Fazendo as pazes com a natureza
Durante a 5ª Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-5), ocorrida em fevereiro de 2021, foi lançada a publicação “Fazendo as pazes com a natureza: um projeto científico para enfrentar as emergências do clima, biodiversidade e poluição”, coordenada pelos pesquisadores Ivar A. Baste (Norwegian Environment Agency) e Robert T. Watson (IPCC).
A integra da publicação pode ser obtida aqui. A seguir, apresento a minha leitura deste trabalho, como forma de difundir as análises dos autores e estimular a leitura completa da publicação.
Baste e Watson são claros ao afirmar que as futuras gerações dependem de uma urgente e clara mudança nas tendências atuais de declínio ambiental. Não há novidade na receita: reduzir as emissões de CO2 em 45% até 2030 comparando com os níveis de 2010 e zerar as emissões líquidas em 2050 de forma a limitar o aquecimento em 1,5°C, como buscado pelo Acordo de Paris. Além disso e, ao mesmo tempo, é preciso conservar a biodiversidade e minimizar a geração de poluição e resíduo.
Entretanto, o tempo está passando e não estamos no curso de atender o Acordo de Paris.
Se mantivermos o mesmo padrão atual de poluição, já alcançaremos o aumento de 1,5°C por volta de 2040 e chegaremos a 3°C até 2100. Caso isso se confirme, as consequências serão inimagináveis. Hoje, com um aumento em torno de 1°C, já vemos mudanças drásticas no clima, nos padrões de precipitação, no degelo de geleiras, no aumento no nível do mar e na maior frequência de eventos climáticos extremos que afetam a todos, sendo que as consequências são ainda mais graves para comunidades pobres e vulneráveis.
Nos últimos 50 anos, a economia global quintuplicou e a extração de recursos naturais triplicou, como consequência necessária para sustentar aumentos na produção e consumo de bens e serviços. A sociedade se tornou mais desigual nesse período. A população dobrou de tamanho, a prosperidade também foi duplicada mas, por outro lado, há cerca de 1,3 bilhão de pessoas pobres e 700 milhões que passam fome.
Cerca de um quarto da carga global de doenças decorre de riscos relacionados ao meio ambiente, incluindo aqueles de doenças transmitidas por animais (como a COVID-19), mudanças climáticas e exposição à poluição e produtos químicos tóxicos. A poluição causa cerca de 9 milhões de mortes prematuras anualmente e milhões morrem todos os anos de outros riscos à saúde relacionados ao meio ambiente.
Nenhum dos acordos globais para a proteção da vida no planeta ou para interromper a degradação ambiental terrestre e marinha foram completamente cumpridos, incluindo o plano estratégico para biodiversidade 2011-2020. Um milhão das cerca de 8 milhões de espécies de plantas e animais estão ameaçados de extinção e muitos dos serviços ecossistêmicos essenciais para o bem-estar humano estão se perdendo.
As décadas de esforços incrementais feitos por países, organizações não governamentais e cidadãos em todo o mundo não foram suficientes para evitar o atual declínio ambiental, que é resultante de um modelo de desenvolvimento constantemente expansivo e com foco em resultados de curto prazo.
Somente uma transformação de todo o sistema poderá levar o bem-estar para todos, dentro da capacidade da Terra de sustentar a vida, de fornecer recursos e de absorver resíduos, efluentes e emissões decorrentes das atividades humanas. Essa transformação precisará envolver uma mudança fundamental na organização tecnológica, econômica e social da sociedade, incluindo visões de mundo, normas, valores e governança.
Mudanças importantes no investimento e na regulamentação são essenciais para transformações justas que superem a inércia e a oposição de organizações interessadas em manter a atual estrutura. Os processos regulatórios devem incorporar tomadas de decisão transparentes e boa governança envolvendo todas as partes interessadas. É preciso garantir que investimentos apoiem mudanças transformadoras, que é a chave para se alcançar a sustentabilidade.
Os governos devem incorporar a contabilidade total do capital natural em suas políticas de tomada de decisão e usar políticas e estruturas regulatórias para fornecer incentivos para que as empresas façam o mesmo. Critérios como o Índice de Riqueza Inclusiva (IRI) (índice lançado pela ONU em 2012, que mede a sustentabilidade do crescimento dos países, considerando a quantidade do patrimônio natural que os países reduzem, à medida que o PIB cresce) fornecem uma base melhor do que o PIB para as decisões de investimento, pois refletem a capacidade das gerações atuais e futuras de alcançar e manter padrões de vida mais elevados.
Além disso, os governos devem abandonar os subsídios ambientalmente prejudiciais, investir em soluções e tecnologias com baixo teor de carbono e internalizar sistematicamente os custos ambientais e sociais.
No atual contexto, alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável exigirá grandes mudanças e aumentos nos fluxos financeiros públicos e privados e nos padrões de investimento, inclusive nos setores de água, alimentos e energia. Incentivos devem ser criados para que os investimentos em desenvolvimento sustentável sejam financeiramente atraentes.
Para alcançar objetivos relacionados à segurança alimentar, é necessário o estímulo a sistemas de produção de alimentos que trabalhem com a natureza, reduza o desperdício e sejam adaptáveis às mudanças. Os pequenos agricultores, especialmente as mulheres agricultoras, são fundamentais para o desafio da segurança alimentar e nutricional e devem ser empoderados e empoderadas.
Todos os atores têm papéis individuais e complementares a desempenhar na promoção de mudanças transformadoras intersetoriais e em toda a economia, com impacto imediato e de longo prazo. Isso pode ser aprimorado por meio de capacitação e educação. Os governos devem iniciar e liderar a cooperação intergovernamental, política e legal que visem a transformação da sociedade e a economia. Essas transformações permitirão que o setor privado, instituições financeiras, organizações trabalhistas, órgãos científicos e educacionais e meios de comunicação, bem como famílias e grupos da sociedade civil, iniciem e liderem transformações em seus domínios.
Os indivíduos podem facilitar a transformação, por exemplo, exercendo seus direitos de voto, mudando suas dietas e hábitos de viagem, evitando o desperdício de alimentos e recursos e reduzindo o consumo de água e energia. Eles também podem promover mudanças comportamentais, aumentando a conscientização em suas comunidades. A cooperação humana, a inovação e o compartilhamento de conhecimento criarão novas possibilidades e oportunidades sociais e econômicas na transformação para um futuro sustentável.
Geofísico na Petrobras
3 aPrezado Lacerda, boa noite, creio que uma provavelmente transformação da mentalidade da sociedade poderá ser viabilização pelo processo educativo de massa: o marketing adequado veiculado pelos meios de comunicação e o conceito do desenvolvimento sustetável inserido como disciplina dentro da grade curricular do ensino escolar básico, que influenciarão as gerações atuais; porém, a transformação de comportamento mais contundente da sociedade ocorra para as próximas gerações que estarão maduras daqui a 15 ou 20 anos. Mas a areia da ampulheta parece que esta caindo rápido demais, creio que você me entende. Os desastres provocados pela fúria climática estão impondo flagelos à sociedade, no presente! Felizmente ou não, estes podem - eu enfatizo, podem - constituir o gatilho que falta para uma mudança de postura mais acetuada dos governos globais, pois a intensidade dos fenômenos climáticos pode provocar estragos a setores da cadeia produtiva mundial, por exemplo, o agronegócio, e por consequência todos os outros setores que dele depende. Mais devemos considerar também as consequências sociais: migrações, o reaparecimento de doenças consideradas erradicadas, o surgimento de moléstia desconhecidas. Forte abraço.