Ensino Superior pós-2020

Tornou-se lugar comum citar a educação como exemplo de atividade praticada de forma muito parecida como era séculos atrás: um professor na frente falando e alunos enfileirados atrás escutando. De fato, ao contrário de outros serviços que se transformaram profundamente ao longo do tempo, a prática do ensino demorou para acompanhar as mudanças da sociedade e criar modelos mais eficientes de aprendizagem. Não mais.

Ainda que o avanço do ensino à distância e de novas ferramentas educacionais estivessem a pleno vapor nesta década que termina, foi só mesmo com a crise de 2020 que as instituições tiveram que realmente encarar os anseios da sociedade atual. Em especial no ensino superior, o setor tomou coragem de repensar seus modelos à luz das necessidades das pessoas, e apresentar soluções que pudessem atendê-las. E não só em tempos de distanciamento social.

Daí que podemos esperar pelo menos três grandes tendências para esta próxima década no ensino superior:

• Aluno como condutor e protagonista

O conceito de “aprendizagem ao longo da vida” se consolida e coloca no profissional a responsabilidade de conduzir o seu próprio processo de aprendizado, sabendo ser algo que deve acompanhá-lo por toda a jornada. Em paralelo, as organizações de ensino devem oferecer possibilidades de aquisição de conhecimento na forma e no tempo mais conveniente ao aluno, além de sugerir percursos de desenvolvimento de carreira de acordo com o seu perfil e momento de vida, e com as habilidades e competências específicas que precisa desenvolver.

• Mudança no valor do certificado

Antes uma obrigação para quem quisesse construir uma carreira, a conclusão de um curso de graduação deixa de ser a única forma de iniciar uma jornada profissional. Nos Estados Unidos em especial já existe uma forte visão de que cursos dessa natureza, com alto custo, de longa duração e bastante engessados não atendem às necessidades do mercado e não geram retorno sobre o investimento, como mostra essa matéria do WSJ. Assim, devem aparecer cada vez mais novas formas de aquisição de competências e de certificação de conhecimento, vide lançamento do Google Career Certificates neste ano. De qualquer forma, a proliferação de conteúdos dos mais diversos níveis e qualidades na internet ainda significa alto valor para instituições que possam conferir chancela e garantir que o processo de aprendizado foi bem-sucedido.

• Livre acesso a conteúdo

Já há alguns anos que as instituições de ensino perderam o posto de únicas detentoras do saber. Com efeito, 91% dos brasileiros se valeu do Youtube para buscar “aperfeiçoar novas habilidades” em 2020. A tendência é que o conteúdo por si só seja acessível e disponibilizado para qualquer interessado, sendo que o grande valor de uma organização educacional passa a ser a capacidade de filtrá-lo de acordo com sua relevância e consistência, apresentar os assuntos mais adequados e convenientes para o momento do aluno, e oferecer serviços adicionais e personalizados, como tutoria, fórum com professores, encontros de networking e orientações de carreira.

O diploma como conhecemos hoje ainda seguirá tendo o seu valor por um tempo como forma de comprovar qualificação profissional, especialmente em países como o Brasil, em que concluir uma graduação significa um salário até duas vezes maior. Mas as instituições precisam perceber as transformações por que passam o mercado de trabalho e o próprio comportamento social sob pena de perderem relevância para outras formas de aprendizagem e desenvolvimento de carreira. O choque de 2020 pode ter contribuído para isso.