Eu, cliente-todo-poderoso-último-da-cadeia, agradeço

Eu, cliente-todo-poderoso-último-da-cadeia, agradeço

De vez em quando, pode ser muito didático olhar para a nossa própria bolha.

Lembro-me de um dia em que as coisas deram muito certo e era o momento de parabenizar a equipe. Não tinha a menor ideia do que realmente eu tinha vontade de dizer. A não ser o protocolo de sempre. Agradecer, dar os parabéns, desejar algo mais e, principalmente, empurrar as pessoas a dar mais. Mas isso me incomodou. Naquele momento, achei que poderia dizer algo elucidativo para as pessoas que ali estavam e que haviam trabalhado para isso. Só que, àquela altura, eu já não devia ter mais do que 2 ou 3 minutos pela frente. 

Dizíamos que nossa missão era proteger o cliente final. E de fato era. A questão é como.

Sempre tive a óbvia impressão de que nada nos afasta mais de um cliente de carne e osso do que o excessivo apego a um cliente teórico - aquele que se define, precisamente, pela sua distância. Falo do cliente que está “na nossa cabeça”, talvez até “nos nossos corações”, que paga o nosso salário, idealizado ao máximo, puro e perfeito, mas que de dentro de uma corporação, quase ninguém vê. Clichê que vale a pena ser explorado.

Forçando um pouco a narrativa, é como se entre todos nós e este cliente finalíssimo, existisse uma leva de gente que vai embolando o caminho – algo como uma engrenagem de clientes menores, de pobre estirpe que, naturalmente, vão assumindo o papel das pessoas “do meio”.  

Quando chegou a minha hora de falar, decidi que queria falar dessa leva de gente - esse enredo diário que forma o tecido vivo de uma empresa. Não vejo nada que possa trazer mais vigor a uma corporação do que a firmeza da trama que compõe o tecido horizontal de clientes internos. Quanto mais estendida e organizada essa trama, mais eficaz e mais bem-sucedida será a empresa em sua pretensão de fazer o bem final. Mas, na maioria das vezes, essa tensão tende a se afrouxar. E isso parece bastante perigoso pois, sem o constante e necessário “esticamento”, essa trama se comportará feito um sofá sem densidade e de pouca resistência, que sob o menor peso - afunda. 

O que me leva a defender que, não é no fim, e sim no meio, que se encontra nosso principal e verdadeiro cliente. 

Nele está nosso vizinho de mesa que já não nos empolga tanto assim, o telefone não atendido do departamento ao lado, o e-mail protelado ou nem mesmo lido daquele consultor-chato-que-não-para-de-nos-aborrecer-com-demandas-recorrentes, aquele do-not-disturb-fatídico do qual lançamos mão logo pela manhã para não sermos perturbados nem-um-minuto-ao-longo-do-dia. Tudo em nome de um cliente de maior hierarquia. 

A verdade é que vivemos seduzidos pela ideia de hierarquia.

Sempre que um cliente, aborrecido, reivindica seus direitos a partir da mesa da Diretoria – ou de cima, como se costuma dizer – fazemos o diabo para responder à altura, fazendo valer (um pouco tarde demais) nosso disputado foco cliente. Não digo que não devamos reagir com rapidez. Nada disso. Desligar rapidamente o fogo é o mais inteligente a se fazer após o leite derramado. Nessas horas, tentar compensar com velocidade as falhas cometidas é o mais honesto e o mínimo que se pode fazer. Mas, com todo o respeito pelos que trabalham 10 horas por dia – nesses momentos, como não sentir que a empresa inteira fracassou em seu nobre propósito de fazer o tão bem pago bem final?

Na maioria das vezes, ruborizados ou não, nos deparamos com falhas pequenas, que poderiam ter sido evitadas com um mínimo de inclinação. Mas, como por um efeito de inércia, uma falha traz outra falha e, quando somadas, acabam formando uma cascata nefasta e se tornam bolas de neve difíceis de controlar. O resultado, obviamente, é desastroso.

E isso é bem frustrante, porque escancara as nossas fragilidades. Claro, normalmente, aprendemos com elas. O problema é quando constantemente temos de aprender o que já sabemos. 

Honestamente, não acredito que exista sentimento mais incômodo para um time de pessoas do que ver seu cliente-último-da-cadeia ser obrigado a pular todo mundo e descobrir isoladamente qual é o e-mail do Presidente para tentar resolver por conta própria o que acredita lhe ser devido e de direito (é verdade - existem, sim, clientes excêntricos que tiram vantagem dessa dinâmica, mas essa não é a nossa premissa). 

É manifesto que muita coisa deve ter dado bastante errado para mobilizar com desmedida fé um ser bem-intencionado, ocupado e sem tempo - como a maioria de nós é. Talvez muitos de nós - inadvertidamente ou não - tenhamos deixado pessoas invisíveis falando sozinhas pelos corredores em nome de uma causa maior que agora está de conversa com o Presidente. E falando do nosso trabalho.

Quero dizer, a melhor experiência que se pode dar a um cliente final – e a mais vantajosa também - é ele não ter de passar por isso.

Portanto, quando as coisas começam a dar errado, é sempre bom começar por olhar a qualidade da nossa trama interna. E quando elas estão dando muito certo, ajuda bastante mostrar que sabemos exatamente porque e onde elas estão dando certo.

Naquele dia, compreendi com clareza que, talvez, uma ótima maneira de nos aproximar do cliente final seja dedicando interesse genuíno às nossas interfaces e processos internos. Eles são nossa única possibilidade de gerar valor efetivo para qualquer cliente. A única possibilidade que temos de estabelecer um diálogo válido com quem paga o nosso salário. Nossa melhor aposta para fazer a máquina funcionar do lado certo. Foco cliente implica disciplina e sacrifício na medida certa. Não precisamos ser heróis, nem empunhar a bandeira do salvador solitário, e muito menos imaginar que nosso departamento faz o bem e o do vizinho faz o mal. Isso é perda de tempo. O cliente é de todos. Apenas, desenvolver a necessária e rica aptidão para a escuta interna em várias situações pode ser o suficiente.

Enfrentar com empatia, convicção e sem vícios a inércia do dia-a-dia e impedir falhas não aceitáveis muitas vezes é o que trará maior proteção e satisfação para quem está longe de nós e depende inteiramente de nossa capacidade de diálogo e de sinergia interna. 

O cliente não é o ser poderoso dos outdoors. É, antes, o ser indefeso do "disque a opção desejada" (o que não quer dizer que ele seja inofensivo).

Por fim, quando só temos 2 ou 3 minutos. pensar no como pode ser um bom começo. Normalmente, é dele que vêm os resultados.

Feliz Natal.

Marcelle, como sempre com o dom das palavras, texto maravilhoso e fico feliz de saber que um dia fiz parte dessas suas conquistas.

Denise Bobadilha

Intérprete e tradutora Inglês<>Português, jornalista. CNN Brasil. Pós-graduanda em Política Contemporânea e Relações Internacionais. @denisebob

8 a

adorei!

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