A Europa Está em uma Encruzilhada?

A Europa Está em uma Encruzilhada?

Conflitos em Expansão

A história nos ensina que os conflitos raramente se resolvem em um único momento. Ao contrário, eles se desdobram ao longo do tempo, pontuados por episódios revolucionários que podem parecer transformadores, mas frequentemente refletem lutas mais profundas e contínuas. Hoje, parece que estamos testemunhando um desses episódios—uma onda contrarrevolucionário em resposta às mudanças sociais impulsionadas em grande parte por forças progressistas. Esse movimento emergente marca uma ruptura com o consenso político e cultural que prevaleceu por mais de uma geração, o qual, apesar de se proclamar defensor da liberdade, tornou-se cada vez mais opressor e alheio à realidade. Essa ruptura revela uma batalha ideológica mais ampla—um confronto entre visões concorrentes sobre o futuro da sociedade.

No cerne dessas convulsões globais reside uma questão fundamental: os sistemas existentes, sobrecarregados por dívidas e desigualdade, conseguem se adaptar às necessidades de um mundo em rápida mudança? A trajetória atual, marcada pela financeirização e controle tecnocrático, sugere que, sem uma reforma radical, a distância entre as elites e a população em geral só aumentará. O que está em jogo não é apenas uma luta pelo poder político, mas pelo futuro da soberania econômica, das liberdades individuais e da estabilidade social. A batalha não é apenas sobre mudança, mas sobre quem controlará essa mudança e como ela moldará o futuro das próximas gerações.

Uma Onda de Mudança

As recentes eleições na Europa marcam o início de uma onda mais profunda de descontentamento que se espalha pelo continente. A fragmentação política é cada vez mais evidente, desde as eleições antecipadas no Reino Unido e na França até as crescentes divisões e a recente vitória esmagadora na Alemanha—sinalizando a insatisfação pública com o status quo. Essa frustração crescente indica uma mudança no sentimento político, que pode ecoar muito além das fronteiras europeias. O que acontece aqui não é isolado; reflete tendências globais, desde os movimentos populistas na América Latina até o crescente descontentamento na Ásia. Mais uma vez, a Europa se encontra em uma encruzilhada que definirá seu papel em uma ordem mundial em evolução.

Essa tendência se reflete na ascensão dos movimentos de direita em toda a Europa, que vêm conquistando uma parcela cada vez maior dos votos. Na Itália, quase 40% dos eleitores agora apoiam um dos três principais partidos populistas de direita—Irmãos da Itália, Forza Italia e Liga—aumentando em relação a cerca de um terço em 2018 e 30% em 2013. A concentração de poder e riqueza entre as elites ocidentais alienou muitos, alimentando o descontentamento e aprofundando a polarização política na Europa. Mais revelador, isso expõe que a ordem econômica atual falhou em trazer prosperidade. O ataque às instituições que outrora definiam o Ocidente está se acelerando. A frustração está crescendo.

Um Contraponto nos EUA

Enquanto isso, nos EUA, figuras como Leonard Leo estão liderando esforços para desafiar a hegemonia liberal nas corporações e na mídia americana. A campanha de Leo, reconhecendo o imenso poder sutil do entretenimento e das plataformas digitais, mira especificamente essas indústrias por seu controle sobre as narrativas culturais. Ele enquadra sua missão como a reintrodução de um governo constitucional limitado e a promoção de uma sociedade civil baseada na liberdade, responsabilidade pessoal e nas virtudes da civilização ocidental. Como o próprio Leo afirma, essa missão trata de encontrar "maneiras altamente impactantes de reintroduzir o governo constitucional limitado e fomentar uma sociedade civil baseada na liberdade, responsabilidade pessoal e nas virtudes da civilização ocidental."

Em uma sociedade cada vez mais consumida pela superficialidade, a mídia—particularmente em sua forma digital—agora exerce um poder sem precedentes e potencialmente corruptor. Esse domínio distorce o debate democrático e enfraquece o pensamento crítico, promovendo narrativas rasas ou sensacionalistas. O foco de Leo em desafiar essa influência é tanto estratégico quanto essencial. Sem enfrentar o papel desproporcional da mídia na formação da opinião pública, os esforços para restaurar o equilíbrio no discurso político correm o risco de permanecer superficiais. No entanto, qualquer desafio à ortodoxia predominante de esquerda é rapidamente rotulado como extremista, refletindo uma crescente intolerância à dissidência que sufoca o debate significativo.

