Efeito colateral do COVID-19: a irracionalidade.

Efeito colateral comprovado do COVID-19: a irracionalidade.

O que dizer do que observamos atualmente no Brasil? Poderia até ser muitíssimo engraçado, se não fosse trágico. As últimas ocorrências não só mostram que estamos enfrentando mais uma crise, mas também, que há um crescente número de pessoas ficando cada vez mais irracionais.

Nosso país, há quase um século, sequer sabe o que é saneamento básico. O próprio Charles Darwin já havia deixado isso registrado quando esteve por aqui. Depara-se nas ruas com esgotos a céu aberto e resíduos domésticos sendo jogados em rios que servem de subsistência a terceiros. Nas mesmas ruas em que os boeiros e galerias entupidas jorram águas fétidas na superfície, milhares de foliões e pedestres caminham com suas sandálias rasteiras ou até de pés descalços.

Nosso país, há mais de cinquenta anos, observa, catatônico, pacientes deitados nos corredores de hospitais públicos, mulheres dando a luz em cadeiras de sala de espera e idosos mumificados com um soro pendurado no braço sentados no chão de um pronto-socorro. Porém, tal cenário não é comum nos hospitais particulares.

Nosso país é infeliz testemunha (e vítima) das barbáries da violência urbana, seja no trânsito, seja pela criminalidade. Os números de assassinatos no Brasil podem facilmente ser equiparados aos de estados de guerras passadas. Passou a ser o "novo normal" ligar a TV e ver o banho de sangue que invade nossos lares cotidianamente.

Nossa juventude pós revolução do "sei lá o quê" grita palavras de ordens e reinvindicações aos quatro ventos, alegando que, agora, tem voz ativa na sociedade. Todavia, anos seguidos atingem a idade produtiva estando desempregados, semianalfabetos, dependentes dos pais e colocando bebês no mundo de forma desordenada. Depois, todos voltam a morar no mesmo lugar precário de saneamento básico, à mercê de hospitais públicos falidos e sob o jugo dos chefes da criminalidade local. Nossa! Quanta conquista! Quanta voz ativa!

Apesar disso e inúmeras outras coisas, é impossível não designar certos indivíduos como irracionais, na real acepção da palavra.

Como podem indivíduos, em tempos de crise, não perceberem o predador a espreita atrás da moita? Ficar como um alienado total assistindo a mídia lixo ou discutindo nas redes sociais sobre como defender este ou aquele político, artista, ator, músico ou jogador de futebol. Enquanto isso, o inimigo começa a mostrar suas garras fatais.

Um país que apresenta graves ocorrências de mortes (seja por um simples mosquito ou por um projetil de arma de fogo) ter cidadãos que ousam criticar, por exemplo, as medidas públicas de um país como a Suécia ante a pandemia do COVID-19. Logo a Suécia, aquele pedaço de terra "subdesenvolvido" que tem muito a aprender conosco acerca de qualidade de vida, educação, bem-estar, pesquisa, tecnologia própria, gestão pública, paz urbana etc. Afinal de contas, somos a nação canarinho.

Em tempos em que milhões de funcionários brasileiros foram demitidos (alguns até por meio de uma simples mensagem instantânea) com a desculpa da pandemia, ficar em casa, despreocupadamente, fofocando nas redes sociais ou opinando sobre assuntos que só viu de relance no "grupo da família" não me parece ser racional.

Esse tempo todo com restrições serviu, mormente, para que os grandes empresários tivessem a prova de que o sistema de trabalho em enormes escritórios, prédios e galpões já é passado e que a produção home office traz um modelo mais barato do ponto de vista do custo operacional (aluguel, luz, IPTU, empregados). Só que agora a curva de aprendizado dos novos sistemas informatizados está bem mais veloz. Sendo assim, se sua empresa instalou um inédito processo de home office durante a pandemia do COVID-19 e você continua em casa futricando lives e o que o famoso está fazendo, corre sério risco de receber uma daquelas mensagens instantâneas. Cuidado!

