Gabinete Nacional de Trends Corporativas
Um curioso caso de rebranding que deu errado. Ou não.
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"Estão todos de acordo que o post do momento é Divertidamente 2?", perguntou o chefe do Gabinete Nacional de Trends Corporativas.
"Siiiiiim", responderam com entusiasmo os jovens funcionários.
"Aline, por favor, providencie o anúncio oficial", disse o chefe sem notar que a mulher era a única contrariada na sala.
Há tempos Aline discordava de como o chefe decidia as prioridades do departamento.
Prestes a completar vinte anos de empresa, ela ainda se lembrava do cartaz amarelo afixado no mural da faculdade que a levou até ali:
"Faça parte da primeira turma de curadores do GNAC, seleto grupo de pessoas que decide o que vai pautar a agenda dos executivos".
Sentindo um misto de poder e vontade de fazer o bem, Aline se candidatou e, ao longo do processo seletivo, sua expectativa só foi aumentando.
"Aqui no Gabinete Nacional de Assuntos Corporativos, GNAC para os íntimos, nosso propósito é promover a humanização, educação e prosperidade coletiva no mundo do trabalho", disse a coordenadora de seleção.
Aline ficou encantada.
Sendo a primeira pessoa na família a ingressar na universidade, a educação era um tema realmente muito importante pra ela.
Havia chegado a hora de retribuir aos pais todo o sacrifício que eles fizeram para dar a ela a oportunidade que eles não tiveram.
Aprovada no GNAC, Aline dedicou a vida para promover temas com grande impacto nas organizações.
No começo tudo era mais devagar, é verdade.
A internet engatinhava.
E as pessoas tinham o estranho hábito de ler jornais e ir a feiras e congressos para saber das novidades.
Como responsável pelo departamento de comunicação, Aline cuidava das campanhas para disseminar as prioridades.
Mas de uns anos pra cá muita coisa mudou.
O nome do departamento, inclusive.
Depois de um rebranding, os termos "humanização, educação e prosperidade" - que vinham junto da sigla GNAC - caíram em desuso.
"Vocês precisam de algo mais fancy e appealing", disse o dono da agência contratada.
Até aí tudo bem, Aline entendia a necessidade de modernizar a imagem do Gabinete.
Só não podia concordar com uma mudança tão radical no direcionamento do trabalho.
Mesmo o chefe afirmando que aquilo era só uma maquiagem para rejuvenescer a marca, a escolha do termo "Trends Corporativas" a preocupava.
Para tornar realidade a missão do GNAC, era preciso mais do que posts do momento.
Era necessário planejamento, aprendizado contínuo, compromisso das lideranças, consistência na execução e muitas outras coisas que Aline havia praticado nas últimas décadas.
Cansada e já quase sem esperanças, Aline resolveu tentar algo diferente.
1. O plano
De volta à sua mesa, escreveu o comunicado sobre Divertidamente 2, mas manteve o email apenas nos rascunhos.
Nunca havia desobedecido ao chefe.
Então, se fosse pega, ainda poderia alegar desatenção.
"Na pressa, acabei não apertando o botão enviar, acredita?", se imaginou dizendo em sua defesa.
Então, partiu pra ação.
"Alô, Emerson? Você pode dar um pulo aqui no sétimo andar, por favor? É urgente".
Cientista de dados, desenvolvedor e professor universitário, Emerson era um funcionário prestativo porém pouco notado na organização.
Era competente, mas falava muito devagar e parecia estar sempre com sono.
Mas Aline o conhecia, sabia que, apesar do amor pela vida acadêmica, ter dois empregos não era uma questão de opção.
Por isso, assim que soube do plano de Aline para sacudir as estruturas do GNAC, não pensou duas vezes.
"Eu ajudo uma colega e, de quebra, ainda posso ganhar a minha tão sonhada promoção", pensou Emerson.
Foram três dias de trabalho quase ininterruptos.
Enquanto Aline fazia pesquisas e consultava arquivos antigos, Emerson usava todo seu conhecimento em BI, AI, AIAIAI e UAI (sim, Emerson era mineiro) para criar um protótipo.
"Agora foi. Sem nenhum bug. Está pronto, Aline. Conseguimos!", disse o cientista de dados orgulhoso.
Mas não havia tempo para comemoração.
Nas redes sociais vizinhas os posts sobre Divertidamente 2 já estavam bombando.
Se o mundo corporativo perdesse o hype, Aline não seria perdoada.
"Chefe, fiz uma descoberta que pode mudar para sempre a história do GNAC. Não posso explicar muito agora, mas peço esse voto de confiança e sua ajuda para reunirmos toda a diretoria em uma hora na sala principal", escreveu Aline, por email, ao chefe.
2. A hora da verdade
Aline chegou adiantada, preparou a apresentação, testou os equipamentos. Tudo certo.
Emerson preferiu ficar lá atrás, para observar a reação dos colegas.
Um a um, os integrantes da diretoria do GNAC foram entrando. O chefe, como sempre, chegou por último.
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Sentou-se na ponta da mesa e ficou intrigado com o título do slide:
"Economia da atenção: como pautar a agenda executiva com o que realmente importa".
Aline sentiu suas bochechas queimarem ao notar o desconforto do chefe.
Mas já era tarde.
"Sejam todos bem-vindos. Nos últimos três dias trabalhei em parceria com o nosso cientista de dados, Emerson Alves, para apresentar a vocês uma inovação".
Enquanto falava, Aline sentia seu corpo todo tremer.
