A era das fusões e o mercado cervejeiro
A era das fusões no mercado cervejeiro teve início no ano de 1999, quando, em 1º de julho, o mercado de cervejas foi surpreendido pelo anúncio da fusão de duas grandes empresas do setor brasileiro, a Antarctica e a Brahma, formando a terceira maior cervejaria do mundo, a Ambev - Companhia de Bebidas das Américas (American Beverage Company). A união passaria a concentrar 73% do mercado de cerveja, fato que desagradou a muitos no setor e levou o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a suspender a fusão até que fosse avaliado o impacto do acontecimento no mercado interno.
Apesar de toda a controvérsia, a fusão foi aprovada, o que mudou totalmente o panorama competitivo nesse setor, no Brasil.
Em 2004, a Ambev iniciou seu ciclo de domínio internacional ao se fundir com a cervejaria belga Interbrew, dando origem a InBev. As mudanças que a cervejaria fez após a fusão asseguraram que a InBev tivesse maior margem de lucro, inclusive no difícil mercado da Europa Ocidental.
Assim, a Ambev marcava sua forma de atuação em um mercado ainda em desenvolvimento, avançando estruturalmente com o domínio de mercado, de maneira segura a fim de reforçar seu Market Share.
Em julho de 2008, a InBev pagou US$ 52 bilhões pela Anheuser-Busch, principal cervejaria dos Estados Unidos e dona da marca Budweiser. Ali formou-se a AB InBev, maior produtora de cervejas do mundo. Embora forte, a marca Budweiser estava em decadência. Na verdade, o consumo de cervejas tradicionais declinava no EUA, como hoje vem perdendo espaço também no Brasil.
Essa queda tem um principal motivador: a mudança de hábito de consumo desse tipo de produto, com consumidores aumentando sua preferência por cervejas artesanais, feitas por pequenos produtores e distribuídas localmente. Essa guinada na postura do consumidor produziu números surpreendentes, principalmente no mercado cervejeiro internacional. O mercado brasileiro hoje começa a passar pelo mesmo processo, mesmo com o consumo de cervejas artesanais sendo infimamente menor do que as cervejas populares.
Com essa movimentação de mercado aliada à expertise de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira – principais acionistas que deram origem a Ambev e se mantêm no controle da agora AB InBev, a trinca de executivos brasileiros decidiu pelo óbvio: pra que brigar com esse mercado se podemos absorvê-lo?
O grupo comprou quatro pequenas cervejarias nos Estados Unidos – Goose Island, Blue Point, 10 Barrel e Elysian. A primeira foi adquirida em 2011 e o restante ao longo dos últimos 12 meses. Seguindo os passos da “empresa-mãe” americana, a Ambev, também se rendeu às artesanais. Em janeiro, abocanhou parte da mineira Wäls. Agora, mais uma entrou para o time. A Ambev anunciou no inicio de julho de 2015 a compra da cervejaria artesanal Colorado (Ribeirão Preto - SP), e a marca passará a fazer parte da Cervejaria Bohemia. Esse grupo de marcas tem algo em comum: juntas, compõem o que se pode chamar de “as startups da AB InBev”.
Quem explica a lógica dessas aquisições é Marcel Telles: “Hoje, nos Estados Unidos, você entra em qualquer restaurante e tem uma carta de cervejas tão extensa quanto a de vinhos. Então, a gente está procurando ter em nossa rede os melhores representantes regionais e, assim, criar um portfólio para transformar algumas dessas marcas em nomes nacionais”.
Assim, esse movimento tem um duplo sentido. Por um lado, faz com que a gigante marque território entre as promissoras pequeninas, voltadas para nichos de mercado – e, normalmente, com maior valor agregado. Por outro, pode ajudá-las a ganhar musculatura e a crescer. Até onde? Há limites? Para Carlos Laboy, analista do setor de bebidas, sim.
Em 2014, o segundo maior grupo de cerveja do mundo, SABMiller (detentora de marcas de cerveja popular, como a Miller, e também de cervejas artesanais), acertou um acordo de produção e distribuição com o Grupo Petrópolis. Agora prepara a compra da Cervejaria Petrópolis, fabricante da Itaipava, dentre outros rótulos, e dona de 15% do mercado. Além de representar um novo desafio para a poderosa Ambev, essa operação representaria uma expansão e evolução do mercado cervejeiro, nacional e internacionalmente.
A Ambev, por já representar 70% do mercado, segundo a Nielsen (companhia de pesquisa de mercado), tende a ficar na mira do CADE, evitando assim uma nova expansão e fusões com outras cervejarias. O trabalho do líder é crescer o mercado, mas a Ambev não consegue fazer isso se não tem ninguém com uma boa estratégia para dividir o mercado com ela. A SABMiller ajudaria a criar essas condições.
Portanto, a recente ênfase da Ambev em cervejas artesanais pode ser, em parte, um sinal dessa limitação regulatória para crescer no mercado de cervejas. Enfim o desembarque da SABMiller na Cervejaria Petrópolis responderia a seguinte questão: a Ambev está preparada para uma concorrência maior ou dominará de vez a era das fusões no mercado cervejeiro?!