Euro: fôlego curto

Euro: fôlego curto

Os últimos meses sinalizam que o fortalecimento do euro durante a pandemia pode ter sido temporário, retomando a trajetória de depreciação dos últimos anos.

19 de outubro 2021


Depois do rápido fortalecimento da moeda europeia ao longo da pandemia, tudo sugere que os próximos meses deverão ser marcados por um retorno à tendência de depreciação observada a partir de 2008.

Historicamente, os movimentos do euro têm respondido ao diferencial da taxa de juros, preços de commodities e risco soberano. Enquanto a relevância dos juros e do prêmio de risco se justifica pelo fato de os fluxos de capitais reagirem mais rapidamente que os de comércio às mudanças de cenários, a importância das commodities pode ser explicada por refletirem as condições globais de crescimento, impactando mais a Europa em função de suas relações comerciais com a China.

A história do euro depois de 1999 pode ser resumida em dois grandes ciclos, um de apreciação e outro de depreciação. O primeiro, entre 2002 e 2008, foi de fortalecimento e é explicado pela tendência de redução dos juros nos Estados Unidos, gerando um consequente enfraquecimento do dólar e alta de preços de commodities. Junto com avanços institucionais e percepção de menor risco em relação à Europa, o resultado foi a expressiva valorização da moeda, que saiu de um patamar de 0,90 para 1,60.

O segundo grande ciclo, iniciado em 2008 e presente até o momento, foi de enfraquecimento. Ainda que o período tenha sido marcado por políticas de afrouxamento monetário tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, a crise da dívida em vários países europeus a partir de 2011 levou a uma redução mais intensa dos juros longos e aumentou o risco na região. Ao mesmo tempo, a alta de preços de commodities iniciada em 2003 mostrou reversão. Como resultado, o euro devolveu quase todos os ganhos do período anterior, voltando para o patamar de 1,05.

Este movimento de depreciação foi suavizado a partir de 2017, com a leve recuperação dos preços de commodities permitindo que a moeda oscilasse mais próxima ao patamar de 1,15. Em particular, a pandemia gerou um movimento de apreciação dada pela expressiva redução dos juros norte-americanos, enfraquecimento do dólar, alta dos preços de commodities e queda do risco europeu, com avanços institucionais importantes como a criação do Recovery Fund. Com isso, o euro saiu do patamar de 1,10 anterior à pandemia e estabilizou-se em 1,20 no primeiro semestre de 2021.

A partir de julho deste ano, no entanto, a tendência de perda de valor da moeda parece ter sido retomada. A rápida reabertura da economia norte-americana, associada a fortes estímulos fiscais, tem levado a uma correção importante dos juros de 10 anos, principalmente diante da expectativa concreta de reorientação de política monetária pelo Federal Reserve. O resultado tem sido o fortalecimento do dólar e a estabilidade dos preços de commodities. Mais importante, há bons argumentos para um cenário de continuidade do movimento de queda do euro, apesar de todas as incertezas que tradicionalmente envolvem as projeções de câmbio.

Utilizando séries mensais a partir de 2007 para o diferencial de taxa de juros de 10 anos entre Europa e Estados Unidos e variações nominais do euro e de preços de commodities, é possível desenhar alguns cenários para a moeda.

Supondo um ambiente de riscos equilibrados, viés de estabilidade ou queda de preços de commodities e convergência dos juros de 10 anos para o patamar de 2,5% nos Estados Unidos e de 0,50% na Europa a partir de 2022, uma referência para o euro a partir do final do próximo ano poderia ser o nível de 1,10. Coincidentemente, estaríamos voltando para o mesmo valor anterior à pandemia.

Neste caso, normalizada as condições econômicas globais, é possível que a moeda europeia volte à trajetória de enfraquecimento observada desde 2008. Tudo sugere, portanto, que o fortalecimento da moeda durante a pandemia teve fôlego curto.

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