E o que dizer das máscaras salvadoras da pátria? Qualquer informativo sério traz o conhecimento de que o vírus do COVID-19 penetra em nosso corpo, principalmente, por três meios: olhos, boca e nariz. Até agora, não li em lugar algum que ele entrava pela orelha, furava o couro cabeludo/crânio ou atravessava os poros. Não é um mutante de aço indestrutível. Diz-se que é extremamente fácil matá-lo: basta lavar bem as mãos e, se possível, completar o asseio com o álcool gel.

O neurótico irracional passa a querer usar máscara (e exige que todo mundo também a use) dentro do carro sozinho, no banheiro de casa, no elevador, praticando corrida, levantando peso. Aliás, nem precisa ser uma máscara apropriada, que levou um tempão para ter sua fabricação aprovada pelos conselhos regulamentares atinentes. Qualquer um em sua casa pode fazer a sua própria máscara de jeans, pano de cortina, de plástico, de saco de arroz ou filtro de café. Pronto! Estão todos protegidos, mesmo que continuem a esfregar os olhos continuamente com as mãos sujas ou reutilizando infinitas vezes a mesma máscara colocada em cima da mesa, dentro da gaveta, no porta luva do carro etc. Não sei por que o Brasil não anunciou para a Suécia, Alemanha, Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos que o problema das máscaras salvadoras foi resolvido pela nossa imaginação.

O mais irracional então, não posso deixar passar: uma miríade de analfabetos funcionais e políticos discutindo (ou criticando) com médicos sobre a eficácia deste ou daquele composto químico no tratamento de tal doença. Isso mesmo! Inacreditável! Pior são os médicos profissionais que entram nesse bate-papo de boteco. Gente que sequer sabe escrever seu nome ou completou o ensino fundamental querendo discutir sobre a, agora famosa, cloroquina (nem sei se está grafado corretamente). Nunca vi, no Brasil, alguém entrar numa UTI de hospital público com um parente à beira da morte para ser atendido e perguntar ao médico: - "O senhor vai usar ácido acetilsalicílico, corticoides ou adrenalina para salvá-lo?" Gastar energia mental num debate desses chega a ser a primazia da irracionalidade.

Por fim, mas não menos importante, o que não pensar a respeito da postura dos colégios, faculdades e universidades? Alguém ainda tem dúvida de que esse ano letivo já está perdido? Se nossos alunos das escolas públicas e privadas, ao longo de um ano inteiro sem interrupções, já colaboram para o Brasil brilhar no ranking dos países com os piores índices de educação básica (Matemática, Português, Redação e Leitura), na metade desse tempo, há como ter ensino de qualidade? Algumas instituições correram para criar uma aula on-line mambembe só para ter a justificativa legal de cobrar a mensalidade (ou parte dela) no fim de cada mês. Montaram uma câmera na frente de um quadro com um sujeito cuspindo a matéria em forma de monólogo. O pior é que vejo pais dizendo: ..."meus filhos estão estudando normalmente nas aulas à distância"... A escola deles é excelente. Infelizmente, essas crianças ensinadas no padrão brazuca mambembe, cujas instituições são obrigadas a cumprir o currículo nacional, serão as futuras frustradas quando não passarem nas suas provas de vestibular, processos seletivos e concursos públicos. Seria muito mais adequado usar este tempo para intensificar somente a Matemática, Português e Leitura. Afinal de contas, ninguém pode dizer que os alunos estão sem tempo para estudar.

Alguém muito arguto disse que não há maior irracionalidade do que fazer a mesma coisa sempre e buscar alcançar resultados diferentes.

Numa nação, como a nossa:

a) com quase 50% da força de trabalho na informalidade;

b) com índices de aprendizado educacional beirando o analfabetismo;

c) com mais de 40 partidos políticos que abrigam corrupção, roubo e falcatruas;

d) com índices alarmantes de violência doméstica e assassinatos diários; e

e) com um sistema público de saúde inadequado até mesmo para animais.

... é extremamente irracional achar que é inteligente ficar de braços cruzados esperando uma cura mágica que cairá do céu ou virá do seu partido político de coração. 

Opa!

É melhor ir checar se você ainda está empregado...

Fica a reflexão.

(Autor: Julio Cesar de Souza Pereira)