Contratos de Compra e Venda de imóvel sob a ótica da “Lei do Distrato”
Ao fechar uma compra e venda de imóvel, ninguém celebra o negócio pensando em desfazê-lo. No entanto, o desfazimento do negócio pode ser a única solução diante de uma situação de conflito entre vendedor e comprador.
Nesse momento surgem várias dúvidas, o contrato está em conformidade com a chamada Lei do Distrato? Qual valor será devolvido? Até quando a construtora pode atrasar a entrega? Este artigo vai ajudar você a tirar essas dúvidas!
A importância da Lei do Distrato imobiliário
Comprar um imóvel é uma decisão séria e a assinatura do contrato de compra e venda não significa que está tudo resolvido. Após a compra, podem acontecer alguns imprevistos, por diversos motivos, tanto pelos compradores como pela construtora, como por exemplo:
Enfim, são vários motivos que podem levar as partes de comum acordo, ou de forma unilateral, a desistirem do negócio e optarem pelo desfazimento do contrato. Esse desfazimento do negócio é muitas vezes chamado de “distrato”, embora distrato em seu sentido técnico seja uma forma de extinção da obrigação por mútuo acordo, enquanto a resolução contratual pressupõe a culpa do comprador ou vendedor.
Quando o comprador decide desfazer o negócio temos a falsa sensação de que ele será o mais prejudicado. No entanto, não pensamos nos prejuízos que as construtoras podem ter por decisão unilateral do cliente, pois no processo de comercialização imobiliária há vários custos com publicidade, ocupação, manutenção, vigilância e outros compromissos financeiros.
Assim, a Lei n°13.786/2018 que entrou em vigor em 27/12/2018 teve o objetivo de gerar mais segurança jurídica e equilíbrio aos procedimentos de rescisão contratual tanto para as construtoras e incorporadoras quanto para os clientes. Dessa maneira, nesse artigo iremos abordar os efeitos do distrato no contrato imobiliário.
Afinal, o que significa distrato?nbsp;
Existe certa ampliação do conceito do termo distrato, uma vez que, em seu sentido técnico, o distrato nada mais é do que o desfazimento do negócio pelo mútuo acordo de vontades das partes. Embora as partes, quando da celebração do contrato, confiem que este irá ser extinto pela execução das partes nos termos pactuados, fato é que um contrato pode ser extinto por alguma situação indesejável.
Quando uma das partes dá causa ao desfazimento do negócio, seja por ato culposo ou fortuito, a hipótese seria de resolução e não distrato. O termo rescisão também é muitas vezes utilizado de maneira mais genérica, abarcando também a extinção contratual por culpa de uma das partes. Além disso, há certa oscilação doutrinária acerca do alcance de cada um desses conceitos.
Vale ressaltar que, nada impede o comprador de tentar compor com a construtora, pois nem sempre o caminho deve ser a litigância, assim muitas vezes o distrato tem origem justamente em uma composição entre construtora e adquirente, pois decorre justamente dessa mútua vontade.
Quadro-resumo: quais informações devem estar no contrato de compra e venda?
A Lei n° 13.786/2018, também conhecida como Lei do distrato, trouxe como obrigatoriedade o quadro-resumo nos contratos de compra e venda de imóveis de unidades de incorporação imobiliária.
Mas afinal o que é e o que deve constar no quadro-resumo? O quadro-resumo é uma síntese contendo todos dados e principais ajustes do contrato cujo objetivo principal é trazer maior clareza e transparência ao negócio celebrado. O quadro-resumo deve estar na primeira página do contrato.
Além disso, as informações, previstas no quadro-resumo deverão estar também no conteúdo do contrato de maneira mais detalhada. Portanto, é imprescindível verificar se o quadro-resumo está nos mesmos termos das demais cláusulas ao longo do contrato. Pois, diante de cláusulas contraditórias, a jurisprudência tem entendido que deve ser feita a interpretação mais favorável ao consumidor adquirente.
