Empreendedorismo e Marketing
Não é novidade que a sociedade em que vivemos está em constante mutação. Nem sempre se trata de uma evolução (porque os avanços e recuos sociais não podem ser medidos exclusivamente pelos desenvolvimentos tecnológicos), mas de um estado de transformação, globalização e disrupção. Muito mudou desde os tempos antigos: estudámos a história num sentido de evolução em que as sociedades acompanhavam a tecnologia nos seus costumes e as tradições,ao invés de morrerem, adaptavam-se constantemente a novas realidades. O presente século escapa a tudo isso.Esta mutação dá origem a constantes crises, sejam elas de valores, sociais, económicas ou políticas. Não há, por isso, uma cisão absoluta, mas um estado de coisas. Dito isto, é fácil aceitar a noção de que cada vez mais, teremos que enfrentar um futuro que passa pelo Empreendedorismo, dentro e fora das organizações. Interessa perceber, antes de mais, que é isso de Empreendedorismo. Os conceitos gerais têm uma tendência vincada a darem-se à efemeridade e à imprecisão. Acontece que nele cabem um sem número de coisas: desde a capacidade de fazer à forma como se faz.
De uma forma muito genérica, podemos ver o Empreendedorismo como um estado e uma capacidade, sendo que nem sempre ambos acontecem simultaneamente. Muitas vezes, o Empreendedorismo é combate à depressão económica: sem emprego e sem meio de subsistência, há que utilizar um valor pessoal (que pode ir das couves da horta às capacidades e know-how), para criar uma forma de venda. Estes são os empreendedores que não têm opção: desenrascam-se. Por vezes, são os melhores porque são aqueles que se vêem forçados ao sucesso ou ao total falhanço económico. Depois, há os que são empreendedores porque são. Não há volta a dar: são pessoas que naturalmente identificam oportunidades, sejam elas de negócio ou de evolução. É evidente que esta é uma visão tremendamente redutora do que é ser empreendedor. Contudo, o conceito em si é de tal forma lato que qualquer pessoa que o tente explicar num parágrafo está votado a reduzi-lo.
O Empreendedorismo é, então, uma consequência e simultaneamente uma bênção da sociedade mutante em que vivemos, consoante se trate de um Empreendedorismo forçado ou opcional. Por definição, deveríamos ter empreendedores opcionais: afinal deveria tratar-se de uma escolha própria: “vou criar o meu negócio”, “quero melhorar a minha empresa”, “tenho como objectivo evoluir na minha carreira”. Nem sempre é o caso, e fica à consideração dos especialistas decidir qual das situações leva a maior sucesso ou a um inevitável fracasso. E o Marketing? Ah, é publicidade. Não, é design. É vendas… Na verdade, o Marketing por definição é o estudo do mercado. Na prática, é um conjunto de práticas, que passam pela publicidade, pelo estudo do produto, pela observação e medição do mercado e da preferência dos consumidores, pela análise de resultados, etc, e tudo isto aplicado às vendas (com a excepção clara das campanhas de Marketing com intuitos humanitários, sociais e não lucrativos em geral). O Marketing é então uma tentativa, por vezes frustrante, de acompanhar (ou mesmo estabelecer) tendências. Serve um duplo objectivo: satisfazer o cliente nas suas necessidades ou luxos, e ao mesmo tempo fornecer ferramentas empresariais que visam o lucro. E toda a empresa visa o lucro, tanto quanto todo o partido político visa o poder, independentemente do que vai fazer com ele.
Andámos décadas uma algazarra a tentar perceber o que o cliente quer. Depois chegámos à conclusão que ele próprio também não sabe. E por fim, tentámos descobrir exactamente como o levar a comprar um produto, seja ele qual for criando uma necessidade que até então era inexistente. E foi então que o Marketing (estudo de mercado, coisa inócua) se transformou no monstro que nos manipula sem olhar a meios. Claro que a questão não é assim tão linear: a lei protege o consumidor numa imensidão de coisas que não se podem fazer (mas fazem-se e com frequência) e o público evoluiu, tornando-se mais selectivo nas suas escolhas como consumidor.
No seu livro Marketing 3.0, Kotler indica que o Marketing passou por 3 fases: a primeira – Era dos Produtos – incide sobre o desenvolvimento de produtos funcionais e massificáveis; a segunda – Era dos Consumidores – tem o seu foco no consumidor e na segmentação de mercados; a terceira, em que nos encontramos – Era dos Valores – reconhece que o consumidor não é apenas um comprador,mas antes um indivíduo com preocupações colectivas e ambientais, que almeja uma sociedade melhor. Não sei se concordo com a terceira fase (não em pleno e não em Portugal), mas gostava de concordar.