"Trata-se de uma tecnologia que conjuga big data, analytics, inteligência artificial e machine learning para nos ajudar a escolher os assuntos prioritários do mundo corporativo", Aline continuou a explicação.
"Basta plugarmos o sistema nos nossos diferentes bancos de dados para acompanharmos em tempo real o tipo de conteúdo que deveríamos espalhar". Aline apertou um botão e PLIM, a mágica se fez.
Uma nuvem de palavras exibia temas de extrema relevância, pautas que realmente tinham o poder de influenciar positivamente o mundo do trabalho para melhor.
O burburinho começou a brotar na sala e o tom era animado. Pareciam todos muito interessados na tal inovação.
Menos o chefe.
Com a testa franzida e cara fechada, ele claramente não via motivo para tanta excitação.
Aline foi a primeira a notar.
Mas não demorou muito para a atmosfera mudar, como se uma nuvem carregada de chuva tivesse ocupado toda a sala.
"Então, você está dizendo que estes dezoito assuntos são os mais relevantes para as empresas nesse momento, certo?", perguntou o chefe, já sabendo a resposta.
"Bem, chefe. Na verdade não sou eu dizendo. São os dados", Aline sentiu que suas palavras soaram rudes, mas eram a mais pura verdade. E acrescentou:
"Entrei aqui para colaborar com a humanização, educação e prosperidade do mercado de trabalho. Costumávamos traçar ações coordenadas, por meio do diálogo e da troca com o nosso público alvo. A proposta é usar tecnologia para resgatarmos essa essência. O GNAC precisa parar de promover distrações".
Aline engoliu seco ao notar o diretor de RH e a diretora de marketing trocando olhares.
"Obrigado Aline, levarei o assunto ao comitê", o chefe encerrou a reunião.
Às pressas, como se o ar estivesse rarefeito, todos saíram da sala em silêncio.
A funcionária já estava com um pé pra fora, quando ouviu a voz do chefe pedindo pra ela ficar mais cinco minutinhos. "Claro". Ela não sabe se disse ou só pensou.
Sua voz parece ter desaparecido dali para sempre.
3. Um até breve
Tão logo viu o começo do post, Emerson abriu a mensagem. Era Aline se despedindo dos colegas do GNAC.
"Foi um prazer fazer parte dessa organização por quase vinte anos. Aprendi demais e blá blá blá". Revoltado, Emerson sabia que tinha boi na linha.
Rolou o feed da rede social corporativa e, a cada dez postagens, oito faziam uma correlação entre Divertidamente 2 e um produto, serviço ou consultoria.
"O GNAC soltou o comunicado sobre o filme, não é possível".
Incrédulo, Emerson fez o que qualquer funcionário faz quando quer sintonizar a rádio corredor: foi tomar um cafézinho no copo plástico lá na copa.
A porta estava entreaberta, ele não tinha a intenção de ouvir. Mas a conversa parecia ser entre o diretor de RH e a diretora de marketing.
Fingindo mexer na impressora, que fica numa salinha ao lado, ouviu todo o diálogo:
- O rebranding completou três anos e a querida ainda chamando de GNAC. Pode isso?
- E aquela história de 'resgatar o propósito de humanizar e blá blá blá?', é muita falta de noção.
- Quando eu digo que os funcionários mais antigos são sempre os mais resistentes às mudanças, ninguém acredita né?
- Falando em gente nova, quer ver o dossiê que a Sandra, cotada para ficar no lugar da Aline, montou para guardar no prontuário?
- Nossa, dossiê?
- É, pode entrar um processo trabalhista aí, né? Por isso, a orientação é reunir provas.
Nessa hora, o coração de Emerson, que já estava disparado, quase galopou para fora do corpo.
Ele PRECISAVA dar um jeito de ver aquilo. Provas? Pra ele, a única coisa que foi provada foi a miopia do GNAC, mas ninguém admitia precisar de óculo ali.
Agindo meio sem pensar, subiu numa cadeira, de modo que pudesse olhar a copa num ângulo de cima para baixo.
E o que Emerson viu na pasta foi a mesma imagem que sorrateiramente ele conseguiu copiar do drive e usar no post que ele fez em seu pedido de demissão.
Tá tudo aí. Seu último ato sim, prova muita coisa.
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Prontuário da funcionária: Aline Cristina dos Santos
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E se você chegou até aqui, que tal responder a pergunta do momento aí nos comentários?
Que novo sentimento esse texto destravou por aí?
HAHAHAHA
Obrigada por acompanhar minhas loucurinhas semanais. Tenho sentido muito afeto e troca aqui nesse espaço!
Psicologia, Neuropsicologia, Psicologia Econômica, Orientação Vocacional e de Carreira, Desenv Pessoal, Meditação
6 mKkkkkkkk vc é ótima
Head Comercial na Influency.me
6 mO texto me despertou memórias! De ter sido a Aline, feito algo similar, e ter conseguido o mesmo resultado! 😂 Malditos funcionários antigos que não se adequam às mudanças culturais e "estratégicas" do negócio!
Acelere seu marketing com a Quicker Design Outsourcing
6 mGenial como sempre!
Comunicação, Marketing e Eventos / Professor Universitário
6 mPor aqui destravou o sentimento da inveja pelo seu texto. Admiro muito uma escrita boa e criativa. Parabéns pelo seu trabalho!
Especialista em Recursos Humanos
6 mOs seus textos são excelentes e atuais. Parabéns Gabrielle!