Extravagâncias de Pavão

Extravagâncias de Pavão

A falência dos meios judiciais nos faz especular: qual a razão de ser do Direito? A questão se encrespa, especialmente, quando tratamos do processo ou da fase de execução. A lassidão da pesada máquina forense nos recorda a obesidade de um pavão. Arrasta sua ostentadora plumagem sem oferecer muitos benefícios para a comunidade. Por mais exagerado que seja o pássaro exibicionista, bem que poderia emagrecer e deixar os palacetes do Judiciário. Seria melhor esticar a cauda e balouçar uma nova justiça.No início da obra “Nos Confins do Direito”, de Norbert Rouland, são citados exemplos que melhor ilustram o que tentamos transmitir. Refere-se a três sociedades empresárias da Espanha, criadas em 1989, cujos serviços de cobrança se diferenciavam pela originalidade e seus traços de humor. Confiantes na força do ridículo, perseguia-se o devedor com uma fantasia de pantera cor-de-rosa a carregar uma maleta na qual se lia “Recebimento de Dívidas em Atraso”. Ora se apresentava um personagem trajado como um aristocrata do século XVIII, vestindo casaca e cartola. A cena se repetia nas vias públicas da Andaluzia, Barcelona e Madri, percebendo-se um inadimplente apressado, seguido de perto no caminho para casa, para o escritório, para um restaurante… Cedo ou tarde a dívida era paga pelos meios psicológicos da humilhação. Pesados na balança, o prato da propriedade aviltada, pelo descumprimento da obrigação, vencia o da dignidade, violada para atender a um fim moral.

A coerção, nome emplumado para a força do direito, já não instila o temor de antes. Os cinco continentes já experimentaram absolutismos ou ditaduras, e a flexibilidade do direito, retorcido para todos os lados, lhe afetou a integridade, a austeridade, a intimidação. É preciso resgatar o sentido do Direito desatrelado do Estado. À medida que a engrenagem estatal pede lenha e óleo na forma de cargos e tributos, suas molas e parafusos saltam rangidos de ineficiência para normatizar, fiscalizar, executar e decidir. A solução é simples: economizem lenhas, óleos, molas e parafusos. Teremos menos ônus e mais liberdade, já que o garantismo estatal se revelou, em pouquíssimo tempo, um exuberante viveiro aberto de espécies raras ― nenhuma ave sairá nem tem a pretensão de voar; visitantes são aceitos apenas para assistir e muito alimentar.

Entre pavões corpulentos, panteras coloridas e cartolas ao vento, vejam aonde o ridículo me levou!

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Davison Menezes

  • As Lições de Junho de 2013 para as Ouvidorias

    As Lições de Junho de 2013 para as Ouvidorias

    "O cidadão é multidimensional. Cada dimensão se articula com as demais na procura de um sentido para a vida.

  • O Desbravador de Espaços

    O Desbravador de Espaços

    Não se trata do cantor Milton Nascimento; é o Milton Santos. Eu não disse Nilton Santos, o beque bicampeão mundial de…

  • Democracia Maquiavélica

    Democracia Maquiavélica

    Por ocasião da Festa Literária Internacional de Paraty, a FLIP de 2014, a cidade se vestiu de Millôr para homenagear o…

  • Artesanato Judicial

    Artesanato Judicial

    A expressão que dá título a este post não é minha, mas do ex-Presidente do Tribunal de Justiça Paulista, o…

  • Ferozes e Tecnológicos

    Ferozes e Tecnológicos

    Conta-se que na década de ’70, uma comitiva sul-coreana esteve em Brasília para assistir de perto o “Milagre…

  • Uma Visão Estratégica do Processo Judicial

    Uma Visão Estratégica do Processo Judicial

    A rápida incursão em alguns conceitos da gestão estratégica denuncia o distanciamento dos processos judiciais das…

  • Loucos de Todo Gênero

    Loucos de Todo Gênero

    Certa feita, conversava com meu irmão a respeito dos filmes da série Matrix e tentávamos conciliar interpretações. A…

  • Direito ao Intangível

    Direito ao Intangível

    Não equivale à liberdade religiosa, nem à livre expressão do pensamento. Não pertence ao campo da Moral; é matéria do…

  • De Peito Aberto

    De Peito Aberto

    Tudo o que nos cerca tem data marcada para se extinguir. Na natureza, a transitoriedade predomina; é absoluta.

  • Aprumando os Rumos do Direito e do Processo

    Aprumando os Rumos do Direito e do Processo

    Assim como Niki Lauda e James Hunt duelavam nos circuitos de Fórmula 1 — o que a arte cinematográfica registrou em…

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos