Suicídio - Inspirações para a prevenção

Suicídio - Inspirações para a prevenção

Começo este texto com a provocação ao final do incrível e chocante relato da Eliane Brum, “A cidade que mata o futuro, em 2020, Altamira enfrenta um número avassalador de suicídios de adolescentes”. Link abaixo

“Eu já estarei morto. Mas antes quero perguntar a vocês, adultos: o que farão para que outros adolescentes como eu não se suicidem?”. Essa foi a interpretação dada a uma carta de suicídio de um adolescente.

Ao começar a ler, senti algo no meu corpo e precisava tentar expressar o que sentia. Uma das mais pessoas que mais admiro, uma guerreira atuando no front, sem medo dos poderosos e com condições de refletir sobre a complexidade do mundo atual, do Brasil e de suas mazelas falando sobre um tema que me toca bastante.

Há pouco menos de 2 anos, ao pesquisar alguns dados de em um município do Pará para um trabalho, me deparei um dado alarmante e chocante de suicídios. Naquele mesmo momento, eu vivia depressão “motivada” por minhas angústias, medos e questões. Senti aquilo e minha situação com um chamado, decidi que a valorização da vida e a prevenção ao suicídio seriam minhas causas. Procurei o Centro de Valorização da Vida (CVV) para entender como funcionava o trabalho e voluntariar-me. Estava consumido demais por minhas questões, esgotado de mim, e acreditava que ouvindo quem buscava o CVV eu poderia me curar.

O texto da Eliane é muito potente e cheio de informações valiosas para que possamos falar sobre suicídio, escutar, dialogar e para que possamos buscar urgentemente caminhos para apoiar quem busca no suicídio a saída para um sofrimento inimaginável. O que procuro no meu texto é conectar minha experiência em uma organização que trabalha há quase 60 anos realizando atendimentos por telefone, email, chat e presenciais e que procura, através de uma rede de voluntários espalhada pelo Brasil, escutar e dialogar com as pessoas que ligam para o telefone 188.

Eliane faz uma reflexão sobre o número crescente de suicídios em Altamira, em especial de adolescentes, como isso tem chocado e trazido sofrimento à população, dilacerado famílias e vidas que estão indo embora a números galopantes. Eliane mudou-se para Altamira e desde então tem vivenciado, como projetos desenvolvimentistas podem destruir vidas, o meio ambiente e modos de vidas belos e tradicionais. A sua mudança de São Paulo para Altamira ocorreu na busca de colocar as periferias no centro, e para viver isso, seu corpo deveria deslocar-se ao que ela considera o centro, a floresta, os projetos desenvolvimentistas. Eliane representa para mim a beleza de uma exploradora e pesquisadora que se joga num universo novo, para ter condições de relatar com maior profundidade, veracidade e beleza ou tristeza o mundo no qual vivemos. Não basta a reflexão distante para ela, a reflexão parte do viver, do estar e do sentir. Para que faltem palavras para descrever algo belo ou terrivelmente triste, e para que ela esteja confortável em não ter estas palavras, há que se viver em um mundo para qual estas palavras não existem, ou experenciar um novo idioma que ofereça palavras novas para este encantamento ou desencantamento. Ela relata isto aqui nesta conversa com Bruno Torturra, próximo aos 11 minutos do vídeo.

Quando escutamos atentamente, silenciosamente e sem necessidade de trazer soluções, nos faltam palavras. E nos relacionamos com os sentimentos. Se eu não tiver qualquer intenção de resolver um problema mas se conseguir estar junto na dor do outro, eu posso me conectar e talvez, permitir algo que esteja faltando em nossa realidade hiperconectada. Modos de buscar esta conexão, sem preconceito, sem julgamento é o que venho tentando praticar e aprender constantemente no CVV. Minha atuação é muito limitada, mas pode ser potente também.

A situação conflagrada em Altamira neste momento é fruto de anos de abandono do poder público, de descaso, de ausência de políticas públicas, de um processo de instalação de um megaempreendimento sem considerar as populações que seriam impactadas e para quem a energia deste empreendimento é produzida. Como Eliane relata, Belo Monte ou Belo Monstro (como os moradores de referem à usina), foi um projeto político enfiado por um governo que não dialogou com a população local, que precisava alimentar uma rede de poderosa de corrupção, fisicamente bem distante daquele local. O último livro da Eliane “Brasil, construtor de Ruínas” traz uma análise bastante completa e profunda deste processo.

O que ocorre com toda a população de Altamira, suas crianças, adolescentes e jovens, é triste demais. São seres ribeirinhos, desconectados do rio, de suas origens. Eliane conta de crianças que não sabem estar na Amazônia e de um menino de 9 anos que desconhecia o banho de rio, mesmo tendo nascido em Altamira e com o Rio Xingu tão próximo. E esta desgraça toda veio sem o progresso prometido aos adultos. Em um mundo completamente transformado, a população sem lazer, sem cultura e com quebra de laços sociais e com a rede de apoio comunitária, é natural que o sofrimento psíquico aumente, afirma Christian Dunker, psicanalista que conduziu um projeto com a população, psicólogos, psicanalistas e psiquiatras em Altamira.

“A dor e a impossibilidade de lidar com ela também apontam o quanto é brutal ser adolescente num mundo que foi transfigurado em poucos anos. Parte dessa transfiguração nem pais nem professores compreendem, porque vieram de um mundo ainda não transfigurado. Altamira é uma cidade transfigurada num mundo transfigurado”, afirma Eliane.

Consigo apenas imaginar a dor de todos que ali vivem e o que isso pode gerar nas pessoas. Eu não consigo sentir a dor do outro, mas posso estar ao lado nesta dor. É o que me proponho a fazer no CVV.

O suicídio e as questões psíquicas e psicossociais são muito complexas, não há como falar sobre sem considerar inúmeros fatores e sem ter uma potente rede interdisciplinar de profissionais e pessoas que possam olhar com muito carinho, cuidado e entendimento para o tema.

Esta rede está espalhada pelo Brasil e concentrada localmente, ela é muitas vezes invisível e talvez você possa fazer parte dela.

O que posso dizer é que escutar pode ser curativo, nos aproxima, nos torna mais humanos.

Posso dizer que escutando os outros passei a compreender-me melhor, não sem trabalhar minhas questões em terapia e me fortalecer para a vida, que é dura e pede que tenhamos “casca grossa” para enfrentar as dificuldades, injustiças e desigualdades dela.

“Eu quero humildemente pedir licença para lutar ao lado deles”,

termino com esta bela e poderosa frase da Eliane Brum ao falar de sua mudança para Altamira, Pará.

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