O executivo fake news

O executivo fake news

Aqui o resumo do raciocínio que me levou a concluir que, se a pessoa precisa de um ghost writer para redes sociais, talvez ela devesse reavaliar a decisão de produzir conteúdo.

  1. Quantos conteúdos que circulam aqui são, de fato, produzidos por quem os assina?
  2. O que esse novo comportamento nos conta sobre a batalha travada entre os algoritmos e a autenticidade
  3. Em terra de fake news, quem é de verdade é rei 
  4. O terceiro elemento que nasce em um diálogo
  5. Não quer brincar, não desce pro play 
  6. Quem precisa de um ghost writer para redes sociais deveria reavaliar a decisão de produzir conteúdo

Tem um tempinho aí?

Vem comigo!

--

Outro dia topei com um desses executivos C-level que, DO NADA, virou um produtor de conteúdo frequente aqui na rede. Fiz um breve comentário (ao vivo,) sobre um dos seus posts mas, para a minha surpresa, ele não fazia ideia do que eu estava falando.

Desajeitada, expliquei que eu me referia a um conteúdo que ele mesmo havia postado em suas redes. Quando ele finalmente entendeu, me disse sem cerimônias:

"Tem uma molecada lá na empresa cuidando disso pra mim. Nunca gostei de escrever".

A vida seguiu, mas o questionamento ficou: 

1. Quantos conteúdos que circulam aqui são, de fato, produzidos por quem os assina?

Tem de tudo um pouco, viu?

Time de marketing, assessorias de imprensa, agências de publicidade e muito ghost writer freelancer produzindo posts assinados por executivos.

Ah, e tem também as inteligências artificiais generativas atuando como assistentes de redação, revisoras e/ou focadas em atividades mais específicas como "otimizadora de SEO". 

Tirando a revolução da IA, nada disso é novidade no mundo das palavras.

O ghostwriting, ou seja, o processo de escrita realizado por alguém que entrega o seu trabalho para um outro alguém assumir a autoria existe há séculos, mas se popularizou mesmo no crescimento da indústria editorial. 

Ou você acha que aquele atleta famoso, que dedicou uma vida toda ao esporte, aprendeu da noite para o dia como se escreve um livro de 400 páginas? 

Arrisco dizer, sem muito medo de errar, que a maior parte das autobiografias é escrita por ghost writers. O que se justifica, né? Escrever um livro é algo complexo, demanda não só tempo como técnica.

Eu mesma não saberia nem por onde começar.

Mas e um post? 

Será que terceirizar a produção de conteúdo para redes tem justificativa?

Quando foi que essa prática se espalhou por aqui?

O que me leva ao segundo ponto.

2. O que esse novo comportamento nos conta sobre a batalha travada entre os algoritmos e a autenticidade

Acredito que boa parte dos executivos que recorrem a um ghost writer teria capacidade de produzir seu próprio conteúdo.

Com mais ou menos técnica, escrever algo inteligível com começo, meio e fim é perfeitamente possível para um profissional de dentro dessa bolha.

O problema é ter tempo para escrever com a frequência e com a estratégia adequadas para atender às necessidades da sua majestade, o algoritmo. (Não vou aprofundar muito nisso porque abordei na edição anterior)

Mas é importante ressaltar a sinuca de bico que muitos executivos se encontram. É um dilema mais ou menos assim:

Devo produzir conteúdo do meu jeito e, muito provavelmente, ficar "no limbo" de quem escreve mas não é lido, ou devo terceirizar a minha produção para garantir o alcance, mesmo que não seja tão autêntico?

Bom, a minha opinião está expressa no título a seguir.

3. Em terra de fake news, quem é de verdade é rei 

O que seria então esse monte de posts produzidos em nome de um executivo se ele, em pessoa, não tem tempo de produzi-los?

Eu chamaria de fake-news.

Porque se essa vibe de postador-storyteller-lifelong-learner não é genuína, por que raios atrelar essa imagem de influencer a um profissional?

Uma influenciadora de beleza, por exemplo, consegue sustentar uma versão "editada" de si mesma em suas redes porque seu trabalho é produzir conteúdo digital. Esse é o seu ganha pão e as pessoas que "compram" essa imagem não conseguem, necessariamente, atestar a sua veracidade.

