O presente corporativo que mudou a minha vida

O presente corporativo que mudou a minha vida

Da sala de reunião eu conseguia ver que havia um presente em cima da minha mesa.

Era uma caixa bem grande, embrulhada em papel colorido.

Seria indelicado sair antes da diretora concluir seus 78 slides?

Abracei o pouco juízo que ainda me restava - chamado amor ao meu salário - e gastei o tempo imaginando o que teria dentro da caixa.

Pra quem nunca ganhou nem panela em bingo beneficente, aquele embrulho volumoso era um baita de um acontecimento.

Reunião encerrada, saí às pressas.

Quanto mais eu me aproximava da minha mesa, mais olhares eu atraia.

Senti meus ombros curvando para dentro, como se eu pudesse reduzir de tamanho até desaparecer. 

Nunca gostei dos holofotes. 

Na escola, eu tinha um trato com a minha dupla: eu fazia o trabalho, ele apresentava. No máximo, eu segurava a cartolina. Era um sucesso!

A poucos passos da minha baia, olhei pro Augusto, com quem divido o gaveteiro. 

"Deixaram esse presentinho aí pra você, colega", ele me disse.

Comecei a desembalar e notei que o pacote era leve. Muito leve. 

E me frustrei ao encarar apenas um envelope branco repousando no fundo da caixa.

Dentro, um cartão com uma breve e enigmática mensagem:

"Você foi selecionada como usuária teste de um novo treinamento da nossa companhia. Aponte seu celular para o QR code e comece agora sua jornada imersiva".

Tomada por uma empolgação juvenil, obedeci.

O QR code me direcionou para a tela de download de um aplicativo chamado O presente.

Concluído o cadastro, uma mensagem pipocou em minha tela.

Missão 1: Discover

Olá, seja muito bem-vinda!

Animada para o seu primeiro desafio? Então, leia com atenção:

"Você é uma profissional espetacular e apresenta excelentes resultados, mas…"

Para receber a mensagem completa, descubra antes quem é o autor.

Você tem 1h para desvendar o seguinte enigma:


Não é ímpar e se acha rei.

Parece de raça, mas é pangaré.

O discurso é bom, mas não para em pé.

Você já sabe quem é?


Que? Calma!

Que brincadeira é essa?

Olhei pros lados pra ver se estava sendo filmada. Aquilo só podia ser pegadinha.

"Augusto, você sabe o que está acontecendo?", perguntei confusa.

"Nada. Projeto secreto do comitê Alpha IV", ele respondeu com outro mistério.

Alpha IV? A coisa era séria e a minha corrida contra o tempo estava só começando.

Que comecem os jogos

Sentei e fiquei ali alguns minutos tentando entender a mensagem.

Quem na empresa é ruim de serviço mas fica se autopromovendo por aí?

Essa pergunta não me ajudou muito. A lista continuava extensa.

Se não é ímpar, só pode ser um par. Tenho 4 pessoas em mente.

Mas apenas uma usa "Harvard Alumni, ex-Google, ex-Apple" em seu perfil profissional. 

Vilela, só pode ser o Vilela.

Abri o aplicativo e inseri o nome dele no campo de resposta.

Confetes virtuais foram lançados. Resposta certa. E agora?

Missão 2: Define

Parabéns! Pronta para mais um enigma?

Na tela, uma foto do Vilela exibindo seus sessenta e oito dentes da cor "Algodão Egípcio"da Suvinil, naquela pose tradicional de executivo de sucesso. 

E então, a frase "Você é uma profissional espetacular e apresenta excelentes resultados, mas…" com as seguintes alternativas como complemento:


A - Falta ownership, accountability e brilho no olhar

B - Não basta botar o ovo, tem que cacarejar

C - Não é respeitada pela equipe

D - Está ficando velha e desatualizada


Mais uma vez, levanto a cabeça e olho para os lados.

Isso não pode ser sério.

Resolvo ir até a mesa do Vilela tirar satisfação, mas é claro que ele não estava lá.

"Sr Vilela está em Comandatuba, num evento. Só volta semana que vem", me disse a secretária.

Comandatuba? Mês passado era Trancoso. Liguei, mas ele não atendeu.

