Estudando a música paraense no Spotify usando o R e o Gephi.
- Este artigo demonstra o potencial de métodos de pesquisa digitais para o entendimento de um contexto cultural a partir da análise de interações da audiência de artistas no Spotify, além de sinalizar o potencial da ARS (análise de redes sociais) e a extração de dados usando a linguagem R para a gerar insights para artistas e serviços ligados ao entretenimento musical.
O objetivo deste estudo é compreender como se dá a relação entre alguns artistas paraenses no cenário musical brasileiro, suas influências e visibilidade dentro no Spotify usando a Análise de Redes Sociais como técnica descritiva. Para entender ARS, recomendo o paper “Iniciação a Redes: Conceitos Essenciais e Principais Ideias”, mas resumidamente, uma rede “é um artifício cognitivo e científico que permite entender proximidades, similaridades, diferenças, conjuntos e processos de um modo muito particular.”
Portanto, foi possível mapear as redes de influências entre os artistas a partir de dados gerados pela audiência no Spotify e usar dados secundários para traçar pontos de vista sobre 7 artistas da cena musical do Pará. Os artistas selecionados para a análise foram: Gaby Amarantos, Felipe Cordeiro, Dona Onete, Lucas Estrela, Pio Lobato, Gang do Eletro e Felix Robatto. Neste texto eu faço análises sobre a obra e visibilidade de alguns deles na plataforma.
Para ter acesso aos dados do Spotify é preciso criar um app dentro da sua plataforma de desenvolvedores. Para quem já teve contato com o R, aconselho ir direto para a publicação do Tiago Dantas ou do Janderson sobre o uso do uso do pacote de dados R para requisição de dados no Spotify. Como eu sou novo no R, contei com a ajuda do Tarcízio e Max para acelerar a coleta de dados e os recebi em formato de rede para analisar no Gephi.
Abaixo temos a representação geral da rede a partir dos 7 artistas selecionados, onde os nós são os artistas relacionados e as arestas correspondem ao fluxo de audições da base de usuários. Portanto, a métrica usada para desenhar a rede é o grau de cada nós(artista), onde o tamanho do nó e a intensidade da cor da aresta simulam a proximidade e o volume de ouvintes em comum entre eles. Em termos de experiência do usuário, a rede demonstra a proximidade entre os artistas considerando o fluxo de audições. Não é considerado o número de seguidores ou obras disponíveis, embora o sejam dados relevantes para entender o aumento ou diminuição das interações.
As arestas de destaque indicam a proximidade de ouvintes entre os artistas. Analisando desta forma, lemos: o usuário que ouve Dona Onete possivelmente será direcionado a ouvir Lia Sophia. E vice-versa, uma vez que os nós estão próximos, com alto grau (tamanho) e com maior ligação entre si (arestas mais escuras e setas direcionadas). Ou, se um usuário achou o Pio Lobato e escutou suas músicas, provavelmente será indicado a ouvir o Lucas Estrela — ou outros artistas com grande fluxo de arestas mínimas e com os maiores nós.
O aumento da popularização de alguns nomes no cenário musical do brasileiro também é refletida na rede. Há uma grande concentração de interações em torno de artistas que estão ativos, lançando material inédito e estimulando a sua audiência sobretudo com a formação de parcerias entre si. Ao passear pela obra de artistas como a Luê, Lucas Estrela, Dona Onete, Pio Lobato, Waldo Squash (Gang do Eletro) e Felipe Cordeiro é percebida esse fenômeno onde alguns deles cumprem funções diferentes na obra dos amigos músicos. O Felipe, por exemplo, foi produtor musical do disco “Farol” (Natura Musical) do Lucas Estrela e assina uma das faixas; o Lucas lança mão dos samples de sua tecnoguitarrada produzidas pelo Waldo Squash (Gang do Eletro); o Pio produziu a faixa “2x2” em parceria com o Lucas Estrela e consta em discos de ambos; Sammliz, Aíla, Gaby cantam músicas da Dona Onete e por ai vai. Vale lembrar que esta retroalimentação relacionada às audições também pode ser um reflexo de outras interações como como shows em parceria, conteúdo em vídeo e até citações públicas ao trabalho do outro artista em qualquer meio de comunicação.
Como a nossa rede gerada a partir de alguns artistas, é natural que estes tenham o maior grau/nó e isso está implícito na leitura do grafo, mas o que chama mais atenção ao interpretar a rede inteira é perceber as similaridades musicais entre alguns artistas, suas obras e os distanciamentos e agrupamentos relacionados com sub gêneros em um recorte muito específico da música amazônica. E considerando a responsabilidade que tem uma análise cultural para explicar o contexto em que a musicalidade do Pará está inserido*, percebe-se de antemão que a “música do Pará”, assim como é genericamente citada, tem várias vertentes e que vai além do tecnobrega, a guitarrada e o carimbó, comumente associados ao legado paraense na música popular brasileira.
