A influência do Xadrez no futebol

A influência do Xadrez no futebol

É muito comum escutarmos técnicos famosos do futebol dizendo que determinada partida será um “jogo de Xadrez”. Como um aficionado do futebol e um profissional no Xadrez, sempre refleti sobre a veracidade dessa frase e gostaria de fazer algumas reflexões.

A primeira pergunta que vinha à minha cabeça quando eu escutava essa afirmação era: "será que esse cara sabe ao menos jogar Xadrez?” Se estivermos falando de quem, para muitos, é o maior treinador do planeta, o catalão Pep Guardiola, a resposta é sim, e como ele mesmo conta no primeiro capítulo de sua biografia, ele é um estudioso do jogo, além de grande amigo do ex-campeão mundial, o russo Gary Kasparov.

Acho que dois paralelos claros que podemos traçar entre os dois esportes é a colocação das peças sobre o tabuleiro (que equivale ao esquema tático no futebol) e o estudo prévio das características dos adversário, que seria o estilo de jogo. No Xadrez, o jogador pode ser mais estratégico, o que chamamos de posicional, ou mais agressivo, o que chamamos de tático. No futebol, dividimos os times em ofensivos, se preferem propor o jogo e ser mais agressivos, ou reativos, times que esperam o adversário para se beneficiar do contra-ataque. 

Uma diferença básica do jogo de Xadrez para o futebol é que a posição inicial das peças é pré-estabelecida e deve ser a mesma para os dois times (peças brancas e peças pretas). No futebol, apesar de os dois lados começarem com "11 peças" (jogadores), o treinador tem liberdade total para montar o esquema tático de acordo com as suas preferências. 

Geralmente, os treinadores mais ofensivos usam o sistema 4-3-3 (4 defensores, 3 meio campistas e 3 atacantes. O goleiro não entra, obviamente, na conta), enquanto treinadores mais defensivos preferem jogar no esquema 5-3-2 (3 zagueiros e 2 alas compondo a defesa, 3 meio-campistas e 2 atacantes).

No Xadrez, os jogadores mais agressivos preferem partidas abertas, por isso costumam iniciar com o lance 1.e4 (o peão do rei é movido duas casas pra frente), o que possibilita uma partida mais agressiva e, ao mesmo tempo, com mais riscos, enquanto o jogador mais estratégico costuma iniciar com o lance 1.d4 (o peão da dama duas casas para frente), que costuma levar a um jogo mais fechado e lento, em que as manobras de peças costumam prevalecer ao invés de um ataque rápido, geralmente buscado pelos jogadores de ataque. 

Como o jogador de brancas, pela regra do jogo, sempre faz o primeiro movimento, nós, enxadristas, costumamos fazer um paralelo com o futebol, que é comparar as brancas ao time que joga em seu campo e, dessa maneira, naturalmente, tende a buscar a iniciativa. Assim como no futebol, no xadrez, se existe uma desproporção grande entre os adversários, o fator “casa” tende a ser irrelevante. 

O fator psicológico é outra grande semelhança nos dois esportes. Conseguir jogar um tipo de jogo que mais incomoda o seu rival é uma tática que costuma funcionar tão bem no futebol quanto no Xadrez. Por isso um enxadrista com um estilo “universal” leva grande vantagem sobre os seus rivais, assim como um time que possui mais variações táticas tende a ser menos previsível e mais difícil de ser batido também no futebol. 

No Xadrez, em meados dos anos 90, com o advento das bases de dados, começou uma revolução no processo de preparação para as partidas. Por meio de um programa chamado Chessbase, os jogadores tinham acesso a centenas de partidas dos seus adversários e, com isso, podiam estudar o estilo e as “aberturas” (lances iniciais da partida) mais jogadas pelos seus rivais e, dessa maneira, começaram a preparar surpresas contra os sistemas de jogo favoritos dos seus adversários.

Mais recentemente, com os chamados “engines”(programas de análise que, a partir do início dos anos 2000, jogavam melhor que o campeão mundial entre os seres humanos), que revolucionaram ainda mais e aperfeiçoaram o processo de preparação da partida. 

No futebol, nos últimos 15 anos, a parte do estudo do adversário e o estudo científico dos dados também virou uma realidade nos principais times na Europa e, mais recentemente, também no Brasil.O papel de treinadores específicos de defesa, de goleiros e, principalmente, analista de desempenho, vem se tornando ajuda essencial para os treinadores escolherem seus jogadores e seu sistema tático. Assim como no Xadrez, os times tentam prever as movimentações do seu rival e anular os pontos fortes e impor suas principais armas.

Resumindo, podemos dizer que realmente existem muitas similaridades entre os dois esportes e, apesar de seguir achando que muitos treinadores falam sobre o jogo de Xadrez com total desconhecimento, existem outros profissionais que conhecem o jogo e levam grande vantagem por ter uma maior familiaridade com o pensamento estratégico, a análise de cenários e a preparação específica. Atrevo-me a dizer que seria de grande interesse que fossem ensinadas as regras do jogo de Xadrez em cursos de treinadores, ,assim como noções básicas de estratégia. Mas, talvez, isso esteja longe de acontecer.

Miquéias Nascimento

Revisor textual da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Professor de Língua Portuguesa, Redação e Literatura.

1 a

Excelente texto. Parabéns. Embora veja mais riqueza no xadrez, partidas de futebol podem, sem dúvida, ser assistidas e analisadas sob a perspectiva estratégica e tática que vemos no xadrez. Sem falar no que podemos aprender na vida com o que nos ensina o jogo.

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