Encruzilhadas na educação

Encruzilhadas na educação

Agora que estou reformado, os ecos que me chegam da área da educação não são os melhores, sejam eles os que me entram pela porta dentro via comunicação social, seja os que vêm por outras vias…

E aqui está um tema de vital importância para o desenvolvimento da nossa sociedade, mas que gera enormes confrontações entre os seus diversos participantes, tornando visíveis os diferentes objetivos de cada um desses elementos que constituem as estruturas que representam a dinâmica vital para a construção de uma sociedade justa, criadora, equitativa.

Poderíamos pensar que longe estão os tempos da escola como fonte de instrução para a formatação dos profissionais que seriam absorvidos pela indústria ou pelos serviços. Era essa a função das escolas industriais, comerciais e do liceu na estrutura da formação escolar anterior ao 25 de abril.

Com a revolução houve uma intenção clara de acabar com essas distinções que eram naturalmente segregadoras e que permitiam que apenas uma pequena fatia superior da população pudesse atingir o desiderato de um curso superior. A generalidade dos alunos terminava a escola primária, após a quarta classe, e para muitos deles esse era o fim da escola. Iam trabalhar para os campos junto dos seus familiares. Alguns pais tinham já uma representação diferente da importância da escola e optavam pela escola comercial e/ou industrial porque estas permitiam aos jovens o início de uma prospetiva profissão na indústria ou nos serviços.

E com essa finalidade essas escolas formavam profissionais necessários para o funcionamento do país. Mas a escolha feita não era uma escolha livre: era um funil que servia para selecionar o futuro dos jovens. As estruturas liceais que permitiriam mais tarde a inscrição num curso superior apenas existiam nas capitais de distrito, o que significava que a maioria dos jovens de famílias com menos meios estava automaticamente impedida de seguir esse caminho. Daí que a escolha entre escolas comerciais e industriais fosse apenas determinada pelo tipo de emprego que seria mais fácil de conseguir encontrar quando se terminasse o 5.º ano na altura.

Não havia nessas escolas a intenção de formação de cidadania. Aliás porque a cidadania na altura era perigosa. Não se queria que as pessoas pudessem pensar pela sua própria cabeça. E havia, portanto, dois tipos de escolas: as geridas pelo estado através do Ministério da Educação e as escolas particulares, tradicionalmente de cariz religioso. Estas últimas eram escolas caras, inacessíveis à generalidade da população e tinham como função a educação dos futuros quadros do país, embora tal não fosse publicamente assumido.

Tanto as escolas oficiais como as particulares eram cuidadosamente vigiadas pelo estado que controlava os programas e os manuais. Os alunos das escolas particulares tinham depois de prestar provas nas escolas oficiais do estado no final de cada ciclo de ensino.

Com a revolução do 25 de abril, houve uma clara vontade de reformular a estrutura educativa e reformar completamente o sistema. Claro que quando se reformam sistemas o mais natural é serem cometidos erros de perspetiva, pelo mero facto de as escolas serem estruturas vivas que bebem o espírito de funcionamento e a sua filosofia educativa da sociedade na qual se inserem.

Mas foi nesta altura que surgiu a ideia de ensino unificado, a possibilidade de todos poderem escolher a escola que pretendiam seguir, o futuro que pretendiam criar para si próprios.

Com todo este espírito reformador e renovador, surgiram inúmeras escolas particulares nessa altura visto que o estado não tinha capacidade para criar espontaneamente e automaticamente escolas para todos em todo o lado. E o ensino particular participou nesta luta tendo sido criadas muitas escolas não religiosas particulares que tinham como objetivo a possibilidade de oferta de formação a todos os que as procurassem. Apareceram igualmente as escolas de adultos também chamadas de escolas noturnas, para que aqueles que já tinham passado a idade de frequentarem as escolas normais pudessem recuperar o tempo perdido e reformular os seus objetivos de vida.