No mundo corporativo não é assim. 

Esses executivos têm equipes, chefes, colegas de trabalho, frequentam reuniões, vão a eventos.

Dezenas, senão centenas de pessoas, podem verificar PESSOALMENTE todos os dias se eles se comportam na vida real do jeito que eles são apresentados nas redes.

Resultado? 

A falta de consistência entre o que se diz e o que se faz, ou o tal do "walk the talk" como chamamos aqui na esfera-corp, é celebrada com festa pela rádio corredor. Porque aí o assunto rende, né?

Se a decisão é tomada de forma consciente, onde o risco de soar fake é compensado pelo retorno trazido pela popularidade do executivo, ok.

É discutível, mas eu entendo a lógica.

O problema é que, na minha visão, a maioria nem se atentou a esses riscos de imagem. Tem muita gente por aí produzindo conteúdo porque alguém disse que tinha que ser feito.

E se essa questão da autenticidade não te parece um problema, deixa então eu dar um exemplo prático.

4. O terceiro elemento que nasce em um diálogo

Recentemente num almoço com um colega, ele me colocou a seguinte situação, que eu convido você a imaginar também:

Seu telefone tocou. Você estranha, porque no visor aparece o nome de um amigo muito querido mas que há anos você não fala. Mesmo na correria, você resolve atender. Vocês começam a conversar, relembram o passado e você perde a noção do tempo. Duas horas, depois de muitas risadas e memórias boas, a ligação termina. Você fica surpreso, grato e muito feliz por ter atendido àquela chamada.

Certo. Imaginou? 

Agora vem o plot twist.

No dia seguinte, você descobre que foi selecionado para uma experimento de uma nova tecnologia que mistura tudo o que há de mais avançado: inteligência artificial generativa com deepfake e outras coisas que você nem sabe nomear. A verdade é que aquela ligação, que fez você se sentir tão bem, foi realizada por uma máquina, que conseguiu se passar por esse seu velho amigo. Sim, a mesma voz, lembranças reais (documentadas nas redes sociais de vocês, é claro), mas do outro lado não havia ninguém. Não era o Rodrigo, nem o Marcelo. Era só uma capacidade computacional que você jamais imaginou ser possível.

E aí? Como você se sente? 

Os sentimentos positivos permanecem? Ou novas sensações tomam conta de você?

Quando me projetei nessa situação, a pior coisa foi ter a certeza de que aquela conversa, que na minha imaginação havia sido tão significativa pra mim, não foi significativa para o outro.

Aquele amigo não investiu duas horas do seu dia para se conectar comigo, como eu tinha fantasiado. Então, o meu sentimento sobre o papo mudou radicalmente porque...

O valor de uma conversa está no conteúdo que surge a partir da troca entre duas pessoas. Não é sobre quem fala, nem sobre quem ouve. É sobre um terceiro elemento que nasce a partir do encontro e do desencontro de ideias.

Para que nasça esse terceiro elemento, é preciso que ambos estejam empenhados nesse trabalho de parto que envolve argumento, contra argumento, réplica, tréplica etc.

Até que alguém ceda. Ou canse. Ou siga a vida com as suas convicções intactas. O resultado, na verdade, pouco importa. O que vale é a construção de vínculo que a boa conversa é capaz de produzir. 

E se não está promovendo conexão, não é conversa. É comunicado, com via de mão única.

Aí eu volto para o nosso tema central.

O problema da ghost-writização dos posts é que esse movimento resulta num amontoado de informação, onde muita coisa é comunicada mas pouca coisa faz sentido.

Curioso pensar na expressão "fazer sentido" nesse contexto, né? Eu não entendo de etimologia, mas fui atravessada pelo seguinte pensamento:

Querer saber se fez sentido para o outro é como questionar se o que foi revelado fez o outro sentir algo. 

E se fui longe demais com essa ideia, podemos nos limitar a pensar que fazer sentido é algo que a gente se preocupa quando quer ser compreendido por uma outra pessoa.

Ou seja, se você ouvir por aí alguém perguntando a uma formiga ou a um robô se a conversa fez sentido pra eles, atenção. Essa pessoa não está bem. 

