Eu também fiz textão no LinkedIn

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Se eu tivesse escrito um recordatório mensal desse ano de 2022, eu teria escrito um livro. Foram tantas as questões pessoais, sociais, econômicas e ambientais que me atravessaram que não caberia em um ano. Mas tudo aconteceu em 2022 – o pior melhor ano da minha vida.

Eu desconjurei o mundo corporativo e criei coragem para colocar o pé para fora dele. Fui fisgada pelo canto da sereia do empreendedorismo brasileiro e vivi essa paixão fulgaz.

Descobri que estava “burnoutada” (a gente tem um talento e tanto para conjugar estrangeirismos) mas custei a aceitar – e confesso que uma parte de mim ainda reluta.

Dos 12 meses do ano, passei uns 9 sem conseguir deixar cair uma lágrima de emoção, de sentimento – eu entrei na vibe louca da produtividade, da excelência, do estar presente e todo o clichê desonesto que se conhece sobre “só depende de você”. Acontece que nos últimos 3 meses eu tenho transbordado, vazado e chorado como nunca. Dizem que é o excesso de eclipses, que é a nossa entrada espiritual na 5D, que é depressão, que é falta de fé, que é bipolaridade, que é pelo fato de eu ser brasileira, mulher e ainda não saber se preencho os formulários como preta, parda ou branca.

Sou do tempo que as fichas caíam na nossa mente e, uma das que caíram e se fez presente nesse ano foi a ficha que norteia meus valores pessoais e que refletem no meu profissional. Parece que entendi – ou melhor, que me permiti sentir – a força que o trabalho tem na vida humana. O quanto somos pautados por essa dimensão em nossa vida, que vai dos rituais diários de se arrumar para sair de casa ou ligar a câmera, a se apresentar como “oi, sou Juliana e sou [e aqui insere um titulo profissional]”, aos passeios que fazemos, as viagens que encaramos, aos cafés que tomamos para fazer reuniões, reuniões e reuniões. E como eu estava desconjurando o mundo corporativo que vivi nos últimos 17 anos, passei a procurar formas de trabalho diferentes. E me testei. Experimentei. E consegui completar a ligação da ficha que caiu entendendo que o social, o coletivo, o impacto e o transformador são valores extremamente importantes para minha existência. Isso foi um salto e tanto na minha descoberta.

Mas qual a razão de eu ainda não me sinto pertencendo? Atuei como consultora, como autônoma, como empreendedora, como ativista e, ainda assim, eu não me encaixava – e que necessidade louca é essa de se encaixar, né? (A Jaque, psicanalista, tá me ajudando com esse ponto). Entender que sou múltipla, que tenho muitas habilidades interessantes para viver em comunidade são atributos que me colocam em evidência, ao mesmo tempo que me excluem. Entender, também, que não existe perfeição (olha a Jaque aí de novo!) e que tá tudo bem não saber tudo, foram bons e óbvios aprendizados, mas o que tenho sentido como mais vibrante aqui dentro, nesse resquício de 2022, é que eu precisava sair para poder voltar. Eu precisava sair de uma bolha existencial para entender o que existe em outras bolhas. E assim, fui absorvendo um pouquinho de coisas de outras bolhas – e nem sempre absorvemos as coisas boas, é fato – mas conheci, me envolvi, entendi, amei, desgostei e percebi o tanto de coisa que sempre esteve em mim e eu não enxergava.

Percebi que empreender é muito louvável, mas que fazer isso sem o conhecimento de comunidade que o mundo corporativo proporciona dificulta muitos caminhos. Percebi que muita gente empreende com fé e vontade, mas acabam replicando conceitos vazios sobre gestão de pessoas, na tentativa de construir um ambiente agradável. Percebi que a maioria dos que empreendem (nesse conceito massivo que estão colocando nas nossas cabeças) não faz a menor ideia do que são processos, da importância de estruturá-los e de aplicar de fato um PDCA. Percebi que planejamento é uma palavra assustadora para quem empreende ou trabalha como autônomo ou é um ativista social engajado em diversos movimentos criados livremente, sem uma hierarquia (o que é bem legal), mas também sem a autorresponsabilidade que se requer. Todos falam sobre planejamento, mas quase nenhum está disposto a parar para fazê-lo, muito menos colocá-lo em prática. E sim, são instituições que estão há anos na ativa, nadando na maré alta e baixa da economia brasileira.

Eu não quero dizer que só empreende bem quem tem experiência no corporativo, mas constatei – nas bolhas que conheci – que quem se dispõe a entender o que acontece numa comunidade corporativa, tem mais chances de fazer a diferença empresarial que tanto deseja, seja em lucro financeiro ou social. Empreendedores, não esqueçam que vocês são o corporativo da sua equipe. Não desprezem as conquistas trabalhistas pautadas pela CLT. Lutem para que os encargos que sobrecarregam seu planejamento financeiro sejam ajustados de acordo com o faturamento da empresa, assim como as isenções fiscais. Ao invés de cair na falácia de “ser seu próprio patrão” e sofrer por não ter direito a férias e descanso remunerado, 13º, vale alimentação etc, juntem-se para criar uma nova forma de sustentabilidade em seus negócios, a ponto de tornar o empreendedorismo saudável para vocês também. O que tem de empreendedor (principalmente os mais novos) “burnoutados” e sem apoio para cuidar da própria saúde é impressionante!

Não, eu não tô encerrando nenhum ciclo. E nem abrindo outro. Estou apenas sentindo. Nesse ano que – romanticamente – alguns chama de sabático, meu maior aprendizado foi o de voltar a sentir. Sentir que minhas habilidades e meus “pontos a desenvolver” só terão valor se eu me permitir sentir. E estou só no começo!

Daniela Augusto Cristovão

Desenvolvimento de carreira | Recolocação Profissional | Headhunter | Business Partner | Recrutamento&Seleção

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Adorei a reflexão!

Thaís Gondar, MsC

Conformidade Regulatória & Qualidade | Mentoria em QARA | Educação Regulatória | Criadora de Conteúdo | Idealizadora da Regulatory Academy | Diretora Executiva @ Gerbera Group

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Você é uma vencedora só de ter feito tantas descobertas! Esse sim... Tirar o planejamento do papel está mais no plano das ideias do que no plano real. Mas vamo que vamo!

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