Além disso, ao analisar a relação entre os nós é importante buscar dados secundários relacionados a construção sociocultural ligada ao desenvolvimento de uma cena musical diversa como a Pará e então descrevê-la. Ou seja, este mapeamento baseado em audições é mais uma fonte de dados para ampliar o entendimento sobre o consumo de música brasileira a partir de um recorte regional e que deve ser relacionada com o acervo do artista, o entendimento do contexto sociocultural por meio de outras pesquisas, artigos, teses e livros, entrevistas concedidas, além de audições — óbvio — para identificação de influências musicais e a construção de suas relações.
Como exemplo, na rede abaixo é possível perceber a importância da Gaby Amarantos como influenciadora das audições direcionadas para o núcleo que agora ganha maior destaque na cena musical paraense, onde aparecem nomes como o Felix Robatto, Gang do Eletro e Felipe Cordeiro e Dona Onete, artistas que participaram do “Treme” (Som Livre), primeiro disco solo da intérprete lançado em 2012. Sendo assim, percebemos que mesmo sem lançar novos discos, a sua visibilidade como expositora da cultura do Pará nos últimos anos ainda reflete de forma significativa no fluxo de indicações para as obras autorais de seus parceiros musicais.
Identificar o local onde os nós estão na rede também nos geram algumas hipóteses. A Gaby, por exemplo, parece ser é o ponto em comum entre os fãs do ritmo calypso, algumas intérpretes femininas de MPB (Daniela e Preta Gil) e as suas próprias referências de tecnobrega — ainda pouco conhecidas pelo público em nível nacional. A título de mapeamento cultural, se confirma a presença de grupos como a Sayonara, Xeiro Verde, Gang do Eletro, Tecno Show e artistas como Kim Marques e Edilson Moreno como referências locais ligadas Gaby e que são indissociáveis da popularização do brega pop e tecnobrega no Pará durante ao menos uma década. Entender essa relação entre a cena musical e artistas é fundamental para não correr o risco de generalizar os movimentos musicais e evitar leituras equivocadas com relação ao consumo da audiência.
O Jaloo, por sua vez, embora também seja expoente do tecnobrega (vide sua obra e também a ligação com Gang do Eletro e Gaby Amarantos no grafo), está distante da maioria dos artistas ligados às vertentes pop da música tradicional, como a lambada e a guitarrada. Na rede o cantor e produtor paraense tem maior fluxo de ouvintes em comum com Johnny Hooker, Linn da Quebrada, Banda Uó, Mahmundi e Liniker.
Esta representação nos leva a entender que a relação que os ouvintes do Jaloo tem com a sua obra pode sofrer mais influências da temática de canções e de perfil de público do que o regionalismo percebido em outros exemplos neste texto.
Outro ponto interessante demonstrado pela rede é o posicionamento do Felipe Cordeiro. O grafo sugere que ele é a ponte entre os nomes paraenses e aqueles que compõem do cenário contemporâneo da música popular no Brasil não nascidos no Pará, como a Karina Buhr, Saulo Duarte e a Unidade, Academia da Berlinda, Cidadão Instigado e Lucas Santanna. Ou seja, tanto o núcleo “paraense” quanto o núcleo “de fora” estão impactando positivamente as audições direcionadas para a obra do Felipe.
Ao focar no Lucas Estrela surgem duas informações principais: ele tem o maior grau da rede (maior visibilidade) e consequentemente é o artista com maior destaque no núcleo que gera mais fluxo, os paraenses, apesar de serem discos muito novos e de música instrumental.
Alguns fatores podem explicar esta representação:
- O aumento da exposição que o artista teve desde a sua imersão no “Sal ou Moscou”.
2. O “Farol” foi bastante esperado pela audiência entusiasta da música paraense e foi lançado por um selo nacional com apoio de lei de incentivo fiscal.
3. O “Farol” teve a participação da maioria os artistas aqui citados (é sério).
4. O lançamento do último disco ganhou destaque em diversas publicações digitais nacionais e o levou a participar de um programa da tv aberta.
O outro detalhe é que a rede foi mapeada 1 mês depois do lançamento do “Farol”. Se a coleta fosse feita alguns meses antes, talvez a rede tivesse apresentado outra forma com relação ao Lucas e os principais artistas ligados a ele.
O Entendimento da relação entre os artistas sob o ponto de vista do público no Spotify pode ser útil para:
# Potencializar o investimento em mídia digital, caso o artista queira investir no lançamento de uma obra e precise direcionar para quem tem mais potencial de conversão (audição em streaming, compra do disco, compartilhamento nas mídias sociais ou seguir no Youtube, por exemplo).
# Composição de line-ups em eventos musicais, como festivais, se a intenção for trabalhar uma determinada vertente musical específica.
# Descobrir artistas ainda desconhecidos dentro do cenário musical regional e que podem ter sua obra documentada na plataforma.
# Ao comparar artistas entre períodos é possível saber qual foi o impacto do lançamento de uma obra na rede/cenário musical — informação útil para patrocinadores e selos musicais.
A próxima análise direcionada a cultura musical paraense trará insights relevantes a partir de dados do Twitter e Youtube. E, claro, toda e qualquer contribuição e crítica são bem vindas. :)