar com a mensagem, cortei o cordão umbilical, tchau, fui, adeus, que a porta bata onde o sol não bate. Deixei de me conectar, não por não entender o medo e a preocupação, mas por perceber que ela realmente se sentia estranha, desajustada, sem pertencimento e tinha medo de que o mesmo acontecesse com os seus filhos, e eu nunca me senti assim.

Eu gostava de poesia, pôr do Sol, dança, Deus e Raul Seixas, a Cris já tinha corpo de atleta e gostava mesmo é de cantar, a Pamella não parava um segundo quieta, gostava de aprontar, era 100% axé, reggae e também rock’n roll, uma vez até bateu a cabeça numa pedra do sítio, ela corria toda hora, a Thalita gostava de inglês, era quietinha, amorosa e tinha alergia a peixe, Carol chorava por um tudo, tinha os olhos mais bonitos, um CD do Rouge e amava manter todo mundo unido, e pra mim, isso era normal, sempre normal, estava tudo bem. Eu usava palavras que minhas amigas e amigos não conheciam e nem queriam conhecer, as vezes era quieta, as vezes falante, não gostava de bagunça, apreciava um bom e velho silêncio, e com uns dozes anos cismei que era muito importante a gente nessa idade discutir filosofia, ética e moral, me sentia diferente, mas nunca estranha no sentido pejorativo da palavra, entende? E bom, esse mérito não é meu (embora gostaria que fosse). É de meus pais esse mérito! Nunca me senti estranha em casa! Aprendi que gostar de poesia, filosofia e baleias do Japão não me faziam melhor do que ninguém, mas me faziam eu (eu sei, “me faziam” é ruim, mas gostei), era quem eu era e estava tudo bem, “Deixa ela comer ali no cantinho mesmo, que Marina gosta de comer em silêncio e devagar”, e ai de quem ousasse falar do meu allstar preto de caveira ou das reciclagens malucas que dava de presente pros meus pais, “Deixa! Ela gosta”. (Não queria escrever muito e já deu uma folha... que saco) Bom, a questão é que por não me sentir estranha em casa, não fui pra rua me sentindo estranha, por ser aceita em casa, não fui pra rua buscando aceitação e por sair já de casa gostando do meu diferente, eu via graça no diferente do outro também. Eu me sinto assim, diferente, mas pode ser que o outro justamente por ser diferente de mim, se sinta da mesma maneira, é preciso sair de casa sabendo que tá tudo certo, sabe? Você é quem você é e isso é lindo! Se roubar o lápis do amiguinho, xingar a mãe, ou gostar de ofender os outros, vai precisar de umas medidas educativas aqui e ali, mas se for educado, amado, aceito, tudo certo, eu acredito mesmo que vai dar bom e eu queria que minha amiga tivesse saído de casa sabendo disso, fiquei pensando... Sabe que justamente por me aceitar diferente e por amar o diferente do outro, é que acabei me vendo também igual, tenho centenas de coisas em comum com todos os meus amigos e familiares, talvez com todo mundo no mundo.

Agora, é tudo um pouco mais cagado, né? Mais cobrado, exagerado, mais, mais, mais e mais, se votou no fulano, não vai poder discordar dele em nada, se votou no ciclano é bandido, se falou que queria ser médico, não pode de maneira nenhuma querer ir vender sua arte na praia ou ser geólogo, hoje, é meio que todo mundo escravo daquilo que foi, disse, ou um dia sentiu, né? Não pode mudar de opinião. “Não amava de paixão, agora vai separar?”, “Até ontem se esbaldava na carne, agora quer ser vegetariana, vegana, a própria Ana?”. Uma amiga mandou uma foto de natal de uma ceia simples com sua família e a outra respondeu “Acho natal tanta hipocrisia”, eu entendi, mas achei esquisito, era só uma foto em família, cara. Enfim, acho que talvez entenda sim o medo da minha amiga, como se virar num mundo onde ninguém tolera mais ninguém (ou quase ninguém)? É difícil, né? Mas sem direito nenhum de dar algum conselho, dou mesmo assim: Saía de casa amado! Não deixe ninguém sair da casa sem sentir amor e aceitação! A gente só dá aquilo que tem dentro, né? Não é isso que dizem? Então, acho que amor em casa, gera amor pra dar lá fora, aceitação em casa, gera aceitação pra dar lá fora, educação em casa, gera educação pra dar lá fora, aí sei lá, vamos todos ser gentis e humanitários, mas deixa quem quiser comemorar o natal, comemorar o natal, deixa o fã de churrasco virar protetor dos bichos, deixa o outro mudar de opinião, deixe, não prenda. Ame em casa.

2019.01.21 Marina Mazzetto


Excelente texto, Coach!

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