Fracasso pela demissão

Fracasso pela demissão

Toda demissão é um fracasso. A demissão de alguém da empresa é uma declaração tácita muito dramática do fracasso do gestor ou da gestora em sua função. Demissões são comumente tratadas pelo viés das falhas da pessoa demitida, mas o fracasso maior não é dela. 

Quando uma pessoa é demitida -- em parte também quando se demite, mas aí a quantidade de variáveis exógenas é maior -- o que na verdade se está declarando? Não necessariamente que a pessoa é incompetente, incapaz, imperita ou coisa do tipo. O olhar desatento nos leva a crer que as falhas estão na pessoa, que a incompatibilidade com o time, com o ritmo de trabalho, com a dinâmica da empresa etc. vem dela. Pior é constatar que esta percepção somente poderia ser verdadeira se casada com a inferência de que o conjunto da empresa e as respectivas equipe e liderança estão já no auge do amadurecimento corporativo, social e funcional. 

Certamente que nunca é assim. Entretanto, o que deveria estar sendo declarado quando alguém é demitido é a incompetência, incapacidade e imperícia dos gestores da empresa, no mínimo do gestor direto e de alguma parte da cadeia gerencial relacionada. 

Antes da pessoa ser demitida, ela fora contratada. Antes de ser demitida, ela trabalhou por tempo na empresa e desempenhou papeis em nível tal de qualidade que a mantiveram empregada. O que mudou a ponto de o trabalho dela não ser mais adequado? Ela pode verdadeiramente ter mudado e não se encaixar mais na posição que ocupa. Mais provável, entretanto, é que as condições de trabalho tenham mudado. Ou a orientação sobre o que fazer, como fazer e o que entregar e em que prazos tenham mudado. Ou uma diversidade de outros fatores corporativos, ambientais e sociais tenha mudado, afetando a capacidade de trabalho daquela pessoa, mas sem que nenhum fosse efetivamente inerente a ela. 

Ou seja, se não falha original, em algum ponto do processo de atração, recrutamento, seleção, admissão e onboarding -- e daí portanto fracasso da cadeia gerencial envolvida em todo ele e que levou à contratação de uma pessoa inadequada -- então falha gerencial direta, pela incapacidade de conduzir processos de mudança ou de navegar por eles de forma inclusiva, assegurando que todos os colaboradores sigam compondo adequadamente o time. A pessoa foi penalizada, sendo removida do time, sendo que a verdadeira falha estaria entre o gestor direto e outros na empresa, incapaz/es de orientá-la e suportá-la para manutenção do tal nível de qualidade que a mantivessem empregada. 

De qualquer forma, a perspectiva iminente de demissão é péssima artimanha de incentivo ao trabalho, ao desempenho e à efetividade. Entre várias estratégias gerenciais possíveis visando à manutenção do desempenho acima de determinado patamar -- sem contar ferramentas de controle e acompanhamento de tarefas e entregas -- esta é das mais utilizadas. Consideravelmente eficaz, como ações autoritárias costumam ser, mas de efetividade questionável. 

A ameaça da demissão em caso de “mau desempenho” -- e todos guardam algum medo ou receio que ocorra -- orienta o foco funcional à ação e às entregas, mas não ao melhor desempenho ou à melhor qualidade. Apenas ideias e soluções rasas, muitas vezes as mesmas já testadas e aplicadas aqui e acolá, são apresentadas. Não há inovação, não há disrupção, não há proatividade que resista ao receio do erro ou da falha. Superficialidade e mediocridade, entretanto, essas sim são as “melhores” escolhas... são seguras, confortáveis... quentinhas, até :purple_heart:. A perspectiva da demissão orienta as pessoas aos caminhos seguros, conhecidos e menos arriscados, mas o custo da mediocridade é alto à organização. 

É possível, no entanto, fazer diferente. Há empresas cujo modelo gerencial não se baseia na possibilidade da -- ou melhor, não permite a -- demissão dos colaboradores. Ainda, estruturam programas internos, com considerável estímulo e acompanhamento da alta administração, para recebimento, acolhimento, avaliação, implementação e premiação de sugestões, ideias e inovações pelos próprios colaboradores. Sem medo de serem demitidos, sem receio quanto a eventual falha na inovação proposta -- ou se eventualmente a sugestão não for mesmo lá essas coisas -- eles apresentam suas ideias e propõem fazer diferente o trabalho que precisam fazer. Devidamente instigados pelas possibilidades de reconhecimento social e gerencial, além de possíveis premiações, eles muitas vezes sabem como determinada tarefa poderia ser melhor realizada, como poderiam gastar menos energia ou menos recursos, como poderiam entregar mais e melhor com o mesmo esforço. Mas a tolerância ao erro é fundamental. 

Mesmo sem tanta sofisticação, entretanto, empresas teriam ganhos consideráveis de desempenho se a ameaça da demissão fosse removida do rol de estratégias gerenciais. Mas deveria ser substituída, possivelmente por um modelo de gestão de pessoas que privilegiasse rodadas frequentes de avaliação de desempenho e de orientação a ações concretas de desenvolvimento individual. (É trabalhoso ser gestora ou gestor de pessoas!!) Apenas com base em ciclos consecutivos de avaliação/desenvolvimento em que a pessoa não demonstrasse evolução, poderia o gestor encaminhar a um comitê -- decisão não monocrática -- a recomendação para o desligamento de tal colaborador. E aí um ponto chave deste processo: o comitê avaliaria conjuntamente o caso do colaborador em questão e do gestor ou da gestora. Se o desempenho está pífio, a responsabilidade é compartilhada (se não maior da gestão).

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