Estas escolas particulares, na altura recebendo na sua maioria o nome de externatos ( por oposição aos internatos), apareceram um pouco por todo o lado possibilitando o acesso de um grande número de jovens a estudos com possibilidade de futuro. Paralelamente os colégios religiosos mantiveram a sua presença continuando a beneficiar da escolha dos filhos das classes mais endinheiradas e com uma expetativa de vida e uma representação da importância da formação escolar.

E começa então a odisseia da criação de escolas um pouco por todo o lado no país. Foi um período de crescimento que foi necessariamente lento, pois não havia capacidade de apagar todos os fogos, mas que deu na generalidade um enorme papel às escolas particulares. E durante muitos anos houve escolas particulares a quem o estado pagava para funcionarem como escolas públicas, pois continuava a não existir a alternativa da escola oficial. E ainda hoje há bolsas de resistência no país onde não há escolas oficiais, estando o ensino entregue a um largo número de instituições de ensino quase todas ligadas a instituições religiosas e que são pagas pelo estado para funcionarem como se de escolas públicas se tratasse.

Felizmente surgiram também inúmeras escolas particulares que pretendiam ensinar de acordo com filosofias de estudiosos da educação que tinham criado métodos de trabalho diferenciados. E ainda hoje há escolas Waldorf, Montessori, Piaget, João de deus, etc…

Eram poucas as escolas totalmente laicas, não ligadas a movimentos educativos e sob a direção de entidades particulares. Dir-se-ia que seriam escolas que pretendiam funcionar como entidades comerciais com a finalidade de ganhar dinheiro. Aliás, ainda hoje essas escolas são muito poucas no panorama do ensino particular em Portugal.

Temos então o panorama do ensino dividido entre as escolas oficiais, as escolas particulares religiosas, as particulares baseadas em filosofias educativas específicas e as particulares com objetivos comerciais. E em todos estes tipos a estrutura hierárquica era parecida: a administração da escola (gerida pelo Ministério no caso das oficiais e gerido pelas administrações nas empresas particulares), a Direção pedagógica da escola, sendo o Diretor Pedagógico a entidade responsável por todos os aspetos de funcionamento pedagógico das escolas, embora os nomes fossem diferentes nas escolas oficiais e nas escolas particulares.

E na realidade todos tinham consciência de que o papel do Diretor Pedagógico era de longe o mais importante dentro da escola porque dele dependeria a forma como o todo da escola funcionaria. A pequena diferença era que, nas escolas particulares o DP era normalmente subordinado aos pareceres da administração executiva da empresa, cujos fins normalmente não são formalmente compatíveis com a responsabilidade pedagógica do funcionamento de uma escola. E neste particular se faz a diferença entre as escolas. Aquelas que dão poder ao diretor Pedagógico independentemente do facto de não responder pela parte financeira, e as que coartam completamente o poder do Diretor Pedagógico subordinando a sua ação às diretivas de uma administração que não terá preocupações pedagógicas.

E estas diferenças são importantes porque têm a ver com filosofias de trabalho que têm implicações na contratação de docentes, na formação dos docentes, no trabalho de equipa entre todos os que participam na vida escolar. Decisões sobre horários, tempos letivos, vencimentos, contratações, como facilmente se percebe todas estas decisões têm implicações financeiras. Mas têm também implicações pedagógicas. Das decisões do DP e da forma como ele toma essas decisões (apoiado na sua equipa pedagógica ou subordinado às vontades das administrações financeiras) dependerá a qualidade da escola, a escolha pelos alunos, os resultados na formação dos alunos e a continuidade da estrutura educativa no tempo.

Quem tem consciência das diferenças entre estas características sabe que a estrutura rígida a que é obrigado o Ministério da educação, faz com que o funcionamento das escolas oficiais esteja de facto intimamente ligado à dinâmica e criatividade das suas direções e à forma como os diretores são capazes de colocar toda a estrutura a trabalhar com o mesmo objetivo. O que é deveras difícil em escolas com 300 ou mais professores, para não falar nos auxiliares e outros profissionais técnicos necessários ao funcionamento da escola.

