A importância de se estabelecer critérios de “Valuation” nas Sociedades Limitadas

A importância de se estabelecer critérios de “Valuation” nas Sociedades Limitadas

Assim como todo relacionamento, desentendimentos, desgastes e diferentes visões de mundo podem também colocar um fim na vontade dos sócios de continuarem empreendendo juntos. Isso pode acontecer de várias formas e por vários motivos em uma sociedade limitada. 

Embora algumas parcerias sejam duradouras e pacíficas ao longo da vida, é certo que uma hora ou outra a sociedade sofrerá alterações em seu quadro societário. Você sabe como as quotas de sua empresa serão avaliadas nessas hipóteses?

Como é feita a valuation de uma empresa

O primeiro ponto que você deve saber é que muito possivelmente, caso não sejam tomadas providências, a legislação não irá tratar de forma satisfatória a avaliação (“valuation”) de sua empresa (e consequentemente das quotas) e nem a forma de pagamento. 

Nossa forte recomendação é que você tome a iniciativa e se acautele, pois o Código Civil só irá tratar da avaliação de sua empresa caso você mesmo não o faça. Conforme veremos nesse artigo, eventual falta de tratamento acerca do tema pelos sócios pode gerar prejuízos severos, tanto para empresa como para o sócio. 

Fato é que no âmbito da sociedade limitada, comumente marcada por um forte aspecto pessoal, não há maiores dificuldades do sócio se retirar. É isso mesmo, amanhã você pode ser surpreendido com a notificação de um de seus sócios informando que está saindo da sociedade sem sequer ser necessário explicar o motivo. Nesse sentido, vale mencionar o artigo 1.029 do Código Civil que dispõe que

 “qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias”. 

Inclusive, caso não haja disposição em outro sentido, o pagamento ao sócio que quer se retirar da sociedade deverá ser realizado em dinheiro e no prazo de 90 dias a contar da efetiva liquidação, conforme o §2º do art. 1.031 do Código Civil, o que pode se mostrar excessivamente oneroso para a empresa.

Não é comum as pessoas chegarem em um valor de forma absolutamente harmônica, notadamente na ausência de critérios preestabelecidos. Inclusive essa é uma situação muito delicada, pois uma parte é obrigada a pagar pelas quotas, mas certamente vai querer pagar o mínimo possível, enquanto o sócio retirante vai querer receber o melhor valor, tornando o terreno propício para o conflito de interesses e consequente desalinhamento.

Pois bem, supondo que as partes tentaram negociar e não conseguiram chegar em um consenso acerca de qual seria o valor justo a ser pago pelas quotas, como isso deve ser resolvido? 

De fato, o Código Civil no artigo 1031 trata da situação ao estabelecer que, salvo disposição em contrário, a valoração da quota será feita com “base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado”.

Seria esse valor, conhecido como valor patrimonial da quota, justo? Entendemos que muito provavelmente não, no tópico seguinte tentaremos explicar melhor como se costuma avaliar uma quota.

Como avaliar o valor da quota de uma empresa limitada

Conquanto o Código Civil faça muitas menções ao capital social e patrimônio social, importante registrar que o valor e saúde de determinada sociedade empresária está mais atrelada à sua capacidade de gerar riqueza do que seu patrimônio atual. 

Assim, fica o questionamento acerca de como mensurar um valor racional que se justifica pagar para a aquisição de determinada participação societária, uma vez que o Código Civil não oferece um direcionamento assertivo.

De fato, a tarefa não é das mais fáceis, uma vez que o valor da quota, assim como no caso de qualquer mercadoria, decorre de uma relação social, não possuindo um valor intrínseco em si, de modo que a avaliação irá variar conforme objetivos e critérios adotados. 

Nesse sentido, não há um método que seja capaz de determinar o valor exato e inquestionável de uma empresa. O que se busca, por meio da aplicação de um ou vários métodos e critérios, é se estimar um valor equilibrado. 

