Gato escondido com o rabo de fora
Abriu a porta do armário, não para tirar a bola como costumava fazer, mas para entrar e se aconchegar no escuro, em posição fetal. Quando, um punhado de segundos depois, eu abria a porta, incandescia-se-lhe o rosto num sorriso luminoso.
Depois de repetir vezes sem conta estes movimentos pendulares de esconder-se/ser encontrado/ esconder-se/ser encontrado, o Francisco perguntou-me se tinha filhos, primeiro; onde vivia, depois, e, por fim, se recebia outros meninos. Expliquei-lhe que vivia suficientemente perto para estar sempre à espera dele na nossa hora; e que podiam vir todos os meninos do mundo que aquela continuaria, sempre, a ser a sua hora. Só sua! Não satisfeito, continua:
F: Ai é? E se bater à porta o Presidente da República?
JS: Paciência, vai ter de esperar, que na hora do Francisco ninguém entra. Nem o Presidente da República, nem ninguém.
F: Ai, é? E se for o Papa?
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JS: Paciência, vai ter de esperar, que na hora do Francisco ninguém entra. Nem o Papa, nem o Presidente da República, nem ninguém . Incandesce-se-lhe o rosto, num sorriso luminoso.
Talvez seja sempre um bocadinho assim. Talvez precisemos todos – crianças e adultos – de quando em vez, de nos escondermos para nos protegermos, mas sobretudo para nos assegurarmos que o outro (significativo) é capaz de nos encontrar. Talvez seja sempre um bocadinho assim.
Talvez precisemos todos – crianças e adultos - de espaços de exclusividade junto do outro (significativo), para nos encontrarmos com a segurança e a audácia de explorar o mundo (lá fora, e dentro de nós).
Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente), como não poderia deixar de ser, este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais - está muito longe de corresponder a uma descrição literal.