Há restauração ecológica sem competição e facilitação no seu processo?
A facilitação é uma interação ecológica em que uma espécie causa um efeito positivo em outra. Em comunidades vegetais, a facilitação ocorre quando uma planta altera as condições do meio, tornando-o mais favorável para outros indivíduos. Por outro lado, a competição é o efeito contrário à facilitação, onde uma planta pode prejudicar outra, seja ocupando um nicho ecológico ou liberando substâncias no solo que limitam ou atrapalham o crescimento das plântulas ou plantas vizinhas. Quando ainda recém-germinadas e em forma de plântula, esses jovens vegetais são muito vulneráveis à herbivoria, dessecação e competição com outras plantas. Trouxe essa breve introdução para pensarmos na restauração ecológica com semeadura direta (floresta de sementes) a partir dos conceitos de facilitação e competição.
Ao realizar uma semeadura direta, seja em área total ou em covas individualizadas, há um princípio básico de que precisamos de uma alta densidade de sementes. Sabendo que todos os ecossistemas apresentam facilitação e competição, a semeadura direta não está livre dessas interações ecológicas. Por essa razão, há o uso de um volume tão grande de sementes na semeadura direta. Portanto, haverá sim, dentro de um projeto de semeadura direta, essas interações ecológicas, e não há por que se preocupar, pois é desejável desde o princípio de um novo ecossistema em formação, onde o meio selecionará os indivíduos mais bem adaptados a essas condições, e não a mão humana. Lembremos do livro "A Origem das Espécies" de Charles Darwin.
Tenho notado que alguns profissionais ainda apresentam resistência à semeadura direta, pois estão mais preocupados com o indivíduo (muda) do que em estabelecer um novo ecossistema. Isso ocorre porque são profissionais de excelência na silvicultura, que se baseia no princípio de que cada indivíduo plantado precisa expressar seu máximo potencial de crescimento. Esse princípio faz todo o sentido quando minha floresta precisa atender uma demanda, seja de uma fábrica de celulose, uma serraria ou uma caldeira. Se for este o princípio proposto, estamos falando de silvicultura de nativas e não de restauração ecológica. Por isso, não faz sentido olhar para a floresta de sementes com um olhar de silvicultor, pois nossa demanda é iniciar uma floresta ou cerrado, e esses são comunidades vegetais, nas quais sempre haverá facilitação ou competição.
Se você realizar sua semeadura direta em covas, não há por que se preocupar em ralear as mudas nascidas. Por exemplo, se um jatobá e um tamboril estiverem crescendo na mesma cova, não importa se eles vão se facilitar ou competir, se um vai sucumbir ao outro ou se ambos permanecerão lá. Preocupe-se com o calendário de manutenções, eventos climáticos extremos e mão de obra qualificada para estabelecer essa comunidade inicial. Dessa forma, o que importa é o todo, ou seja, a comunidade vegetal e não cada indivíduo. Temos que cuidar da nossa área em restauração para que o caminho que a restauração irá percorrer, ou mesmo a direção que vai tomar, seja o início de uma comunidade vegetal e não o declínio, como por exemplo, o retorno de um pasto ou mesmo um bosque de árvores com um grande vazio por dentro.
O fato de uma muda crescer livre de competição não implicará necessariamente em um fenótipo de alto vigor e crescimento, até porque o fenótipo resulta da interação entre a genética do indivíduo e o meio em que ele se desenvolve. Mudas de espécies nativas para restauração ecológica não passam por melhoramento genético e, se passarem, novamente estamos falando de silvicultura de nativas e não de restauração ecológica.
Você pode estar se perguntando: "Mas plantar mudas nativas não pode desencadear os processos de restauração ecológica?" Claro que pode! Mas a que custo? Quem quer pagar uma conta de R$ 25.000,00 a R$ 50.000,00 por hectare?
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Por fim, sempre que vejo esta discussão, lembro-me do saudoso cantor e compositor Tom Jobim, do qual sou fã desde criança por influência dos meus pais, que tem uma música com uma passagem que diz assim: "deixe o mato crescer em paz, deixe o mato crescer..."
Paolo Sartorelli, é engenheiro florestal na Baobá Florestal e há 14 anos trabalha com semeadura direta com o método da floresta de sementes.
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Coordenadora de Projetos | Restauração Florestal | Projetos Carbono REDD+ e ARR | Metodologia VERRA VCS e CCB | Mudanças Climáticas | ESG |
7 mExcelente ponto, Paolo! A cada dia, a Semeadura Direta prova ser uma técnica escalável, economicamente viável e suportada por avanços tecnológicos. É fundamental que elevemos a seriedade e a excelência da semeadura direta não apenas através de artigos técnicos, mas principalmente por meio de estudos técnico-científicos-práticos, como a Baobá Florestal tem demonstrado. Além disso, vejo uma necessidade urgente de implementar inovações tecnológicas em todas as práticas de restauração. Isso inclui não apenas a Semeadura Direta, que já demonstra cumprir os indicadores de cobertura e diversidade exigidos pela legislação, mas também outras metodologias como plantio de mudas, nucleação, sistemas agroflorestais, condução da regeneração. Através deste artigo e de demais resultados, estou plenamente convencida de que, quando adotado com seriedade e adaptado às condições específicas de cada terreno, o método de semeadura direta desempenha esse papel de maneira incontestável. Espero que, com a crescente relevância do tema, possamos contar com mais recursos, avanços e interesse, além de uma perspectiva mais ampla que transcenda as práticas silviculturais tradicionais e a forma de pensamento único de "plantio de mudas".
Bióloga | Técnica de Campo - NewFor (Esalq USP) | Restauração e Geoprocessamento
7 mBoa reflexão do tema!
Consultor Florestal
7 mLegal... agora uma pergunta: quando você faz a semeadura direta, como é este processo? Você usa muvuca ou sementes da mesma espécie? Você faz cova o faz a escarificação do solo para semear? Como isso acontece no seu processo? Gostei do artigo! Na realidade este processo de recuperação e restauração de florestas ainda vai demandar um monte de pesquisas se for levado a sério. Nós estamos preocupados com custos, e realmente para se restaurar uma floresta com diversidade é muito caro, então os métodos atuais visam mais a redução de custos do que a cópia da floresta original. Isso vai ser uma eterno conflito quando se falar em restauração. Vai ter sempre aqueles que vão defender custos e haverão aqueles que defenderão a restauração mantendo-se um devido padrão de diversidade e práticas silviculturais.