A Europa Sente a Pressão

A Europa também está sentindo essa pressão. Em seu recente relatório sobre competitividade europeia, Mario Draghi faz uma crítica contundente à abordagem regulatória de Bruxelas, particularmente seu foco na aplicação antitruste. Ao concentrar-se apenas nos preços ao consumidor, argumenta Draghi, os reguladores de concorrência da Europa falharam em se adaptar à economia digital global, onde a escala é crucial para o sucesso.

Do outro lado do Atlântico, a retórica de Donald Trump sublinha ainda mais o realinhamento econômico em curso. Seu aviso direto—"Se você deixar o dólar, não fará negócios com os Estados Unidos"—sinaliza uma abordagem cada vez mais confrontacional ao comércio global. Com a participação do dólar nas reservas globais encolhendo e o yuan da China ganhando destaque, o cenário financeiro está passando por uma transformação fundamental. As implicações são globais, e a Europa deve navegar com cuidado nesse terreno em mudança ou corre o risco de ficar do lado perdedor de uma ordem econômica em evolução.

O Futuro do Dinheiro

Os bancos centrais estão cada vez mais próximos de adotar Moedas Digitais de Bancos Centrais (CBDCs), e instituições como a SWIFT estão explorando maneiras de implementar essas moedas digitais respaldadas pelo Estado. Embora os pagamentos permaneçam inicialmente em moedas fiduciárias, o objetivo a longo prazo é a transição para um dinheiro tokenizado, incluindo CBDCs, stablecoins regulados e o dinheiro tokenizado de bancos comerciais. Essa mudança pode alterar drasticamente a forma como indivíduos e empresas interagem com o dinheiro, introduzindo maior eficiência, mas também uma supervisão significativa.

As implicações são profundas. Os bancos centrais poderiam ganhar um controle sem precedentes sobre a oferta monetária, permitindo-lhes impor condições atreladas a políticas econômicas ou sociais nacionais. Isso levanta sérias preocupações sobre privacidade e liberdades individuais, já que os governos poderiam ditar como, quando e onde a moeda digital seria gasta—até transações específicas ou prazos de validade. Por exemplo, o "dinheiro programável" poderia ser projetado para restringir gastos em certas indústrias ou expirar após um período determinado, erodindo a autonomia financeira e marginalizando ainda mais os indivíduos. À medida que o papel dos bancos comerciais diminui, podemos ver a emergência de um cenário econômico ainda mais rigidamente controlado.

Ao mesmo tempo, os países do BRICS estão avançando agressivamente em sistemas de pagamento baseados em blockchain, desafiando diretamente a dominância de instituições como a SWIFT. Essa competição não diz respeito apenas às redes financeiras—ela reflete a luta mais ampla entre o controle financeiro centralizado e alternativas descentralizadas, como as criptomoedas, que oferecem um caminho para uma maior autonomia financeira individual.

Uma Estrutura Econômica Disfuncional

Nas economias rentistas de hoje, as instituições financeiras, especialmente os bancos, extraem valor dos setores produtivos por meio do financiamento de dívidas, perpetuando um ciclo de transferência de riqueza dos produtores para os financiadores. Como argumenta o economista Michael Hudson, essa financeirização crescente da economia é uma das principais causas do fardo insustentável de dívidas sobre famílias, empresas e governos. Em vez de enfrentar essas questões sistêmicas, o gasto público tem priorizado o resgate de instituições financeiras, reforçando a riqueza do 1% mais rico e agravando a desigualdade.

Hudson destaca que a riqueza está cada vez mais concentrada nas mãos dos rentistas—aqueles que extraem valor por meio de juros, aluguéis ou práticas monopolistas—em vez de ser usada para gerar crescimento econômico real. Esse processo mina a riqueza nacional a longo prazo ao desviar recursos de investimentos essenciais em infraestrutura, pesquisa e inovação. A dependência excessiva da dívida, especialmente com o aumento de juros e pagamentos de aluguel, apenas agrava essa dinâmica. A riqueza é canalizada para o serviço da dívida, e não para setores produtivos que promovem a prosperidade ampla. Com o tempo, a renda disponível diminui, os serviços públicos se deterioram e a desigualdade aumenta—deixando as economias mais pobres, frágeis e vulneráveis a convulsões sociais.

O Que Vem a Seguir?

