Estamos preparados para reconhecer erros?

Andreza Araújo

Em uma cultura que valoriza o sucesso e a perfeição, reconhecer um erro pode parecer um ato de fraqueza ou incompetência. No entanto, a realidade é que todos cometem erros, e como lidamos com eles define o sucesso a longo prazo, especialmente em ambientes onde a segurança é crucial. Um exemplo notável dessa abordagem pode ser encontrado a bordo do USS Carl Vinson , um porta-aviões nuclear da Marinha dos EUA, onde a cultura de segurança é levada ao extremo, e os erros não são apenas permitidos, mas encorajados a serem relatados de forma transparente.

No USS Carl Vinson , um marinheiro estava realizando tarefas no convés do navio quando percebeu que havia perdido uma ferramenta. Com uma dúzia de aviões no ar, a situação era crítica. O marinheiro decidiu relatar a perda ao Air Boss, o oficial responsável pela coordenação das operações aéreas. A resposta foi imediata: todos os pousos foram suspensos, os aviões foram redirecionados para bases terrestres e uma equipe de centenas de pessoas foi mobilizada para vasculhar cada centímetro do convés em busca da ferramenta perdida. A busca foi bem-sucedida e a ferramenta foi encontrada.

O que aconteceu no dia seguinte é algo que poucas organizações conseguem replicar. Em vez de punir o marinheiro por seu erro, houve uma cerimônia formal no convés do porta-aviões para elogiar sua decisão de relatar a ferramenta perdida. Essa postura aparentemente contraintuitiva reflete uma compreensão profunda dos riscos envolvidos e da importância de promover uma cultura em que os erros não sejam escondidos, mas tratados como oportunidades de aprendizado e prevenção de tragédias.

A importância de abordar erros

Como especialista em segurança com 24 anos de experiência e monitorando de perto o desempenho global em termos de taxas de acidentes, estou preocupado com a falta de uma reflexão mais profunda sobre erros. De acordo com o National Safety Council, um acidente de trabalho acontece a cada sete segundos , destacando a seriedade do problema. Aprendemos a executar nossas tarefas, mas muitas vezes pensamos em erros de forma abstrata. Erros precisam ser compreendidos concretamente e considerados em cada estágio do planejamento para que não levem a incidentes imprevistos que podem interromper a produção, interromper a entrega e prejudicar a eficiência. Quando os erros não são devidamente abordados e levam a desastres, o dano vai além da produção — também afeta a reputação da empresa.

Portanto, é essencial que construamos nossos processos de planejamento em torno da análise de erros, antecipando e mitigando seus impactos desde o início. Ao fazer isso, não apenas prevenimos acidentes, mas também protegemos a continuidade operacional e a imagem da organização.

Os desafios de 'Abraçar o Vermelho' e 'Desafiar o Verde'

O exemplo do USS Carl Vinson destaca a importância de "abraçar o vermelho" e "desafiar o verde". "Abraçar o vermelho" significa reconhecer abertamente problemas, falhas e áreas onde o desempenho fica aquém das expectativas, em vez de escondê-los ou minimizá-los. Por outro lado, "desafiar o verde" envolve questionar áreas que parecem estar tendo um bom desempenho, mas podem esconder problemas latentes. Ambas as abordagens visam criar uma atmosfera de confiança e transparência onde as falhas podem ser discutidas abertamente sem medo de repercussões.

No entanto, construir essa atmosfera de confiança não é uma tarefa fácil. Exige um esforço contínuo para quebrar barreiras culturais que associam erros com punição ou vergonha. Em muitas organizações, há uma pressão implícita para manter as aparências, relatar apenas boas notícias e evitar destacar problemas que possam comprometer a reputação ou a carreira de alguém. Essa cultura de "verde forçado" é um dos maiores inimigos da segurança e do sucesso sustentável.

Construindo uma cultura de confiança

Criar uma cultura onde os erros são reconhecidos e tratados seriamente, sem punição, exige liderança exemplar. Os líderes devem ser os primeiros a demonstrar que estão dispostos a admitir suas próprias falhas e encorajar seus subordinados a fazer o mesmo. Isso envolve estabelecer sistemas de feedback contínuos onde a comunicação é clara, e o foco deve estar sempre em resolver e prevenir erros futuros, em vez de encontrar alguém para culpar.

A cerimônia no USS Carl Vinson para elogiar o marinheiro que relatou a ferramenta perdida é um exemplo poderoso de como uma organização pode reconhecer a importância dos erros e transformá-los em oportunidades de aprendizado. Ela exemplifica a liderança que entende que a segurança é uma responsabilidade coletiva e que cada membro da equipe desempenha um papel crucial na prevenção de incidentes.

No entanto, essa abordagem requer uma mudança profunda na mentalidade. Precisamos reconhecer que os erros são parte da natureza humana e que, em vez de tentar eliminá-los completamente, devemos criar ambientes onde eles possam ser identificados, discutidos e efetivamente corrigidos. Em última análise, a verdadeira força de uma organização não está em evitar erros a todo custo, mas em sua capacidade de aprender com eles e melhorar continuamente.

Tornando o reconhecimento parte da cultura da empresa

Líderes que querem construir uma cultura de confiança devem adotar uma postura de transparência e responsabilidade, mostrando que erros são oportunidades de aprendizado, não de punição. Ao reconhecer suas próprias falhas, os líderes criam um ambiente seguro e construtivo, encorajando a equipe a fazer o mesmo. Isso pode fortalecer a confiança e promover um feedback mais aberto, o que é essencial para o crescimento coletivo e a prevenção de erros futuros.

Durante minha última visita ao Japão em 2023, observei que a prática de melhoria contínua pelos funcionários é fundamental para aumentar seu senso de utilidade e engajamento. Quando as pessoas sentem que suas contribuições são valorizadas e impactam positivamente o todo, elas se tornam mais proativas. No entanto, é preocupante quando a equipe permanece reativa, entregando apenas o mínimo necessário sem buscar melhorias. Isso pode sinalizar falta de confiança ou motivação, algo que os líderes precisam abordar urgentemente.

Uma maneira eficaz de aumentar o engajamento e a confiança é por meio de conversas individuais regulares entre os líderes e os membros de sua equipe. Essas interações devem ir além do alinhamento de expectativas e incluir o compartilhamento de histórias pessoais, lições aprendidas e desafios. Ao promover esse diálogo aberto e autêntico, o líder não apenas conhece melhor sua equipe, mas também constrói confiança mútua que inspira maior proatividade e comprometimento.

Em um mundo onde a complexidade e os riscos estão constantemente aumentando, a capacidade de reconhecer e abraçar erros é uma das habilidades mais valiosas que uma organização pode desenvolver. O exemplo do USS Carl Vinson nos mostra que, com a atitude certa, até mesmo os erros mais perigosos podem ser transformados em catalisadores para o sucesso e a segurança. Afinal, erros nunca devem ser escondidos. Nunca.

Artigo publicado em inglês na Forbes

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