Nesse sentido, a lei estabelece que deve obrigatoriamente estar no quadro resumo de forma clara e de fácil entendimento:
Dessa maneira, a partir da constatação da ausência do quadro resumo ou ainda de alguma informação obrigatória, o contrato deverá ser aditado em no máximo 30 dias, sob pena de ser rescindido pelo Adquirente e a parte culpada ser responsabilizada pelos ônus contratuais, caso assim o comprador deseje.
Por isso, é de suma importância que as partes verifiquem se todos os itens listados acima constam no quadro-resumo da parte inicial do contrato, de forma clara, objetiva e de fácil compreensão para evitar litígios futuros.
Assim, antes de assinar o contrato é preciso entender seus termos muito bem, para evitar surpresas. Além disso, é importante contar com uma assessoria jurídica nesse momento, para sanar todas as dúvidas e tentar obter uma redação mais justa.
E se eu assinar o contrato e me arrepender?
A lei conferiu ao adquirente a possibilidade do direito de arrependimento pelo prazo de 7 dias nos contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial.
Ou seja, o adquirente, dentro do prazo de 7 dias, a contar da data da assinatura do contrato, poderá optar pela resolução do negócio e terá direito a 100% do valor pago, inclusive a título de corretagem, sem qualquer multa.
Como fica a corretagem? O valor pago pode ser devolvido?
A jurisprudência é pacífica, julgado do tema 938 do STJ, quanto à validade da cláusula contratual que transfere ao comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda, desde que previamente informado o preço total da aquisição e com destaque do valor da comissão de corretagem.
Nesse sentido, para evitar qualquer problema de controvérsias sobre a validade da cobrança, ainda na fase pré-contratual, é imprescindível que o comprador seja informado acerca dos valores que deverão ser pagos a título de corretagem.
Nada mais justo, não é mesmo? A comissão é destinada diretamente ao corretor e ele não poderá ser penalizado caso o adquirente venha a desfazer o negócio após o prazo de 7 dias (para as hipóteses de contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial).
Portanto, é obrigatório por lei que essa informação esteja no quadro-resumo do contrato de promessa de compra e venda de forma clara, sob pena de poder ser declarada nula a cobrança e consequentemente a devolução do valor ao comprador quando do desfazimento do contrato.
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Mas você deve estar se perguntando, e se eu estiver aguardando a resposta da aprovação do financiamento e ele não for aprovado, ainda sim preciso pagar a corretagem?
Pois bem, de acordo com os artigos 722 e 723 do Código Civil, a função do corretor é promover a aproximação entre as partes, com objetivo de fechar negócio, prestando toda a assistência necessária durante a negociação.
Contudo, a jurisprudência é pacífica no sentido de que nos casos em que há condição suspensiva, ou seja, depende de uma resposta externa para que o negócio possa ser concluído (ex: aprovação de financiamento), o corretor suporta o risco de o comprador não conseguir concluir o negócio e consequentemente não receber a comissão.
E se eu morar no imóvel por um tempo antes de desfazer o negócio, o vendedor pode me cobrar por isso?
Caso o comprador deseje prosseguir com o desfazimento do negócio o vendedor terá direito a uma taxa de fruição.
Mas afinal o que é taxa de fruição? De maneira bem simples, durante o período que o comprador permaneceu no imóvel, ou seja, morou, alugou e usufruiu de alguma maneira, o vendedor esteve privado do bem. Assim, é uma reparação, como se fosse um aluguel, nada mais justo. Portanto, a cobrança é legal.
A taxa de fruição é de até 0,5% ao mês sobre o valor do imóvel edificado. E de até 0,75% ao mês nos casos de lotes. Vale ressaltar que esse percentual pode ser pactuado em contrato desde que respeite os limites máximos estabelecidos por lei, como mencionado anteriormente.
Se o negócio for desfeito, quanto e como devo receber?nbsp;
A jurisprudência fixou um percentual de retenção no intuito de desestimular a prática de desistências e diminuir os custos para as empresas e ainda melhorar os valores praticados no mercado.
Assim, a porcentagem de retenção irá depender se o empreendimento está submetido ou não ao regime do patrimônio de afetação. De maneira simplificada, patrimônio de afetação é um regime de separação patrimonial do patrimônio da empresa e o patrimônio relacionado apenas aquele empreendimento. Ou seja, o valor investido naquela construção não é utilizado em outro empreendimento e nem responde por outro empreendimento, de modo que os adquirentes têm uma maior segurança.