Há pelo menos quatro valores que podem ser atribuídos às quotas das sociedades limitadas:  

  • O primeiro deles é o valor nominal, que é o resultado da divisão do capital social pelo número de quotas. Ocorre que o valor nominal é de pouca valia para se verificar um valor racional das quotas, ou seja, não guarda relação com o preço esperado que determinada pessoa pagaria pela participação societária.
  • O segundo valor, de negociação, decorre daquele que resulta do acordo de vontades entre comprador e vendedor. Aqui o valor não é calculado, ele é negociado, ou seja, as partes não adotam um modelo ou padrão técnico, elas simplesmente encontram um denominador comum frente aos seus interesses particulares.
  • O terceiro valor, patrimonial, consiste na divisão do patrimônio líquido da sociedade pelo seu número de quotas. Ao contrário do valor nominal e negocial, para se mensurar o valor patrimonial de determinada quota é preciso levantar um balanço para se apurar o valor do patrimônio líquido da sociedade, trabalho que exige a observância de normas contábeis e a correta avaliação dos ativos e passivos da sociedade empresária. Inclusive, conforme vimos, é esta a sistemática de apuração adotada pelo Código Civil, em seu art. 1.031, quando da resolução da sociedade em relação a um sócio, caso as partes não tenham estipulado algo diferente. Lembrando que essa situação pode ocorrer não só quando um dos sócios se retirar, mas também quando houver falecimento e exclusão.
  • E o quarto valor, econômico, resulta da avaliação por parte de especialistas que mensuram o valor, por meio de métodos consolidados, que seria racional alguém pagar para ser titular de determinada quota. Normalmente tal mensuração costuma ocorrer por modelos de múltiplos ou de fluxo de caixa descontado. 

Em fusões e aquisições, o valor de uma empresa limitada geralmente utiliza o valor econômico das quotas, sobre o qual veremos mais a seguir.     

Métodos mais utilizados para mensuração do valor econômico de quotas:

  • O método de múltiplos é baseado no resultado econômico originado das demonstrações do resultado do exercício (DRE) e do balanço patrimonial, sendo estes os múltiplos mais utilizados pelos analistas de mercado:      Múltiplos de Lucro, Múltiplos do EBITDA e Múltiplos de Valor Patrimonial. 
  • Já o método do fluxo de caixa descontado determina o valor da empresa fundamentando-se no conceito de valor presente, considerando que o valor de um ativo está ligado à sua capacidade de gerar benefícios futuros.

Ao contrário do valor patrimonial, o valor econômico considera muito mais a capacidade de geração de riqueza futura, se envolvendo com outros fatores que não a mera divisão do patrimônio líquido da sociedade pelo número de quotas desta. Inclusive é justamente esse o ponto que mais diferencia os dois métodos de valoração das quotas. 

No caso do valor econômico da quota, o especialista olha para o futuro da sociedade, enquanto o contador, ao calcular o valor patrimonial da quota da sociedade leva em conta o passado e o presente para apresentar o balanço. 

Enquanto o valor patrimonial leva em consideração os investimentos feitos, o valor econômico leva em consideração as perspectivas futuras de rentabilidade, de modo que é pouquíssimo provável que tais valores sejam iguais ou muito parecidos.

Ocorre que apurar o valor econômico de determinada quota é tarefa complexa, técnica e sensível, pois exige diversos conhecimentos sobre economia e finanças, além do próprio bom senso dos envolvidos. Assaf Neto (2010) se manifesta no mesmo sentido de que a definição do valor de uma sociedade empresária é atividade complexa que exige coerência e rigor conceitual na formulação do método de cálculo. 

Para muitos o processo de avaliação de sociedades empresariais pode ser compreendido como uma combinação de ciência e arte, considerando a utilização de experiências práticas, teorias acadêmicas e bom senso empresarial.

Em razão dessa sensibilidade e complexidades, o valor econômico de determinada participação societária não pode ser apreendido como uma “ciência exata” e nem apreendido como muito objetivo, pois nenhum modelo fornece um valor preciso, único e imutável para uma sociedade empresária e sim uma estimativa de valor. 

