Filtro de Relevância para admissão de Recursos Especiais – PEC nº 39/2021
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 39/2021, do Senado Federal, conhecida como “PEC da Relevância”, busca estabelecer um novo requisito de admissibilidade para o Recurso Especial, cujo julgamento compete ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em analogia ao filtro recursal da “repercussão geral” para análise dos Recursos Extraordinários no Supremo Tribunal Federal (STF).
Essa proposta de PEC foi apresentada inicialmente, em 23 de agosto de 2012, no formato da PEC nº 209/2012, aprovada na Câmara dos Deputados, em março de 2017, no formato da PEC nº 10/2017, com a finalidade de atribuir requisito de admissibilidade aos Recursos Especiais.
Após quatro anos de tramitação, a PEC foi aprovada pelo Senado Federal, em 03 de novembro de 2021, retornando com ajustes para nova votação à Câmara dos Deputados.
A expectativa é de que a PEC seja aprovada ainda este ano. Espera-se que com a implementação dessa proposta ocorra o “descongestionamento” no STJ, reduzindo a massiva quantidade de Recursos Especiais submetidos a este órgão.
De acordo com a nova redação, é proposta a inclusão dos §§ 1º e 2º ao artigo 105 da Constituição Federal, “para instituir, no recurso especial, o requisito da relevância das questões de direito federal infraconstitucional”.
De acordo com o § 1º, o recorrente deverá “demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso”, como condição de admissibilidade do Recurso Especial, cujas hipóteses, delineadas no § 2º, serão abordadas a seguir.
O intuito pretendido é que o STJ somente aprecie os Recursos Especiais cujo tema possua relevância jurídica suficiente a ponto de justificar o pronunciamento da instância superior, evitando que ocorra o julgamento de questões que afetem somente o interesse das partes, sem maiores implicações no que tange à interpretação do direito federal.
Considerando a nova restrição que deverá ser imposta constitucionalmente, a PEC visa importante mudança no sistema jurisdicional de julgamento dos Recursos Especiais, razão pela qual, ainda que esta esteja em tramitação e sujeita a alterações, alguns pontos merecem destaque a título de discussão, quais sejam: (i) hipóteses em que há presunção de relevância; (ii) vantagens que a implementação do requisito da “Relevância” poderá propiciar ao STJ; e (iii) riscos de perda da uniformização da legislação infraconstitucional.
Ressaltamos que há posicionamentos controversos acerca das consequências da implementação da PEC, eis que ainda se questiona se esta privilegiará de fato a duração razoável dos processos ou será mais um mero pressuposto limitador de acesso ao STJ.
Hipóteses em que há presunção de relevância
A proposta aprovada pelo Senado Federal estabelece, de acordo com o § 2º do artigo 105, algumas hipóteses de presunção da relevância, de modo a ensejar a admissibilidade automática do Recurso Especial, sendo algumas objetivas e outra subjetiva.
Entre as hipóteses objetivas temos as ações penais, as ações de improbidade administrativa, as ações em que o valor da causa ultrapasse 500 salários-mínimos e as ações que possam gerar inelegibilidade.
Já a hipótese subjetiva se refere ao caso em que “o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça”, uma vez que não existe um conceito claro do que seja a “jurisprudência dominante”. Talvez fosse melhor se referir a jurisprudência julgada em definitivo em incidente de resolução de demandas repetitivas.
O novo texto constitucional ainda permite que sejam estabelecidas outras hipóteses de presunção em leis ordinárias.
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Vantagens que a implementação da PEC propiciará ao STJ
É notório que o STJ sempre recebeu um número expressivo de Recursos Especiais com objetivos de mera posição de 3ª instância e que a Constituição permite a admissibilidade dos Recursos Especiais em diversas ocasiões.
Assim, o objetivo da PEC é claro: reduzir o volume de recursos STJ, por meio da restrição da atuação da Corte aos casos que refletem a uniformização da jurisprudência nacional de grande relevância na sociedade.
Assim, no que tange à celeridade e à economia processual, a alteração constitucional poderá trazer soluções eficazes, reduzindo os recursos em trâmite no STJ e permitindo que a Corte se debruce sobre questões que efetivamente demandem a sua intervenção.
Por outro lado, de acordo com o texto normativo proposto, o Recurso Especial somente não será conhecido por falta de relevância “pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento”.
Ou seja, retira-se do Tribunal “a quo” e do Ministro relator a competência para apreciar, sozinho, este requisito de admissibilidade, tal como já ocorre atualmente em relação aos demais requisitos de admissibilidade.
Neste sentido, caso o relator não tenha negado seguimento ao recurso especial por decisão monocrática nas hipóteses em que lhe é facultado, o Recurso Especial deverá ser obrigatoriamente submetido a julgamento pela Turma no STJ.
De qualquer forma, com este novo filtro de admissibilidade, o STJ conseguirá atuar com mais qualidade e desempenhará de forma mais efetiva a sua função originária, assim como será possível a prestação jurisdicional, pelo menos em tese, de forma mais rápida.
Desse modo, a utilização dessa sistemática de relevância também permitirá que o STJ seja utilizado como um mero tribunal de revisão e assuma a sua devida posição de uma Corte de precedentes e de guardiã da lei federal.
Riscos de perda da uniformização da legislação infraconstitucional
Ainda que se apresente de forma extremamente benéfica, é imprescindível a análise das desvantagens diante da implementação dessa PEC, considerando que a proposta trouxe questionamentos acerca de uma possível perda da garantia de uniformidade da aplicação da lei nacional pelo STJ, uma vez que com a aprovação da PEC, será criado um instrumento de viés por vezes subjetivo e não isonômico para a escolha dos recursos a serem julgados.
De fato, essa perda da garantia de acesso ao STJ poderá ocasionar uma grande insegurança jurídica, considerando que não há um critério de julgamento específico pré-estabelecido para as questões consideradas “relevantes”.
Ainda que descritas algumas hipóteses objetivas quanto à presunção da relevância, destacamos que restarão situações que não integram o rol taxativo e dependerão do julgamento de admissibilidade do recurso, podendo surgir interpretações díspares entre as Turmas dos temas “relevantes” e “não relevantes”.
Além disso, ainda que a lei ressalve a relevância de processos que contrariem “jurisprudência dominante” da Corte, alguns temas que ainda não possuem entendimento pacificado podem ter seguimento obstado, diante da “trava” da relevância.
Portanto, embora a iniciativa legislativa seja pertinente para tentar reduzir o volume de recursos no STJ, não se pode, com isso, esvaziar a principal função do STJ, que é a uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional.