Ele foi o "monstro do violão"
Darcy Villa Verde, que teve sólida carreira internacional, viveu em Joinville nos anos 1990

Ele foi o "monstro do violão"

[Trecho do livro "O Pinho Toca Forte - Histórias do Violão Joinvilense", lançado em 2016 e disponível para venda aqui]

O “monstro do violão” esteve entre nós. Um dos artistas brasileiros mais requisitados nos anos 1970, com renome internacional, o carioca que ganhou esse apelido de um apresentador de TV fixou residência em Joinville, em abril de 1993, e aqui ficou por quase uma década. Darcy Villa Verde andava pelos Estados Unidos quando soube que a mãe, Diva, havia se mudado para terras catarinenses, acompanhando a família de um irmão, funcionário da Petrobras. O músico veio conhecer Joinville e logo se encantou. Em pouco tempo, foi atrás da mãe, em busca da tranquilidade que o Rio de Janeiro já não assegurava. Morou nos bairros Glória e Iririú, fez algumas apresentações agenciadas pelo tio, João Carlos Villa Verde, e passou aqui os últimos anos de convívio com o instrumento, que pendurou para sempre em abril de 2000, quando tocou pela última vez, no aniversário de um amigo.

Da pacata São Lourenço, Minas Gerais, onde vive, Darcy deu entrevista ao autor em junho de 2015. Aos 81 anos, revelou ter largado a música por não ter mais pique para a maratona de religiosas quatro horas diárias de estudos que encarou enquanto esteve em atividade. Revelou uma ponta de vaidade, ao admitir que sempre detestou a imagem de artistas velhos no palco: “Pensava que isso poderia acontecer comigo”. Relatou que “uma das grandes felicidades” de sua história pessoal foi ter conhecido Joinville, embora lembre com melancolia que, naquela fase, perdeu a mãe. “Tenho saudades daí. Quem sabe, qualquer hora, vou dar um pulo em Joinville, no meu Fusquinha.” Com “mania de Fusca” (é dono de um modelo 83), foi pilotando o carrinho que, ao longo de 15 anos, girou pelo Brasil para incontáveis recitais, boa parte em localidades remotas. Viajava ao lado de Bob, um Setter irlandês – “tinha loucura por esse cachorro” –, com o violão, claro, e, zeloso pela autoimagem, muitos sapatos: “Violonista toca com o pé esquerdo em cima de um banquinho. Tem que caprichar no sapato”.

Nesse périplo, o produtor Alan Romero ia à frente, para agendar os concertos. Em 8 e 9 de setembro de 1973, a primeira parada no Norte do Estado, no palco da Sociedade Harmonia Lyra, sob o patrocínio da prefeitura de Joinville. A imprensa diria que o espetáculo “correspondeu à expectativa reinante, pela maestria e invejável talento” do artista. O músico estava na crista da onda, depois de uma longa temporada nos Estados Unidos e de sair com o troféu hors-concours do prestigioso Concurso Internacional de Violão, em Paris. A exibição, como declarou o violonista Fábio Zanon, em programa de rádio sobre a obra de Darcy, abriu portas na Europa: “Ele residiu na França por alguns anos, onde chegou a tomar aulas com a legendária Ida Presti”. Mesmo com a longa carreira, a única gravação comercial de Darcy é um compacto duplo de música popular, de 1962: “Sua atuação, neste disco, é modelar, e antecipa violonistas de hoje, ao conjugar raça, suingue e uma técnica absolutamente cristalina”, elogia Zanon.

As passagens por Santa Catarina deixaram, no empresário Romero, uma memória positiva. “Sempre tivemos casa cheia, público educado e muito espaço na imprensa”, resume. Segundo ele, foram tempos de pioneirismo, formando plateias para a música instrumental. “Em muitos lugares onde o Darcy tocou, nunca tinha havido um recital de violão. Depois, ficávamos sabendo que outros violonistas seguiram nosso caminho, o que era uma satisfação”. Joinville, Florianópolis e Blumenau entraram mais de uma vez no circuito, que também abrangeu Brusque e Lages – “uma experiência inesquecível, com um frio de rachar. Tivemos que colocar dois aquecedores potentes no palco, senão os dedos do Darcy enregelavam”. Primo do violonista, o médico Rui Villa Verde, que mora em Joinville, guarda um rico acervo do artista, como programas originais de concertos na Rússia e nos EUA, onde Darcy se apresentou na Georgetown University e no Carnegie Hall, festejada casa de espetáculos de Nova York. Rui se recorda de ter assistido a recitais marcantes, em espaços como a Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro. “Darcy incorporava aquelas características típicas do artista: era polemista, irreverente, bocudo, falava mal do governo em plena ditadura militar, mas sempre muito família. Era meio antagônico, enfim”. 


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