Todavia, é justamente essa complexibilidade e sensibilidade que permitem alcançar o valor aproximado de determinada participação societária, sendo certo que o modelo de avaliação de sociedades empresárias por meio de múltiplos e fluxo de caixa descontado são muito bem aceitos pelo mercado, justamente por evidenciar o racional que embasa o preço.

Ainda sobre valor econômico da quota, é preciso ter em mente que, para se apreender a real dimensão do benefício econômico que será proporcionado por determinada participação societária, bem como para verificar a real saúde financeira de determinada sociedade, não basta se envolver com as demonstrações contábeis passadas, é preciso que haja um envolvimento também com as projeções de resultado do negócio e seus riscos. 

Nessa ordem de ideias, de ampliação do espectro da valoração de determinada participação societária e adequada verificação de saúde financeira e perspectivas de determinada sociedade, é importante que sejam consideradas projeções razoáveis de resultado que provavelmente ocorrerão nos próximos anos, no presente.

Havendo essa dimensão prospectiva da participação societária e necessidade de trazer um valor para a data do negócio, cumpre fazer menção ao método do fluxo de caixa descontado, muito utilizado para embasar o valor de ações quando de fusões e aquisições. 

Tal método parte da premissa de que o valor de uma sociedade pode ser alcançado por meio do valor presente dos seus fluxos de caixa projetados, descontados por uma taxa de risco que reflita o custo de oportunidade do negócio.

Assim, a avaliação da sociedade empresária pelo fluxo de caixa descontado tem como uma de suas premissas avaliar não somente os ativos presentes, mas projetá-los de forma futura, avaliando os retornos que estes são capazes de gerar. Ao se avaliar a participação societária de sociedade em continuidade, a mera consideração dos ativos existentes, embora lógico, acaba por desconsiderar os fluxos esperados, daí decorre a boa aceitação do fluxo de caixa descontado que leva em conta não só os rendimentos dos ativos já existentes, mas também os que virão a existir.

O grande objetivo do método do fluxo de caixa descontado é o de analisar se os investimentos a serem realizados serão capazes de gerar e agregar valor aos seus investidores, não se atendo somente ao valor patrimonial e lucro da sociedade, mas sim a sua capacidade de gerar lucros futuros, representados através da projeção dos fluxos de caixa e de sua perpetuidade.

O processo de avaliação da sociedade empresária tem como um de seus principais objetivos alcançar o valor justo de mercado da participação societária, sendo      este, tão somente uma estimativa equilibrada. A busca do método mais adequado para avaliar e mensurar o valor de uma organização tem sido alvo de muitas discussões e desafios por parte investidores, profissionais e acadêmicos, em virtude de suas particularidades, meios de aplicação e resultados encontrados.

Dessas considerações relativas à avaliação do valor econômico da sociedade empresária, constata-se que seria razoável considerar suas projeções futuras, pois uma sociedade empresária pode ter perspectivas boas a médio e longo prazo, conquanto seu resultado de momento não seja satisfatório. A ideia é que o valor de uma empresa decorre também de sua capacidade de gerar benefícios de caixa no futuro, das expectativas de crescimento e do risco associado aos resultados de caixa. 

Ou seja, da mesma forma que o valor da quota pode ser patrimonial ou econômico, sendo o último o que costuma balizar operações de fusões e aquisições, a constatação da saúde financeira de determinada sociedade, pode, ou melhor, deve levar em conta as prospecções futuras de geração de riqueza com seus respectivos riscos.

Como criar critérios de valoração de quotas e preparar sua empresa para possíveis mudanças no quadro societário

Partindo da premissa que o valor patrimonial da quota não é o mais adequado e que o valor econômico pode parecer demasiadamente complexo, o que fazer para melhorar a situação?