A técnica de venda, o estudo de mercado, a manipulação do consumidor, só surge porque há mais oferta do que procura. Quando toda a gente quer comprar ninguém precisa de se preocupar em vender: a venda surge porque existe necessidade. Eu faço o meu produto porque é inovador e necessário e o cliente vai comprá-lo e querê-lo independentemente do que eu faça, ou antes: não faça. Era assim há 60 anos atrás, especialmente na América. Hoje há mais gente a vender do que a comprar e a concorrência é não só a base de todos os mercados, mas o factor que obriga simultaneamente à redução das margens e à inovação (por vezes a níveis exponenciais) dos produtos.
Comunicamos em tempo real. Se há 20 anos atrás nos levantávamos para ir mudar o canal da televisão, hoje somos impaciente com um telemóvel que demore mais do que 0,5 segundos a terminar uma tarefa. É tudo muito rápido. E no fundo é este o desafio do empreendedor actual: o que é que eu vou fazer/vender? Como vou chegar ao consumidor? A minha ideia já existe? É importante ultrapassar a ideia de que devemos produzir e vender o que o mercado exige. O mercado está alagado de produtos e nós, como consumidores, engordamos por todo o lado com tudo o que nos enfiam pela goela abaixo. A comunicação é constante. Estamos na Era da Participação (já o diz Kotler) e o consumidor envolve-se com a marca, dita a marca, vive a marca. Hoje em dia, vivemos ligados: telemóveis, computadores, programas em open source. Somos uma geração de DIY, de globalização e de integração económica. Acima de tudo, este é o momento em que nos ligamos mais aos outros consumidores ao invés de nos ligarmos a uma marca.
Aqui está o busílis da questão: se comunicamos mais depressa que nunca, se a sociedade se transformou uma massa constantemente moldada pelas transformações das quais nós próprios (individualmente e coletivamente) somos agentes, se o produto já não dita o mercado e o consumidor se envolve nas decisões de uma marca… Que raio vamos nós fazer? Vamos aceitar que tudo é mutação. Que o negócio que nos surge agora vai ser objecto de constantes melhorias ao longo do tempo. Precisamos de práticas inovadoras, de envolver os clientes com histórias que o emocionam (no fundo, o storytelling), de aceitar que o consumidor necessita e exige o seu próprio empowerment. Uma marca é um filho: é nosso e dele próprio ao mesmo tempo.
Numa sociedade que se voltou aos valores há que entender duas coisas: as pessoas dão-lhes importância e nem sempre sabem quais são os seus. Uma empresa deve ser definida pelos seus valores e deve explicitá-los. Não é apenas a visão do empreendedor que importa. É também a dos seus parceiros de negócios e dos colaboradores que diariamente trabalham junto dos consumidores. Se estes valores não forem autênticos o consumidor apercebe-se: afinal, estamos na era da comunicação e o aumento da informação disponível impede que os valores sejam falsos: já não podem ser apenas um produto de relações públicas.
Antigamente, um produto era bom porque o consumidor ia passando a palavra a outros. Agora passa-se o mesmo, mas em tempo real. O que era uma mancha de óleo que se ia espalhando lentamente, agora é um tsunami de informação. Assim, tudo o que se faça tem que ser honesto, bem feito, bem comunicado e tão agradável ao consumidor quanto possível. Aquilo a que nunca ligámos é agora mais importante que nunca: missão visão e valores da uma empresa. A sustentabilidade tornou-se a vantagem competitiva que define a empresa e a sua comunicação com o mundo.
Quando pensamos num novo negócio, coisas como transformação social, sustentabilidade ambiental, Marketing, marcas verdes, são conceitos a serem estudados. Não nos preocupamos com as necessidades do consumidor, mas antes com as suas preocupações e motivações. É isso que ele compra: uma identidade, um bilhete para uma tribo, onde se sente um indivíduo, o que é paradoxal e estranho. Na realidade, vai ser mais um num milhão a usar uma t-shirt em que se lê “individual”. Mas é esse o sonho que busca: ser diferente e individual, pertencendo ainda assim a uma tribo. É por estas razões e por muitas outras que não cabem num simples resumo como este, que é impossível responder (do lado de fora) à questão: que negócio hei-de montar? Bem, se eu não sei, então o melhor (na minha perspectiva), é o franchising. A marca está montada e é à partida facilmente reconhecida. Não tenho uma visão de um negócio inovador ou reinventado, então é melhor usar estruturas existentes. Não é um negócio em que se fique rico, mas o risco é mais baixo do que começar algo de novo. E isso acontece porque o gráfico da relação entre o risco e o lucro é directamente proporcional: se não arrisco, dificilmente vou ganhar (muito).