Irritada, decido procurar o rei.

"Oi Miranda, posso entrar?", perguntei já entrando na sala do chefe.

"Claro Gabi, por isso a minha sala não tem porta, lembra?"

Ah, sério? Essa história de novo, Miranda? Pensei.

O BENCH que inspirou o chefe a implementar OPEN SPACE na empresa já tinha feito aniversário de dois anos. Mas ele seguia comunicando como se fosse novidade.

Revirei os olhos e depois sorri sem graça. Acho que ele percebeu.

"Você está sabendo desse novo projeto do comitê Alpha IV?"

"Hum, Alpha IV. Sim, sim o que tem?", respondeu confuso e nitidamente sem saber do que se tratava.

"Esquece. Será que você consegue me ajudar a falar com o Vilela", fui direto ao ponto.

"Claro. Vou mandar uma mensagem pra ele aqui. Feito. Ah, nossa, ele já está digitando. Pediu para você ligar em cinco minutos", concluiu.

Saí da sala, peguei um cafézinho na copa e liguei. Dessa vez atendeu, por que será né?

"Oi Vilela, é sobre o projeto do Alpha IV", disse apressada. E continuei:

"Você pode me dizer qual é a alternativa correta? B? Tem certeza? Calma. Você disse isso? Que eu tenho que CACAREJAR MAIS? Jura? Você pode ser mais específico, Vilela?".

Encerrada a ligação fiquei ali imóvel, tentando entender o que tinha acontecido. 

Ouvi, calada, sequências improváveis de palavras saídas de um diretor sem noção.

Mas eu não tinha muito tempo para me indignar.

Olhei no O presente e faltavam apenas oito minutos para terminar o prazo da missão.

Consumida pela raiva, cliquei na opção B e confetes virtuais foram mais uma vez lançados.

A tela era festiva, mas eu não via motivo algum para tamanho carnaval. Respirei.

Missão 3: Develop

Parabéns!

Agora faltam só mais duas missões para você zerar O presente. 

Reúna pessoas de sua confiança na empresa para, juntas, discutirem três significados possíveis para a seguinte frase:

"Você é uma profissional espetacular e apresenta excelentes resultados, mas não basta botar o ovo, tem que cacarejar"

Você tem duas horas, três blocos de post-its e canetas piloto. Boa sorte.

Não é possível.

Isso é ridículo.

Eu vou lá no RH. Alguém precisa se responsabilizar por essa loucura.

"Oi Jéssica, tudo bem? A Dora está aí?", perguntei para a analista júnior da área.

"Está sim. O assunto é O presente?", a Jéssica questionou.

"Ah, sim. Como você sabe?", indaguei. Para um projeto secreto, até que tinha muita gente envolvida, não?

"Recebemos uma notificação toda vez que um funcionário completa uma missão. A ordem agora é ser data driven e people first", explicou a garota.

Fingi entender só para não perder o foco no que fui fazer ali. Entrei na sala.

"Oi Dora, vocês enlouqueceram? Esse aplicati…", a diretora de RH me interrompeu.

"Fica calma e lembra que ainda é um teste, ok? Vamos chamar outros colegas para você concluir a sua missão?", disse calmamente.

Dora conhecia as regras. E conduziu como ninguém aquela sessão de brainstorming.

"Confia no processo", ela dizia ao notar o meu desconforto em ser o centro das atenções.

Depois de muitos post-its, listamos os três significados mais adequados para a frase cacarejante do Vilela:

  • Eu não sei comunicar os meus resultados de forma clara e abrangente
  • Não frequento eventos e tenho poucos seguidores nas redes sociais
  • Não publiquei e-book ou gravei webinars, e nem participo de podcasts

Olhei para a tela do celular. Faltavam apenas 5 minutos para o fim da missão 3.

Listei os três significados e apertei o botão verde de enviar. Mais confetes.

E eu só queria que aquele pesadelo terminasse logo.

Missão 4: Deliver

Parabéns!

Esta é a última etapa do nosso desafio. 

É hora de prototipar uma nova versão do seu software corporativo. A Executiva 2.0 expira em uma semana e precisamos que você lance o modelo 3.0

Você tem dois dias.

