“Icebergs viram..." e trazem à tona tudo o que estava escondido”
Por Stella Dapuzzo
Escutei essa frase em uma série de tv. Até então, para mim, icebergs eram estruturas sólidas, com uma base submersa enorme e uma pequena parte aparente. Virar? Impossível.
A frase no entanto não saiu da minha cabeça. Como estudiosa e admiradora do inconsciente e do desconhecido e entusiasta do autoconhecimento, adorei a idéia! Comecei a imaginar icebergs virando. Transformando cenários. Trazendo à tona o que não conhecemos. Derrubando verdades cristalizadas. Modificando estruturas, cores, formas e caminhos. Que linda metáfora!
Recorri a internet. Li sobre os icebergs. E descobri muita coisa interessante. Cerca de 10% de um iceberg, apenas, fica fora d’água. A sua maior parte fica submersa. Como que invisível para nós, se formos simplistas na nossa observação e considerarmos como “iceberg” o que ele nos mostra e podemos ver. Sua ponta aparente.
Exatamente como nós. O que usualmente vemos e mostramos uns aos outros são esses 10%. Nossa maior parte fica submersa. Não na água. Mas em máscaras, defesas e crenças. Sob essa ótica é fácil entender as surpresas positivas e as decepções que temos conosco e com os outros no dia a dia.
“Como que fulano, espiritualizado, integro, bonito por dentro e por fora, autêntico, foi capaz de se mostrar tão egoísta, tirano, falso e medroso?”
“Não acredito que beltrano, tão superficial, autocentrado e manipulador foi capaz de uma atitude tão nobre!”
“Cicrana é uma pessoa equilibrada e doce. Como fez isso?”
A ponta do iceberg não é o iceberg. Não é nem mesmo uma parte considerável dele. Da mesma forma, o que mostramos de nós mesmos, no dia a dia, a forma como nos relacionamos, não diz muito a nosso respeito.
Temos uma enorme estrutura de experiências. Grande parte já inconsciente. Que cria outra enorme estrutura de crenças. Em sua maior parte também desconhecidas por nós. E é essa estrutura que sustenta aquela pontinha aparente do nosso iceberg.
Muitas vezes achamos a parte aparente linda. Alva como a neve. Sólida. Só que a enorme base escondida pode ser diferente. Densa, escura, abrigar fósseis e coisas que nem imaginamos. Ou cristalina. Transparente. Mais bela ainda. Como saber?
A vida é feita de relacionamentos. Diferentes formas e níveis de relacionamentos. Se colocarmos a base de dois icebergs, uma ao lado da outra, veremos suas pontas se distanciarem. Assim acontece conosco.
Quem não busca o autoconhecimento durante toda a vida, vai cristalizando suas crenças. Se tornando cada vez mais rígido e pouco fluido. Naquilo que desconhece sobre si. Cada vez menos capaz, portanto, de um movimento qualquer, que permita algum ajuste ao outro. Consegue, sim, alguma proximidade, no mesmo formato dos icebergs sólidos, rígidos e sem movimento. Peculiar. Superficial. Pontas aparentes à enorme distância uma da outra.
Quando os relacionamentos acontecem entre pessoas que se questionam e buscam, desde cedo, o autoconhecimento, diferentes icebergs menos densos e com algum movimento são capazes de flutuar lado a lado, na imensidão dos oceanos, sem colisões graves. Permitem os movimentos e ajustes que a proximidade com outro iceberg provocam. Acomodam, com o movimento necessário, as pequenas e inevitáveis colisões. Se ajustam. Como que numa linda dança.
Seja observador e cauteloso em todos os seus relacionamentos na vida. Profissionais e pessoais. Mas para ser observador de verdade é preciso ousar mergulhar. A ponta aparente não dá nenhuma pista sobre a base. Flutuar superficialmente à volta da ponta aparente, como se isso fosse mostrar algo e/ou dar garantias de que o risco do mergulho vale a pena, é pura ilusão. O processo é inverso. É a base submersa que vai dizer o quanto você pode e deve se aproximar e/ou se afastar. Não por julgamento de valor. Mas por possibilidades reais de movimento e adequação.
Observe a base do iceberg do outro. Parece a ponto de permitir movimentos e rotações? Ou é densa, sólida, como que enraizada em sua forma e posição? O encontro de um iceberg “enraizado” e rígido, com um que já se permita movimentos e rotações, vai jogar o segundo longe. Causar rachaduras e movimentos radicais. O estrago pode ser grande. Como se conserta um iceberg rachado? Algumas partes podem se perder para sempre.
A grande surpresa que tive, nas minhas “pesquisas” sobre os icebergs, é que a parte submersa, que não vemos, quando vira e fica aparente, é infinitamente mais bonita que a pequena parte conhecida.
Que sábia é a natureza! Quanta similaridade com os processos humanos! Icebergs viram quando se desprendem de geleiras maiores ou quando tempestades e outros fenômenos naturais muito fortes ocorrem.
A parte anteriormente visível – branca - porque feita de neve comprimida, que reflete todas as frequências de luz visível, é substituída por um enorme bloco de gelo azul – porque em combinação com o mar. A luz, agora, antes de ser refletida, atravessa o enorme bloco transparente de gelo.
Que tenhamos coragem de mergulhar, cada vez mais vezes e sem perder tempo, em todas as nossas relações – profissionais e pessoais. Porque a certeza que temos é de não ter controle algum sobre as tempestades. Elas inevitavelmente chegam. E é muito mais gostoso mergulhar num mar calmo e tranquilo do que em um mar revolto.
Somente mergulhando nossa base fica à mostra. E somente à mostra é capaz de receber luz direta e atingir seu brilho máximo. Somente mergulhando podemos ter alguma visão da base e potencial de luz do outro. E decidir então, com sabedoria, como agir.
Se a coragem faltar, que tenhamos o merecimento de ver de perto um iceberg recém desprendido de uma grande geleira. Virando generosamente próximo à nós. Brilhando. E que esse brilho nos contagie e preencha da coragem necessária.
e-Start Human & Business Development Director
7 aCarla Hartmann