THE END OF THE F***ING WORLD E A IMPORTÂNCIA DA RECIPROCIDADE PARA UM MUNDO COM MENOS PSICOPATAS

THE END OF THE F***ING WORLD E A IMPORTÂNCIA DA RECIPROCIDADE PARA UM MUNDO COM MENOS PSICOPATAS

Quem inventou o termo ‘dar sem esperar receber’ provavelmente era uma pessoa que só recebia. É com essa frase que sempre concluo as conversas que tenho sobre relações humanas, seja a pauta chefes x empregados, pais x filhos, maridos x esposas, ou qualquer outra que envolva a complexidade da convivência entre dois ou mais seres racionais. Dependendo do tom das conversas, a frase pode gerar alguma reflexão. Mas na maioria das vezes gera apenas uma polêmica gratuita e, propositalmente, uns minutos a mais de assunto no bar.

Conversando recentemente com alguns amigos, a pauta que pulou na mesa era a série da Netflix The End of The F***ing World. E, curiosamente, a frase apareceu de novo. Quem me conhece sabe que eu acho adolescente uma cambada de pé no saco. Mas com humor britânico ficou mais fácil gostar da história que tinha tudo para ser água com açúcar, mas começou e terminou ácida.

James é um adolescente de 17 anos que começa a matar animais com a frieza de um serial killer após ver sua mãe cometer suicídio na sua frente, impulsionado pela  presença de um pai bunda mole que não fazia nada a não ser distribuir sorrisos vazios e conversas apáticas. Já Alyssa passou a odiar o mundo à sua volta depois que o pai a abandonou e sua mãe levou um outro boçal para sua casa.

Ao se encontrarem, Alyssa vê em James um parceiro para sua fuga do mundo. E James vê em Alyssa uma potencial primeira vítima para o seu próximo passo como serial killer: matar gente. O que o mundo entregou aos dois, os dois estão devolvendo para o mundo. É engraçado no humor britânico, mas real e perturbador nas relações humanas.

Nas famílias, é comum vermos filhos abandonados de pais presentes, que terceirizam a educação às escolas e à internet, deixam os limites de lado para evitar estresse, optam por escolas que constroem currículos para o mercado ao invés de cidadãos, e jogam sobre o filho as responsabilidades de seus sonhos não alcançados, ou a culpa sobre eles. O que os pais entregaram aos filhos, os filhos devolvem aos pais. Não à toa o número de adolescentes depressivos só aumenta, assim como jovens dependentes de álcool e o desenvolvimento de uma rejeição pelo mundo – como é o caso da série.

Em muitas empresas, e em especial nas agências de propaganda – que é o ambiente no qual eu estou inserido – não é raro ver a autoridade dar lugar ao autoritarismo, a liderança dar lugar à necessidade de idolatria, a desobediência aos padrões – caminho natural da criatividade – dar lugar à obediência a eles, e a cobrança natural por resultado dá lugar a um humilhante processo de carga de trabalho e cobrança pela genialidade que, se não alcançada, causa medo e sentimento de culpa. O que o mercado entregou aos profissionais, os profissionais estão devolvendo ao mercado. Não é raro vermos muitos abandonarem, alguns levando com a barriga, e outros sucumbindo a ataques de pânico, que foi o meu caso há cerca de dois anos. E o mercado está sentindo isso em forma de prejuízo financeiro e acusações de assédio moral, por exemplo.

Reciprocidade é um gatilho tão importante para o desenvolvimento da sociedade, que em 1971, o psicólogo Denis Regan realizou um experimento para explicar o seu poder positivo. Ele levou três pessoas a uma exposição e deu a elas a irrelevante tarefa de avaliar quadros. A partir disso, criou duas situações: Na situação 1, os avaliadores eram os voluntários A e B. O voluntário A saiu da sala e voltou com duas garrafas de Coca-Cola, dizendo ao voluntário B que havia comprado uma para ele. Na situação 2, estavam o voluntário A e C. O voluntário A saiu da sala e voltou sem nada. Quando o trabalho foi finalizado, o supervisor deixou os voluntários sozinhos. Propositalmente, o voluntário A pediu para que B e C (em momentos diferentes) comprassem alguns bilhetes de rifa. O pedido era seguido da frase: “Um só vai ajudar. Mas quanto mais, melhor”. O resultado: o voluntário B contribuiu muito mais do que o C.

Transferindo o caso para The End of The F***ing World e do porquê aquela frase ter aparecido no meio da conversa com os amigos: durante o processo de fuga, Alyssa compreende James e oferece a ele o afeto necessário mesmo com uma mente perturbada e no meio de tantos problemas. O que Alyssa entrega a James, James devolve a Alyssa: além de desistir de matá-la, entrega sua vida pela dela.

De sádicos e psicopatas a parceiros que se compreendem. Em oito episódios, eles conseguiram entender que é dando que se recebe.

Porque quem inventou o termo ‘dar sem esperar receber’ provavelmente era uma pessoa que só recebia. Vale na série, vale na propaganda, vale na vida.




Luiza Buchaul

Assessora de Advocacy na Conectas Direitos Humanos | Mestranda em Gestão de Políticas Públicas

6 a

Eu AMEI esse texto! Sério! E vou ver a série só por causa disso!

Tielo Rios

Copywriter | QuintoAndar

6 a

Rapaz, faz mais isso de escrever aqui, que ficou bom demais.

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