Nos empreendimentos que não estão submetidos ao regime do patrimônio de afetação a multa poderá ser de até 25% sobre a quantia paga, além da dedução da comissão de corretagem, impostos, taxas condominiais e de ocupação. A devolução dos valores é no prazo máximo de 180 dias a contar da rescisão.
Já os empreendimentos que estão submetidos ao regime de patrimônio de afetação a retenção será de 50% após serem deduzidos todos os valores mencionados anteriormente, no entanto o prazo para devolução é de 30 dias.
Assim, nos casos em que há incorporação imobiliária sob o regime de patrimônio de afetação o legislador entendeu que uma multa maior de 50% seria mais adequada, até mesmo para não afetar os outros clientes do empreendimento que não desistiram de suas obras.
Portanto, os percentuais estabelecem regras e limites claros para o comprador e para as construtoras e incorporadoras, sem privilegiar nenhuma das partes.
E se a construtora atrasar a entrega do imóvel?
A lei e o judiciário entendem que as construtoras têm um prazo de 180 dias corridos, desde que esteja estipulado de maneira expressa e compreensível no contrato, contados a partir da data prevista de entrega, para atrasar sem ter que pagar multa por isso. O prazo seria legal pois contempla dilação para a solução de imprevistos inerentes à atividade, como por exemplo excesso de chuvas.
Caso a construtora ultrapasse o prazo de 180 dias, o comprador poderá desfazer o contrato e receber de volta todos os valores pagos, com correção, além das perdas e danos como por exemplo os aluguéis referentes ao período que já deveria estar morando no imóvel próprio.
Inclusive, o STJ consolidou entendimento no EREsp 1.341.138, de que é cabível a condenação da construtora e incorporadora por lucros cessantes, havendo presunção de prejuízo do adquirente, no atraso de mais de 180 dias da data estipulada para entrega do imóvel. A jurisprudência tem arbitrado o percentual de 0,5% a 1% ao mês sobre o valor do contrato a título de indenização por lucros cessantes, desde a data prevista para o término do empreendimento até a expedição do habite-se.
Mas e quanto aos danos morais? Muitos compradores ao se depararem com a situação questionam se cabe dano moral às construtoras e incorporadoras por descumprir o prazo de entrega do imóvel.
A jurisprudência entende que o simples fato de o promitente vendedor ter descumprido o prazo previsto no contrato para a entrega do imóvel não acarreta de maneira presumida os danos morais. Portanto, ao contrário do que ocorre no caso dos lucros cessantes, nessa hipótese é necessário que o adquirente comprove que houve dano capaz de ensejar indenização.
Conclusão
Conforme exposto acima, o contrato tem a função de alinhar as expectativas entre as partes, bem como definir direitos e deveres, trazendo segurança para as partes durante toda a relação, que pode durar vários anos, sem contar que pode representar o negócio de maior impacto e custo de toda a vida do adquirente.
Portanto, é fundamental investir na elaboração de um bom contrato para o sucesso na gestão do negócio. É extremamente importante alinhar ou ao menos assimilar como será desfeita a relação na hipótese de descumprimento contratual ou vontade das partes.
Dessa maneira, é indispensável que as partes verifiquem se todos os requisitos apresentados ao longo do artigo constam no contrato, em especial no quadro-resumo, de forma clara, objetiva e de fácil compreensão.
Com a Lei do Distrato, espera-se que construtoras e adquirentes sigam um caminho de responsabilidade e segurança contratual, para que o distrato imobiliário não seja motivo de conflitos e insegurança.
Por isso, é importante contar com uma assessoria jurídica para auxiliar na elaboração e/ou revisão do contratado tanto na celebração do contrato como em eventual desfazimento do negócio.
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Marcos Rabello | (31) 99959-6115 | Mestre em Instituições Sociais, Direito e Democracia pela FUMEC na linha de pesquisa de Direito Privado: Autonomia Privada, Regulação e Estratégia Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos e Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FEAD. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos.