A morte de José, Maria, João e a nossa!

A morte de José, Maria, João e a nossa!

No sábado, dia 01 de fevereiro de 2019, o meu irmão foi assaltado. “Dois caras numa moto” de um jeito que não tem graça como nos memes e que não faz a gente rir. A Mari, nossa gerente no banco, acabou de me ligar dizendo que não consegue falar com ele e que transações estranhas foram feitas em sua conta, daí contei pra ela “Ele foi assaltado, o celular foi junto” e só aí que a minha ficha realmente caiu, caiu como gota de chuva forte que se esparrama no braço da gente e grita “CORRE! VAI CAIR UM TORÓ”, só que antes que você consiga numa fração de segundos decidir para onde correr, já caiu, já foi, seus braços, cabelos, mochila e pés já estão encharcados, são as águas de março inundando o verão, mas por hora, sem promessa de vida pro meu coração. Acho que Elis Regina ficaria triste de saber, bom, eu com certeza estou.

O meu irmão está bem, sabe? Já fez 58 mil coisas depois e não fez disso um marco (Amém!), embora isso tenha o marcado (literalmente falando). Mas com toda essa água sobre as nossas cabeças, fiquei aqui pensando, matutando sobre a garrafa de vidro que na garganta dele não entrou, mas que cortou José, matou Maria, fez chorar a Luana. Fiquei pensando que quando um bandido mata alguém, não morre só a pessoa, né? Morre um pai, morre um pedido de bênção de manhã (Bênção, mãe. Deus que te abençoe, minha filha), morre uma vó que amava fazer bolo, morre uma melhor amiga, morre uma ligação de boa noite, morre um filho que amava aprontar, morre um abraço, morre uma ajuda, morre um noivo e um cara que seria pai mês que vem, morre um sonho de passar esse ano novo na praia, morre uma grávida de enxoval comprado, morre um pedaço da gente, um pedaço de alguém, uma fração de mundo, de coração que bate... morre e mata-se, múltiplos.

Tentei me animar e pensar, o bom é que as vezes não mata, né? Daí se vive e com ainda mais vida, e com a esperança de quem recebeu uma nova chance, mas não durou muito a animação, aliás, foi só até o anim, nem chegou na ação. Pensei no celular que se trabalhou o ano inteiro para comprar e o bandido levou, pensei na foto de uma criança linda e naquela mensagem que enchia os olhos, que acabaram indo junto. Pensei no carro que pela grana curta, não deu pra pagar o seguro e que fulano amava tanto e tratava com tanto cuidado que lavava todo final de semana, no carro que ajudaria a ir pro trabalho e não precisaria mais acordar às 5 e ir pegar o busão, no dinheiro da conta de luz, na foto 3x4 da sua filha que foi com a carteira. Pensei na blusa que foi o último presente recebido pela vó, antes dela ir descansar pra sempre... pensei múltiplos.

Achei que já estava bom de pensar, mas minha mente as vezes é um saco e inventou de me lembrar da dor intangível, da que não se vê, ou que se vê sim, mas a gente ignora ou quer chamar de frescura, da dor que vem de uma confiança de andar na rua que morre, do medo de sair de casa, da síndrome do pânico, da frustração, da angustia, do sorriso que diminui, das dores no corpo físicas (porque tem isso também, né? te batem) e emocionais, da sensação de impotência, do anseio da vida, do medo de mim, do medo de você, do medo do ser, ser humano. Será que sabe que tá levando, roubando, matando tanta coisa (não queria chamar de coisa, mas não achei sinônimo)? Num surto de esperança quero achar que não. Não sei. Normalmente, escreveria sobre esperança, auto responsabilidade com o que fazer a partir de agora, ação, ou algo bem bacana, mas hoje não, hoje vou ficar triste, hoje vou sentir a dor, a dor por tudo isso que parte do ser humano se tornou (e que dói acreditar) e mais do que tudo, hoje não vou tomar açaí, o açaí que era só o que Thiago queria, de chinelos, inocência e com calor. Amanhã vou viver, acreditar, receber amor e amar, amanhã vou ter empatia e compaixão com o outro lado, mas só amanhã, porque hoje, hoje vou mesmo sentir a dor, a dor que me permito ou a que algum bandido deixou quando uma criança foi comprar pão e não voltou... Deixou em José, Maria, Igor, Marcela, Thalita, Felipe, Rafael, Suzana, Yara, Carlos, Suzana e múltiplos. Só hoje.


Dor ah dor, mesmo que não desejamos as vezes precisa ser sentida, trazer um pé para realidade geral e nos motivar a mais esperança.

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