Não devemos nos iludir quanto aos desafios que se avizinham. À medida que o Ocidente se equilibra à beira de um colapso moral, político e financeiro, é altamente improvável que essas estruturas profundamente enraizadas afrouxem seu controle. Pelo contrário, podemos esperar um endurecimento do poder, com pouca margem para concessões. Essa resistência não será apenas política—ela provavelmente se manifestará em conflitos geopolíticos de grande escala, aumento da vigilância, censura e uma intensificação do controle tecnocrático. Na busca por manter a ordem e o controle, medidas quase totalitárias podem surgir, corroendo ainda mais as liberdades individuais e ampliando o fosso entre as elites e a população em geral.

O retrocesso que vemos hoje decorre de uma crescente percepção de que as estruturas de governo ocidentais não são projetos liberais, mas sistemas de controle iliberais mascarados como tais. Os europeus, cada vez mais alienados por seus governos, estão percebendo que esses sistemas priorizam o poder em detrimento da liberdade. Essa alienação é impulsionada por diversos fatores: a guerra em curso na Ucrânia, preocupações com a imigração e o declínio do padrão de vida. Contudo, a estagnação e erosão da classe média é talvez o fator mais significativo. À medida que os realinhamentos políticos tomam forma, os europeus são forçados a escolher lados em uma luta que não dá sinais de cessar.

Reconquistando a Soberania

Se quisermos evitar a contínua erosão da independência econômica e política, o momento para agir é agora. Restaurar a autossuficiência por meio da revitalização das indústrias nacionais e da reconquista da soberania econômica não é apenas uma opção—é uma questão de sobrevivência. Ao priorizar a produção doméstica, podemos garantir que a geração de riqueza beneficie a população em geral, em vez de fluir para entidades centralizadas e distantes. As receitas tributárias podem ser reinvestidas em serviços locais, construindo comunidades mais fortes e autossuficientes, menos dependentes de sistemas externos.

Os países europeus estão cada vez mais se adaptando a essa mudança, realinhando seus modelos de negócios em direção à produção local e ao fortalecimento de parcerias regionais, além de priorizarem suas indústrias nacionais. À medida que as nações se afastam da ordem globalizada, a capacidade de engajar-se em acordos bilaterais e unilaterais, alinhados com os interesses nacionais, torna-se vital, marcando o surgimento de lealdades sobrepostas. Essa estratégia reconhece as limitações inerentes à dependência excessiva de sistemas externos e enfatiza a necessidade de uma economia sustentável e localmente ancorada, que promova a prosperidade a longo prazo, a partilha de riquezas e a autodeterminação.

Oportunidades de Renovação

Embora os desafios à frente sejam significativos, as oportunidades de renovação são igualmente vastas—se escolhermos aproveitá-las. Para que isso aconteça, será necessário um reexame profundo dos fundamentos de nossa economia e da estrutura política. A busca por autossuficiência, tanto econômica quanto cultural, não deve ser vista como um retrocesso, mas como um caminho viável para o futuro. A verdadeira soberania depende de nossa capacidade de garantir que as instituições e sistemas trabalhem em benefício da maioria, e não de uma elite distante e descolada da realidade.

Se a Europa e o Ocidente, de maneira mais ampla, conseguirem trilhar esse caminho, a transformação pode se tornar uma nova base para uma sociedade mais equitativa, justa e conectada com suas raízes democráticas. A crise que enfrentamos não precisa ser um prenúncio de declínio irreversível, mas pode, ao contrário, abrir espaço para uma nova era de prosperidade compartilhada—desde que tenhamos coragem de agir, redefinir nossas prioridades e abraçar o poder de mudar.


sven ahlborn

Co-Founder and Creative Culinary Thinker-Writer-Photographer at O SUSSURRADOR

2 m

Se... a Europa e o Ocidente conseguirem. Se... que tenhamos coragem de agir, redefinir, abraçar. Se... Acho que não tenhamos, isto continua a ser uma ilusão. Mas !!! Conhece o livro "E se… libertaremos a imaginação para criarmos o futuro que desejamos?" da Rob Hopkins (disponível na Bambual Portugal)? É um livro sobre o extraordinário poder da imaginação, particularmente em tempos de crise. Rob Hopkins estará em digressão por Portugal no início de outubro. É um pouco anti-globalização mas é MUITO inspirador. https://www.quintaoficina.pt/index.php/outras-iniciativas/

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