Numa escola particular as problemáticas podem ser substancialmente diferentes se houver um método de trabalho colegial em que a administração controla financeiramente a estrutura, mas apoia as decisões pedagógicas necessárias à prossecução dos objetivos definidos pelo projeto educativo. E é este equilíbrio que determina em grande medida a qualidade das nossas escolas particulares por comparação com as oficiais.

No fundo, analisando as escolas por outro prisma, o da importância dos objetivos a atingir, temos um outro conjunto de indicadores para analisar, sendo que o mais importante deles é a forma como a escola vê o seu papel: deve a escola formar consciências cidadãs enquanto ajuda os alunos no seu percurso escolar a adquirir conhecimentos nas diferentes áreas disciplinares constantes em cada currículo, ou deve optar por uma filosofia escolar baseada no conceito de instrução sem qualquer relação com a vida exterior e a forma como os alunos se relacionam com a sociedade?

Como é fácil compreender, estamos a falar de duas estruturas educativas completamente diferentes. Mas que deverão estar no cerne da análise de toda a entidade que pretenda abrir uma escola ao público. E a grande diferença está no resultado. Como é que o aluno se desenvolveu ao longo do seu percurso escolar e de que forma está preparado para a sua integração social, nomeadamente o percurso formativo ao longo da sua vida e do que pretende fazer com ele.

E falando sobre o resultado nos alunos, torna-se então primordial que os pais possam escolher em consciência qual a escola que pretendem e de que forma querem que a escola possa fazer um acompanhamento equilibrado e positivo dos seus educandos.

E é importante perceber que os alunos não são aquilo que os seus pais querem que eles sejam, nem muito menos são aquilo que os seus professores querem que eles sejam. Isto se os professores não tomarem em linha de conta as características e as potencialidades dos alunos, que fazem com que cada um tenha características diferenciadoras dos seus colegas. O que exige uma responsabilidade enorme do professor e dos educadores em geral para não coartarem à partida as potencialidades do aluno. E para isso torna-se necessário todo um trabalho de equipa na escola porque só dessa forma há uma consciência global das diferentes possibilidades e evoluções dos alunos numa turma, num ano de escolaridade.

E para que haja esse trabalho de equipa é muito importante todo o trabalho que está na mão do Diretor Pedagógico e das estruturas de apoio que ele cria para empoderar a escola e permitir que o projeto educativo não dependa apenas de um pequeno conjunto de pessoas, mas de um projeto aberto à integração de todos na sociedade envolvente. Deve assim a escola ter um papel preponderantemente formador de consciências e de participação cidadã.

Tudo isto torna enormemente difícil o papel do diretor numa escola oficial, tendo de trabalhar com pessoas que ele não escolheu e em relação às quais não há uma garantia de unanimidade nos processos e nos objetivos a atingir pela estrutura. Numa escola oficial há ainda outro problema que é o da colocação tardia de professores que nem sequer conhecem a escola e muito menos as bases do projeto educativo. Essa é mesmo uma grande diferença entre as escolas particulares que neste aspeto têm a vida mais facilitada.

Mas também torna difícil o papel de um diretor pedagógico numa escola particular em que toda a liberdade de desenvolvimento da filosofia criativa e educativa está subordinada aos caprichos e às vontades de pessoas que não têm uma mentalidade de educador. Nem se preocupam com tal.

No entanto, após a análise de todos estes aspetos que considero importantes, verifico que o que hoje se fala sobre educação não tem o aluno no centro. Há manifestações, todos pretendem exigir os seus direitos, nomeadamente aspetos de carreira, vencimentos, progressões. Mas vejo muito pouca discussão relativamente ao que eu considero verdadeiramente essencial. Como deve a escola trabalhar, como devem todos os seus atores trabalhar para que os alunos possam beneficiar de uma escola que verdadeiramente potencie as suas qualidades.

E enquanto o foco não estiver neste ponto, que é o fulcro de toda a atividade escolar, a escola não irá a lado algum.

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