A virtude da elegância
Charles Chaplin, Tempos Modernos

A virtude da elegância

Há algumas semanas, li uma coluna na Folha de São Paulo que sugeriu que todos nascemos com instintos que são irrefreáveis. Por mais profundas que sejam as aulas de boas maneiras, sempre tenderemos a condenar sem transigência o que consideramos ser fraqueza no outro e a enaltecer sem ponderação aquilo que acreditamos ser as nossas mais autênticas qualidades.

Explorar o lado reprimido da nossa natureza pode trazer algum ensinamento.

Por um lado, não aprovamos as manifestações de vaidade no outro, mas nem sempre conseguimos resistir a dar livre vazão às nossas. Tendemos a acreditar com incomum facilidade que o esforço do outro não chega aos pés do nosso e que, portanto, o êxito do outro dificilmente é totalmente merecido, assim como o nosso fracasso é de uma injustiça intolerável. Já ouviu-se dizer que até Madre Teresa de Calcutá tinha sua dose de vaidade não sublimada.

Parece que saímos todos do mesmo molde. Somos – em doses diferentes - naturalmente competitivos, facilmente ingratos e gostamos de uma boa briga. Não fosse assim, não haveria tantas leis a regular interesses de toda ordem.

Por outro lado, não significa que também não saibamos ser gratos e amorosos e capazes de sentimentos nobres. O problema é que, normalmente, o somos quando a recompensa é sedutora. Isto é, quando nos convém. 

Um retrato obscuro do ser humano? Na verdade, não. É apenas um recurso para deixar claro que nenhum de nós está acima de qualquer suspeita e que – de uma forma ou outra - somos o tempo todo movidos por interesses no fundo muito pessoais. Mas não há nada demais nisso. Levado ao extremo, é apenas mais uma faceta da lei da sobrevivência a que todos estamos submetidos.

De outro ponto de vista, totalmente diverso, incomoda entretanto o fato de que é absolutamente detestável defender ou imaginar que não há generosidade que não seja egoísta, bondade que não tenha segundas intenções ou elogio que não seja bajulador.

Mais do que isto, é perturbador o fato de que possamos ser tão facilmente movidos por sentimentos tão pouco edificantes. Não há nada que amedronte mais um ser humano do que perder a sua grandeza (ou aquela que ele acha que tem). Talvez apenas por pura vaidade! Pouco importa. Todos repudiamos e condenamos de forma categórica tudo aquilo que nos torna indignos da condição de seres educados.

A lei moral é altamente eficaz e essencialmente protetora porque nos resguarda do que em nós é frágil e tosco.

Tudo parece muito bem orquestrado para nos convencer de que talvez seja mesmo mais vantajoso ser moralmente elegante. 

A dificuldade é que não basta comprar a ideia, é preciso passar pelo escrutínio do outro. Aos olhos dos demais, nossas intenções precisam ser percebidas como naturais e verdadeiras. A elegância supõe isso. A tarefa chega a ser inglória. Requer treino permanente e educação ao longo de uma vida inteira.

Quem não se lembra daquele carrinho novo em folha, que - a contragosto - fomos carinhosamente obrigados a compartilhar no tanque de areia com quem nem sequer conhecíamos ou sequer sabíamos se realmente merecia. E tudo com um sorriso!

Não há ego que não fraqueje. Por outro lado, não há ego razoavelmente honesto que não se sinta violentado quando levado a viver uma vida de trapaças. Não há maneira mais melancólica de fracasso pessoal do que essa.

A encruzilhada moral está por toda parte. Somos assim desafiados, desde que nascemos, a contrariar nossos caprichos e a cultivar sentimentos e comportamentos que afirmam a nossa humanidade naquilo que ela tem de mais civilizado, como o equilíbrio, a medida, a discrição, o desprendimento e a generosidade. Toda mãe, todo pai, na maioria das vezes, espera ser essa a educação correta para se formar um adulto polido, íntegro e pleno - que possa conquistar credibilidade, prestígio e respeito profissional. Eles estão certos.

Elegância moral é uma das formas mais sofisticadas de sucesso humano - a busca é sempre virtuosa e nos torna pessoas melhores. A falta dela com frequência dá lugar ao cinismo ou à farsa.

Flávia Pissinin

Assistente Executiva C-Level na Mediabrands Brasil (IPG Group) | Secretária Executiva Bilíngue/Trilíngue | Executive Assistant | Personal Assistant | Office Manager | Finalista Prêmio Amigos do Mercado 2022 e 2023

7 a

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