Falha de julgamento, a proficiência e o imponderável

Falha de julgamento, a proficiência e o imponderável

Sou piloto de avião há 20 anos, piloto comercial há 18. Não tenho a experiência dos profissionais, mas estou em um nível de proficiência mais alto do que a maioria dos pilotos recreativos convencionais. Decidi tirar meu brevê de helicóptero há mais ou menos seis meses. Tive aulas com instrutores fantásticos, fiz as 25 horas de adaptação que me deixariam apto para o check da ANAC. Faltava apenas concluir as minhas horas de voo noturno. Mas algo que eu não esperava aconteceu, e essa breve instrução foi a mais importante de toda a minha trajetória como piloto. 

O dia 3 de novembro de 2018 foi quente em São Paulo, o tempo estava limpo, com áreas de instabilidade fortes no interior e litoral. O radar meteorológico indicava que as formações de nuvens não se moviam em direção à capital, e o vento estava calmo no Campo de Marte. Estava convicto de que poderia fazer um voo tranquilo.

Quando Thiago Rangel, piloto muito experiente e meu professor chegou, combinamos que faríamos o nosso voo ao redor do campo e que, ao menor sinal de mudança das condições, pousaríamos. A noite estava bonita e conversamos, inclusive, sobre como era bom fazer voos noturnos com a atmosfera clara, o ar calmo. 

Após algumas manobras, pousos e arremetidas, repentinamente, fomos surpreendidos com o que parecia ser um súbito furacão: a aeronave chacoalhava de um lado para o outro, para cima para baixo, de forma absolutamente descontrolada. O R44, de repente, parecia uma folhinha de papel ao vento. Já passei por muitas situações de turbulência, mas aquela era diferente, era desordenada. O farol iluminava árvores, pista, mudava de direção aleatoriamente. 

Eu já não conseguia mais distinguir os movimentos e oscilações da máquina. O Thiago me acalmou. Quando olhei, ele já havia assumido os controles. Ele tinha um semblante de atenção, sem perder a concentração. Ainda não sei como Thiago conseguiu colocar a aeronave no chão. Respiramos por 15 segundos, tentando assimilar o ocorrido. 

Em solo firme, com os motores ligados, pedi desculpas ao Thiago pelo transtorno gerado. Reconheci que havia influenciado a decisão de fazer aquele voo. O sentimento de culpa veio misturado com a gratidão por ter tido ao meu lado um piloto experiente. Naquela noite de vendaval, inúmeros helicópteros optaram em abortar suas viagens “de” e “para” São Paulo. Tragicamente, noticiou-se também um acidente aeronáutico, causado pelo mau tempo. 

Aquela aula, definitivamente, transformou a maneira que eu avalio riscos e limites. Foram muitos os aprendizados, que levarei para todas as áreas da minha vida pessoal e profissional. 

·      O primeiro, como interpretar regras. Na analogia com a minha experiência, simplesmente observar os ventos, contando apenas com uma ação posterior caso eles mudassem, se torna insuficiente em uma perspectiva maior. Regras devem ser interpretadas e riscos devem ser considerados levando-se em conta outros fatores. Na natureza, as nuvens se movimentam no “apagar das luzes” – frentes frias vem à noite. Em outras palavras, ventos e tempestades devem ser evitadas sempre que possível.

·      Corrigi em minha cabeça a sensação de segurança em um voo sobre o aeroporto. Ambientes considerados seguros, fisicamente ou não, são os mais perigosos, já que “baixamos a nossa guarda”. Esse exemplo é análogo aos acidentes de carro, que, em sua maioria, ocorrem a um quarteirão da residência das vítimas. 

·      A calma é crucial em situações adversas. Autocontrole e serenidade para lidar com circunstâncias complicadas maximizam a chance de sucesso. O “sangue frio” do  instrutor, sem dúvida, foi essencial. A dele conduta influenciou a minha, e criou um ambiente de cooperação e confiança. Da mesma forma, em nosso cotidiano, essa prática deve prevalecer.  

·      Por fim, tenho, agora, convicção de que check e o brevê são só o começo. Assim como um médico precisa de 20 anos de prática para liderar uma cirurgia de alta complexidade, o mesmo ocorre com as outras carreiras. Somos sempre aprendizes, e a humildade para nos adaptar e nos atualizar se torna vital para o nosso desenvolvimento (e muitas vezes, para nossa sobrevivência).

Nos dias de hoje, as quebras de paradigmas e a disrupção são os “vendavais corporativos”, que acontecem de forma abrupta, o tempo todo. Por isso, se antecipar a tais situações, contorna-las quando possível, mas saber lidar com elas quando acontecem, são essenciais para o sucesso de um indivíduo ou organização. Da mesma forma, empresas que não abraçam a cultura de aprendizagem constante e não encaram a gestão da mudança de forma positiva, terão muitas dificuldades de se manterem vivas neste novo contexto.

Minha carreira como piloto tem me ensinado muito sobre gestão de riscos, julgamento e em como lidar com o imponderável. Como “piloto” da minha organização, junto com toda a minha tripulação, somos responsáveis por leva-la do ponto A para o ponto B. Desistir de voar não é uma opção aceitável: uma empresa que não se movimenta em breve terá suas turbinas enferrujadas e corre o risco de virar sucata em pouco tempo.


Guilherme Marani

Cristão | IT Support | SAP Support | Desenvolvedor Backend | Java | Spring Boot | SQL | Yellow Belt |

6 a

Muito Educativo!

Bartira Cunha

Professora Adjunta na UFBA - Universidade Federal da Bahia

6 a

Ótima reflexão.

Paulo Sérgio Goncalves

Professor - Logística e Operações - Manufatura e Serviços

6 a

Parabéns ! Excelente texto para uma bela reflexão !

lucilea soares soares

assistente de biblioteca na FMF WIDEN

6 a

Um texto para repensar sobre as dificuldades em aceitar que saber ponderar e o agir com a "frieza" podem causar uma diferença enorme em qualquer situação,saber ouvir a voz da experiência e colocar em prática é ter humilddae da tão falada escolhas sábias.

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