E se eu tiver uma ideia de negócio? Isso é outro âmbito. Há questões a colocar, que se prendem com a viabilidade, o financiamento, as capacidades técnicas e de administração, o segmento de mercado, a inovação, os processos, o Marketing, para nomear alguns. Diria eu, em modo de reflexão, que as regras de escrita nos dão o primeiro passo: há que responder em primeiro lugar às seguintes questões: o quê, quando, como, porquê, quem. Que negócio quero montar? Quando posso avançar? Como vou fazer? Por que é que quero fazer isto? Quais são os intervenientes? A quem vou vender o meu produto ou serviço? Para responder a estas questões há todo um conjunto de estudos que devem ser feitos.
Vale dizer que sem uma resposta clara a cada uma dessas questões, não vale a pena avançar com negócio nenhum. A flexibilidade nos planos não significa ser-se um gestor de rebaldaria. Tudo o que se escreve fica: aliás, se o ser humano inventou a escrita foi seguramente pela necessidade de tornar as suas ideias permanentes. Há que estruturar um plano de negócios, fazer um estudo de viabilidade económica e incluir um plano de Marketing. Aliás, investidor nenhum pega num negócio que não esteja “escritamente” pensado. Os modelos, ou templates, pululam pela internet fora e há mesmo entidades públicas ou semi-públicas que ajudam a estruturar as ideias dos futuros empreendedores. Utilizar um template permite abrirmo-nos a questões que de outra forma não colocaríamos. É preciso ter tudo no papel, estudar o mercado, escolher um segmento, e se necessário consultar os profissionais indicados. O financiamento é difícil. Não há dinheiro de sobra em lado algum. Mas quando as ideias são boas e
bem expostas, os investidores surgem, os fundos aparecem e os bancos apostam.
O plano que se escreveu deve manter-se. Irá sofrer ao longo do tempo uma série de alterações. Mas não deve ser deixado numa gaveta, esquecido. Não serviu apenas para conseguir o financiamento: é um guia e constitui um memorando de objectivos. Não que vá ser seguido à risca, mas indica caminhos a percorrer. Não há elevadores para o sucesso. Por melhor que seja o meu produto, ele não é o foco do meu negócio. Interessa o mercado acima de tudo.
Já não basta simplesmente satisfazer clientes. É preciso encantá-los.
(KOTLER, 2000, p.55)
Há que conseguir um lugar no mercado, construir um posicionamento, mas também mantê-lo. Pelo menos, manter o segmento e evoluir o posicionamento. Para isso, é necessário estudar o segmento em que o meu negócio se insere, de forma a entender o comportamento do consumidor, e em específico o consumidor pertencente ao segmento que me interessa. A tecnologia assume uma relevância cada vez maior: não só pela questão da globalização, mas também porque é ela que me permite fazer medições precisas. Aqui, há-de entrar o Marketing Digital. A tecnologia deixou de estar ao serviço do ser humano para se afirmar como parte integrante da sua vida, numa relação que tem tanto de simbiótico como de bacteriano: aos poucos, esta relação de evolução comum anula o hospedeiro e transforma-o num simples veículo. Mas isso já são questões filosóficas que não interessam ao caso. Facto é que vivemos ligados e se o fazemos é pela existência da internet. Então, se a nossa segunda vida, a digital, é cada vez mais importante para o consumidor, então a minha marca tem necessariamente que ser digital.
Vivemos numa época em que os psicólogos e psiquiatras se preocupam em entender como a falta de likes numa publicação causa distúrbios psicológicos a um paciente. As redes sociais fazem mais parte da nossa vida do que à primeira vista podemos pensar. O futuro do Markerting é Digital. O futuro do grande comércio é também digital. No entanto, os consumidores são pessoas e começam a sentir que o que lhes faz falta é a proximidade humana. Neste sentido, o futuro do empreendedor passa pelo comércio local. Não poderá descurar uma presença digital, mas terá que acima de tudo estar em contacto estreito com o consumidor. A isso se chama deixar de fazer ruído. É que durante muito tempo tentámos gritar mais alto que o vizinho do lado, apregoar mais os nossos produtos. Hoje temos que escapar ao ruído e oferecer mais do que publicidade: a experiência anexada à compra e utilização do nosso produto ou serviço.