Foram as 48 horas mais longas e difíceis de toda a minha carreira.

---X---

Acordei na sexta-feira com uma mensagem no meu celular.

Parabéns!

Você concluiu todas as missões de O presente com sucesso.

Fiquei orgulhosa. 

Tive dois dias para pensar como me reinventar e oferecer a minha melhor versão para uma empresa que apoia o meu desenvolvimento.

Ainda emocionada pela semana atípica, resolvi ler novamente o texto publicado em minha rede social corporativa, que fez a missão 4 ser dada como concluída com sucesso.

👇👇👇

"Todo feedback é um presente"

Outro dia fui convidada para participar de uma empolgante novidade aqui em nossa empresa.

Foram três dias sendo desafiada a manter um mindset disruptivo, trabalhando em equipe e desenvolvendo novas skills.

Essa experiência me fez concluir que todo feedback é um presente porque:

  • Gera muitos insights
  • Provoca reflexões e oportunidades
  • Abre uma janela para um mundo novo, que precisamos desbravar com coragem.

Levei o processo tão a sério que acabei escrevendo um livro sobre essa experiência.

É com orgulho que anuncio aqui, em primeira mão, o fruto de um trabalho que exigiu de mim muita resiliência, ownership, team building e brilho no olhar. 

O lançamento será mês que vem e pra você, que faz parte da minha rede, tem desconto.

Aproveito para agradecer publicamente às pessoas que me ajudaram nessa conquista: Augusto, Miranda, Jéssica e Dora, meu muito obrigada. 

E um agradecimento ainda mais especial ao Vilela, que me deu o feedback que mudou o curso da minha história. Sem você, nada disso seria possível.

Ah! E semana que vem tem webinar sobre como usar gamification para inovar em processos de feedback, hein? Inscrições no link da bio.

💜

FIM



E você? Também acha que todo feedback é um presente? *rs

Já recebeu um desses, tipo bem presente de grego? Ou tipo caixa de pandora?

Se for publicável, divide aí com a gente nos comentários? =)



Já somos mais de 3k por aqui, acredita?

Tenho recebido mensagens de carinho e incentivo por diferentes canais, e isso tem me enchido de alegria.

Acontece que, por motivos de "férias escolares e mãe enlouquecendo", talvez essa news também saia de férias. Ou não.

Veremos.

;)


Amanda Rodrigues

Comercial & Partner | Desenvolvimento Humano | Empregabilidade de Juventudes | Recrutamento com Diversidade

2 sem

Genial !!!

Ady Leite

Educação Física VBHC Yellow Belt Dr Maximus Octogésimo 🤡

3 sem

Você é inenarrável! Parabéns Atrasado para uma tarefa, mas só fui fazê-la quando acabei seu texto. Já que saiu um livro, aplica pra uma série.

Cristina Schachtitz

Diretora de Comunicação e Marketing | Treinamento de Crise e Imprensa | Posicionamento C-Level | Mentoria

3 sem

Isto aconteceu de verdade com você ou é um roteiro de Black Mirror?

Mirle Ferraz

Gerente de operações de marketing na BIRD | Estratégia, Smartsourcing, Growth para tração de negócios Digitais

3 sem

Todo feedback é um presente. Alguns a gente troca, outros a gente devolve. Os que ficam precisam combinar com as outras peças. Já recebi feedbacks que precisariam ser dados pra pessoa que estava me entregando. Tipo projeção. Já recebi outros que me levaram para meu próximo passo na carreira. No fundo, a gente precisa estar forte suficiente pra saber e conseguir ponderar. E aí, deixando no bolso a carteirinha de fofinha: bobo é quem rasga dinheiro, o restante é tudo gente mal intencionada - ou com interesses unicamente pessoais (sem olhar para o cliente, resultado ou para empresa).

Raquel Roque Magalhães

Mother of 2 | Human Resources | People Partner | EVP | EB | Employee Experience

5 m

Que texto incrivel, parabens pela escrita! Poderia facilmente ser um roteiro do Porta dos Fundos. Mas é real, oficial! ps.: também sou "mãe elouquecendo em férias escolares"!

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