Economia Institucional: Porque esse é o principal motivo pelo atraso brasileiro.
Soa bastante pretensiosa a tentativa de definir, dentre as tantas conhecidas, a principal razão do atraso econômico e social brasileiro. Tenho por hábito, no entanto, ser incisivo em minhas convicções. Defenderei com argumentos esse ponto, e recomendo fortemente que escrevam na caixa de comentários outras possíveis causas. É discutindo o país que poderemos pavimentar um caminho de evolução.
O conceito de Economia Institucional nasceu nos EUA, em meados do século XX, notadamente na época do chamado New Deal, plano de recuperação econômica do governo Franklin Delano Roosevelt (1988-1945), que tinha como missão diminuir as perdas da grande depressão de 1929. Bem mais próximo dos nossos dias, surgiu uma nova corrente com nome parecido, mas proposta e abordagem bem diferentes. A Nova Economia Institucional, conhecida mundialmente através da obra do célebre economista norte-americano Douglass North (1920-2015), vencedor do Prêmio Nobel em 1993, entende que por trás do desenvolvimento de um país, há toda uma estrutura de instituições que permitem que todos os ramos da economia - e da sociedade - funcionem em consonância com os valores democráticos e do livre mercado. O economista brasileiro Marcos Lisboa (University of Pennsylvania/INSPER) resume bem, em uma frase, o que busca a economia Institucional: Tratar os iguais como iguais.
Há muitas razões históricas para explicar o nosso atraso. Em seu mais recente livro, A história da riqueza do Brasil, o pesquisador Jorge Caldeira (USP) define os dois principais motivos pelo declínio brasileiro - em relação ao mundo - a partir da independência, em 1822. Segundo o livro, até então, nosso país tinha uma economia bem parecida com a dos EUA, por exemplo. O império dos Dom Pedro não foi capaz de nos colocar na rota do novo sistema que emergia na América do Norte e Europa -- o livre mercado. A criação de empresas era proibida, todos os negócios eram realizados à margem da lei. Toda a nossa economia era informal. Segundo dados levantados no livro, entre 1820 e 1890, a renda per capita teve um crescimento de míseros 4%. No mesmo período, a renda por habitante dos Estados Unidos foi multiplicada por quinze. Ficamos para trás. Para além da falta de regulamentação, outra questão se agravou muito nessa época, a que explica bem quase todas as nossas mazelas: Escravidão. Um crime terrível, a maior mancha da nossa história. E além de tudo, as tentativas de manter o modelo de produção conhecido como plantation - comum também no sul dos Estados Unidos e que tinha na mão de obra escravizada um pilar fundamental - foi altamente disfuncional do ponto de vista econômico.
Tudo o que foi dito no parágrafo acima se refere ao escopo da economia institucional. Durante praticamente cem anos, apesar da ineficiência gritante da economia escravista, as leis e instituições que mantinham a possibilidade da posse de um ser humano por outro foram mantidas a duras penas, com o país inteiro pagando um preço muito alto. Ao mesmo tempo que protegia um modo de produção fadado à estagnação econômica, as leis que faziam da escravidão o centro dos negócios no Brasil impediam que a produção do modelo capitalista se instalasse por aqui. Uma forma bastante clara de demonstrar isso é através de alguns dados de crescimento econômico no país após o fim do império, a partir de 1889 (mesmo período da assinatura da Lei Áurea). A Indústria teve um crescimento de 8% ao ano nos primeiros trinta anos de república, um crescimento impressionante, enquanto a produção cafeeira cresceu apenas 2% a.a. Essa mudança se deu por uma questão institucional. Em um de seus primeiros atos como Ministro da Fazenda, Ruy Barbosa (1849-1923) instituiu, através do Decreto nº 164, de 17 de Janeiro de 1890: “As companhias ou sociedades anônimas, sejam civis ou comerciais, podem estabelecer-se sem autorização do Governo.”