O primeiro passo é verificar porque o valor patrimonial da quota não se mostrou razoável. Por exemplo, se for feito um balanço patrimonial de uma empresa prestadora de serviço que não possui muitos ativos, certamente o valor patrimonial não terá referibilidade alguma com o que de fato faz sentido alguém pagar pelas quotas. 

Ou seja, se você fez esse exercício mental e constatou que o valor patrimonial da sua empresa, e consequentemente de suas quotas, não guarda qualquer referibilidade com o valor que faz sentido alguém pagar por elas, isso significa que em caso de saída de algum sócio vocês não possuem qualquer base legal para chegar em valor minimamente equilibrado, a esperança acaba residindo na boa vontade dos envolvidos.

Talvez você tenha ficado hesitante com a complexidade do valor econômico das quotas ou mesmo com resistência em tomar providências para implementar critérios de avaliação, mas saiba que há soluções consideravelmente simples que trazem maior segurança e justiça para os envolvidos. Ademais, o simples fato de estabelecer as “regras do jogo” já reduz em muito a probabilidade de haver impasses, sobretudo porque as expectativas são sedimentadas, o que acaba reduzindo o espaço para grandes surpresas.

A apuração do valor econômico das quotas de fato é algo muito subjetivo, o que torna difícil precisar exatamente o seu valor, podendo chegar parecer uma meta impossível, pois uma quota não tem um valor intrínseco e nem uma fungibilidade plena com outra quota, embora possa haver fortes semelhanças. 

Por outro lado, como atingir o valor preciso é algo abstrato, temos que o objetivo deve ser encontrar um valor razoável e equilibrado que pode até não ser perfeito, mas certamente será melhor do que deixar o Código Civil impor o valor patrimonial, ou mesmo um terceiro julgador aplicar um critério duvidoso, após anos de litígio.

A previsibilidade traz segurança, paz e celeridade para os envolvidos. Dessa maneira, cabe aos sócios se antecipar e criar uma engrenagem e forma de pagamento que, dentro da realidade do negócio e complexidade desejada, atenda à finalidade.

Conquanto o estabelecimento do critério de avaliação da empresa seja algo que exige prudência, conhecimento do negócio e bom senso, sua implementação pode se dar por meio da celebração de acordo de sócios que passará a reger como funcionará a retirada do sócio, indenização para herdeiros em caso de falecimento de um dos sócios ou mesmo exclusão de algum dos sócios.

Ademais, como a legislação aplicável é muito defasada, pois o valor patrimonial raramente é um valor justo para se pagar pelas quotas, os próprios sócios, com um pouco de bom senso e assessoria técnica, até mesmo por terem conhecimento de seu negócio, muito possivelmente terão condições de criar um critério de valuation muito mais assertivo do que o patrimonial previsto no Código Civil.

Conclusão

Conforme abordamos, não há qualquer dificuldade para um sócio se retirar de uma sociedade limitada, o que pode se mostrar extremamente delicado é a apuração do valor de suas quotas. Ocorre que muitos sócios não têm consciência desse contexto e regras que irão ser aplicadas caso não estipulem seus próprios critérios.

Apesar do assunto muitas vezes ser visto como um tema indigesto, é algo muito importante para preservar o equilíbrio das partes e proteger a própria empresa que pode também sofrer as consequências de um conflito de seus sócios. A partir do momento que os sócios assimilam que é preciso aprimorar as regras que irão regular a apuração das quotas, há um notório amadurecimento da relação societária que pode evitar desgastes irremediáveis no futuro. 

O tema não precisa ser encarado como algo complexo e desagradável, é possível tratá-lo de maneira leve e artesanal, notadamente se as discussões ainda forem abstratas, cabendo aos sócios optar pelas engrenagens menos ou mais complexas a depender do porte da empresa, particularidades dos envolvidos e grau de objetividade pretendido. Em nossa experiência vale a pena se antecipar e se prevenir por meio da adoção de medidas que tornarão eventual alteração do quadro societário algo mais tranquilo, como, por exemplo, a celebração de um acordo de sócios para versar sobre o tema.

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