O que me leva para o próximo ponto.

5. Quem não quer brincar, não desce pro play 

Promover conversas significativas dá trabalho.

Promover conversas significativas nas redes, que são efêmeras e povoadas por justiceiros, donos da razão e do poder do cancelamento, dá mais trabalho ainda.

Se o executivo não está pronto para esse tipo de conversa, não deveria descer pro play.

E assim chegamos a ideia que fecha esse texto, mas certamente não esgota a conversa.

6. Quem precisa de um ghost writer para redes sociais deveria reavaliar a decisão de produzir conteúdo

Espero que meus colegas jornalistas, que prestam serviço como ghost, não fiquem furiosos comigo.

Mas eu realmente acredito que se o executivo não tem tempo e nem talento para escrever, ele não deveria ser cobrado para se posicionar em redes que demandam esses recursos. 

Acho desonesto construir uma imagem de comunicador para um executivo que não prioriza esse papel em sua rotina de trabalho. 

A não ser, como eu disse acima, que essa decisão tenha sido tomada de forma consciente. Intencionalidade importa. Mesmo que eu não concorde com algumas premissas, admiro quem decide com lucidez e honestidade.

Eu não sei você, mas quando eu desconfio que o conteúdo é fake, minha pequena revolução é ignorá-lo, mas não sem antes pensar que:

Não comunicar também é uma escolha que comunica algo. E, muitas vezes, o silêncio pode fazer mais pela imagem de alguém do que um amontoado de palavras sem alma e sem sentido.

E chego até o final, como? 

Pensando se eu mesma não deveria ter ficado calada.

E você?

O que pensa sobre isso?

Que tal me ajudar a transformar esse monólogo em diálogo? ;)


Patricia Riccelli Galante de Sá

Head Marketing & Comunicação - Branding e Reputação | Sustentabilidade, Regeneração e ESG | Brand Analytics | Mercado da Longevidade

1 m

Gabrielle Teco gostei muito do seu texto e tudo que ele traz de reflexões super pertinentes. Acho que a moral da história é que se não é verdade, não faça. Se a pessoa não pensa daquele jeito, não sabe ou gosta de escrever, tem medo de se expor, então não tem autenticidade e portanto não deveria acontecer. A empresa vai encontrar outra forma de trabalhar o seu marketing que não passe pela invenção de narrativas e Avatares dos seus principais executivos.

Luiz Serafim

Diretor World Creativity Day | TEDx Speaker | Palestrante de Criatividade, Inovação, Paternidade e Liderança | Consultor e Advisor de Inovação e Marketing | Pai Ativo e Atípico (Gab) | Autor do Livro O Poder da Inovação

7 m

Que bom ter lhe escutado por meio do amigo Marcelo Paes Concordo plenamente. Eu gero conteúdos há muitos anos… e sempre coloquei como critério algo autentico, que vivi, ou pelo menos refleti, estudei, experienciei por algum minuto que seja… e com outra pergunta: o mundo precisa de mais um conteúdo falando a mesma coisa, repetindo a ladainha que já foi repostada mil vezes? Sigo firme no propósito, mesmo que seja o caminho árduo… Adorei sua provocação!!!

Rosana Lima Zanini

Diretora Jurídica e Compliance - Governance Officer

8 m

Perfeito!

Juliana Burza 🚀

Hub de Inovação | Open Innovation | Cultura Digital | Intraempreendedorismo | Estratégia | Transformação Digital | Experimentação

8 m

Gabrielle Teco só li verdades! Já fui ghost-writer e o executivo foi abordado num evento recebendo mil elogios pelo "ótimo texto que postou essa semana, conta mais" e ele NEM tinha lido, quanto mais soube comentar.. rsrs Hoje não faço mais esse papel. Prefiro aproveitar minha skill de redatora para meus próprios textos, enquanto muitos copiam e colam de chats-GPT e afins. Continue escrevendo esse conteúdo incrível ❤️

Clara Corrêa

Customer Service | Desenvolvimento de Novos Negócios | Planejamento Estratégico | B2B | B2C

8 m

Nossa, super concordo. Estamos terceirizando o que há de mais relevante em nós, a escrita , o conteúdo, logo não pensamos mais …

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