Após a grande crise de 1929, as economias mundiais mudaram bastante. Também pelo impacto das duas grandes guerras do começo do século XX, tivemos, entre 1930 e finais de 1980, um modelo bastante fechado do ponto de vista do comércio internacional. Os países entenderam que precisavam se proteger da contaminação de crises externas. O Brasil adotou o mesmo padrão da grande maioria e conseguiu crescer em consonância com o mundo desenvolvido no período, apesar da degradação institucional constante após a revolução de 1930, o estado novo e a ditadura militar. No final dos anos 70, tudo se alteraria novamente. Tendo como principal causa os chamados choques do petróleo, boa parte dos países desenvolvidos percebeu que o modelo vigente era insustentável. Comandados por lideranças mundiais importantes como a então chanceler britânica Margaret Thatcher (1925-2013) e o presidente americano à época, Ronald Reagan (1911-2004), o mundo voltou a apostar no comércio internacional e em estados nacionais mais austeros e menos intervencionistas. O Brasil decidiu permanecer, quase sozinho, na mesma estrada. Manteve as instituições que eram verdadeiras máquinas de produzir estatais e todo um sistema voltado a aumentar o estado e diminuir a autonomia do indivíduo, sem com isso ter criado um ambiente de bem estar social. Desde esse período (anos 1980), até o final dos anos 1990, focamos quase que 100% dos nossos esforços econômicos e sociais em eliminar o fantasma da hiperinflação. Foi mais do que uma década perdida com esse tema. Em 1988 aprovamos a nossa atual constituição. E mais uma vez parafraseando Marcos Lisboa: Que tem um “andar de cima” muito bom, garantindo liberdades individuais e o estado democrático de direito, tão caro à geração da época, mas tem patamares abaixo repletos de geração de privilégios infindáveis e vitalícios. Do ponto de vista da economia institucional, requer muitos ajustes.
Chegando bem perto dos dias atuais, temos outro registro histórico dessa escolha brasileira em não participar - e portanto não colher os frutos - do comércio internacional. Em 2007 houve um "quase consenso" na sociedade pelas mudanças na regra de produção do petróleo, ato contínuo à descoberta da então alardeada camada pré-sal. Mudamos as regras do jogo entendendo que gerando monopólio, teríamos mais crescimento econômico. A realidade se mostrou bem distinta. De forma um tanto paradoxal, dessa mesma época há exemplos de boas iniciativas, mais mudanças nas regras do jogo, essas no entanto, melhorando o sistema. Um deles é a criação do empréstimo consignado. Iniciativa simples, mas que aumentou o acesso e diminuiu os juros dos empréstimos pessoais no Brasil nos anos 2000, como explica o economista João Manoel Pinho de Mello (INSPER). Outro caso de sucesso foi a adoção da chamada alienação fiduciária, bem explicada por Juliano Assunção (PUC-Rio). Podemos dizer, em resumo, que na história recente, nossas mudanças institucionais positivas foram pontuais, e em uma dimensão micro, enquanto as ruins foram a maioria, e em proporção macro.
A atual crise sanitária nubla a compreensão do país, pois toma para si todo o noticiário, e parece que tudo na vida depende da solução desse problema. É uma realidade, mas é sempre bom lembrar que mesmo antes da pandemia nossa economia não estava decolando, como grande parte do mercado apostou após a eleição do atual presidente, e sua promessa de, a partir da liderança de Paulo Guedes (UFMG/University of Chicago), entendido como o liberal que transformaria o Brasil nos “Estados Unidos Tropical”. O fato é que, a duras penas se aprovou uma reforma da previdência bastante tímida, e pouco se avançou na reforma tributária, a mais importante do ponto de vista institucional. E o que se via, mesmo antes de março de 2020, eram empresas fugindo do país, tais como Walmart, Fnac, Ford, Audi, Mercedes, Roche, Nike, Nikon, entre outras. E mesmo bancos como City Bank e HSBC. Como poderia ser diferente? Ninguém entende nosso sistema tributário, ninguém aguenta tantas mudanças de entendimento das milhares de regras fiscais, que muitas vezes são diferentes para produtos extremamente parecidos. Ninguém mais suporta a guerra de liminares em um sistema judiciário caríssimo e ineficiente. Não somos um país sério e transparente, não tratamos os iguais como iguais e não protegemos os que realmente necessitam de cuidados especiais. Temos alguma riqueza e logramos algum crescimento ao longo da história pela nossa abundância de recursos naturais, pela força do cidadão comum, dos imigrantes, dos autônomos, entre outras coisas. Precisamos urgentemente de um pacto para arrumar a casa, mas não tenho tanta ilusão, no alto dos meus vinte e sete anos, de ver isso acontecendo. Há várias propostas de reforma tributária na câmara dos deputados, e qualquer uma que se proponha em dar alguma isonomia, acabará prejudicando algum ramo específico da economia, hoje privilegiado, no curto prazo. Um exemplo é o setor de serviços, que, convenhamos, paga bem menos impostos que a indústria atualmente. No médio e longo prazos, todos se beneficiariam de um sistema mais justo e simplificado, mas o que parece importar muito mais por aqui é manter vantagens, agarrar-se a elas sem observar a questão por uma visão global. Mantendo esse padrão, todas as outras iniciativas, por mais bem intencionadas que sejam, serão inócuas. Não veremos um crescimento econômico capaz de nos colocar na lista dos países com a maioria da população em classes médias e vivendo com um mínimo de bem estar social.