Futuro da legislação de TV

Futuro da legislação de TV

É de conhecimento de todos que os brasileiros adoram uma tela com conteúdo audiovisual…

De acordo com um levantamento da Comscore feito no ano passado, somos a terceira nação que mais consome redes sociais em todo o mundo, atrás de Índia e Indonésia, e à frente de EUA, México e Argentina.

Não é à toa que a sede da segunda maior emissora de TV no mundo – a Rede Globo – é aqui. (A primeira do ranking é a americana ABC).

Entra ano, sai ano e a televisão é um dos entretenimentos preferidos em nosso país. Na última pesquisa Data Stories 38 da Kantar Ibope Media, 71% das pessoas disseram que gostam de relaxar em frente à TV.

Curiosamente, já estamos bastante cientes de que nossos hábitos de consumo mudaram. Na mesma pesquisa, 49% dos entrevistados reconheceram que a transmissão de vídeo online mudou a forma de assistirem conteúdo. Quer dizer, YouTube & Cia. são absolutamente integrados ao cotidiano nacional.

Não é de surpreender que estamos também entre os Top 3 países ****que mais assistem a plataformas de streaming, segundo a empresa de pesquisa alemã Statista.

O Censo 2022, realizado pelo IBGE, indica que os serviços pagos de streaming de vídeo – chamados de SVoD – estavam presentes em 43,4% dos domicílios com aparelhos de TV, no Brasil.

No mês passado, levantei o debate sobre a definição de TV (você pode reler aqui) e prometi que voltaria ao assunto sob outra perspectiva.

Mais que uma enorme fonte de entretenimento, o conteúdo em vídeo, onde quer que seja transmitido – via antena, satélite, cabo coaxial, fibra óptica ou IP (internet fixa ou móvel) –, é um negócio que faz rodar a economia do país. Gera empregos e recolhe tributos.

Então, cabe a pergunta: estaria um dos maiores mercados de conteúdo em vídeo do mundo atrasado (e atrapalhado) na regulação do setor?

Eu penso que sim.

No vácuo

Sempre que posso, provoco meu interlocutor e digo que mais fácil seria regular o vídeo em si e não pensar em cada um dos meios de transmissão, separadamente. É difícil pensar em leis tomando como ponto de partida preferências de visualização e tecnologias de distribuição.

Para defender meu ponto de vista, fiz uma análise das obrigações de acordo com a legislação que vigora neste momento – Lei nº 9.472 (LGT); Lei nº 4.117; Lei nº 11.652; Lei 12.485/2011 (SeAC) – e os projetos que estão em análise nas casas legislativas federais para regulamentar as plataformas de streaming – PL 8889/2017 e PL 2331/2022.

Fica claro que falta um balanceamento de obrigações. Uns setores estão hiper-regulados – caso das operadoras de TV por assinatura e telecoms –, enquanto os meios digitais escapam do pente fino, por serem empresas globais e pela rapidez com que evoluem e se transformam.

Logicamente, a Internet é muito nova, se comparada à radiodifusão e às telecomunicações tradicionais. Só que nem por isso, as empresas deveriam correr soltas, sem contrapartidas entregues à sociedade.

Por exemplo, Austrália e Europa mantêm para as plataformas digitais cotas de tela (espécie de reserva de mercado para conteúdo nacional) semelhantes ao que se exige aqui dos canais de TV por assinatura.

Essa é a lógica de quem procura, desde 2015, regular as plataformas de streaming. Em novembro, foi aprovado no Senado um projeto de lei que imputa a elas obrigatoriedade de oferecer conteúdo regional. Ainda estende a cobrança da Condecine – Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, tributo que abastece o Fundo Setorial do Audiovisual, ferramenta de fomento à indústria nacional.

Contudo, o projeto continua na Câmara dos Deputados para análise.

Por sinal, o Canadá aprovou em abril de 2023, uma lei que equipara as plataformas digitais que operam por lá às emissoras tradicionais, obrigando-as a pagarem o equivalente a uma Condecine canadense.

Você pode ser a favor ou contra esse tipo de tributo, desde que mantenha a posição para todas as empresas que atuam no setor. Meu argumento para debate é que, por haver tantas distinções entre as leis e o que exigem, estamos, literalmente, perdidos em meio a definições.

Um debate semelhante se dá em torno do marco regulatório da Inteligência Artificial (IA). Os especialistas dizem que é impossível regular absolutamente tudo, porque isso vai travar o desenvolvimento, evolução e até melhoria dos sistemas. É preciso fundamentar as bases, ser flexível e proteger o ser humano.

Eu aplico a mesma lógica ao mercado de conteúdo audiovisual. Talvez, devamos partir de um princípio mais básico e fundamental.

Admito que há questões complexas que englobam o assunto, como por exemplo: a quem cabe investir na infraestrutura das redes móveis (as mais usadas no Brasil), no aumento da capacidade de armazenamento e processamento em nuvem e na melhoria da velocidade de transmissão dos dados? Como proteger efetivamente a privacidade de informações passadas digitalmente? Como fica a tributação de conteúdos gerados por pessoas físicas compartilhados nas plataformas?

Eu penso que deveria ser assim:

É esperado que o futuro da distribuição de conteúdo audiovisual seja um misto de tecnologias. Que tal pensarmos em possibilidades de promover a integração dos participantes deste setor, ao invés de promover a disputa desigual entre eles? Um mercado em que a radiodifusão tradicional coexiste e colabora com plataformas digitais e de streaming pode ser a melhor solução.

Nota: As discussões e contra-argumentações das partes envolvidas acabaram por instigar a Ancine, agência reguladora da produção audiovisual brasileira, a confeccionar um documento (confira aqui) e abrir uma consulta pública. Se este tema lhe é caro, envie suas contribuições até 15 de abril.

*Omarson Costa é especialista em transformação digital da indústria de mídia e conselheiro de administração.

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