Leia livros longos
Se eu lhe oferecesse um livro de infinitas páginas, ousaria abri-lo e começar a leitura?
Durante o meu período de estágio, o deslocamento para o trabalho me tomava bastante tempo, o que me fez decidir passar parte desse tempo lendo livros.
Esse talvez tenha sido o período em que mais li na minha vida. Imergia tanto que, algumas vezes, passei do ponto de ônibus em que eu deveria descer. Finalizei em duas semanas o primeiro livro, e o segundo não foi muito diferente. Empolgado com o desempenho, cometi um dos erros mais comuns a todos os leitores: estabeleci uma meta de livros lidos para o ano.
Eu já escrevi em outro artigo o quanto essa meta é ruim por não focar no que é importante em relação à leitura, bem como desconsiderar diversas variáveis.
Qual o tamanho do livro? E a complexidade da leitura? Leio fazendo anotações e parando para pensar sobre o assunto?
O que antes era uma atividade leve e funcionava como um passatempo, se tornou um fardo. Eu havia perdido o prazer imediatamente após definir a meta.
Em alguns dias, estava cansado demais e queria apenas ouvir música; em outros, o ônibus cheio me desanimava a tirar o livro da mochila. Depois que estabeleci a meta, passei a ler de forma forçada. Tal como durante nossa iniciação à literatura no colégio, não nos conectamos com um autor quando a leitura é forçada.
Como se apenas o fardo da leitura não bastasse, percebi um problema mais grave. Passei a evitar livros longos que comprometessem o atingimento da meta. Meu foco estava em finalizar o livro, não em aproveitar a jornada, como um universitário que anseia desesperadamente pela formatura.
Um ótimo livro vale por dez medíocres, eu lia os medíocres; um ótimo livro nos deixa tristes e com uma sensação de vazio quando chegamos ao final, eu comemorava cada livro finalizado.
Desejando recuperar o mesmo sentimento de quando comecei, abandonei a meta e nunca mais estabeleci outra. Passei a ler simplesmente por hábito e vontade. O objetivo deixou de estar no futuro, em uma quantidade de livros lidos, e passou a estar no presente: apenas ler.
Nos últimos anos tenho refletido muito sobre o imediatismo que estamos desenvolvendo como indivíduos do século XXI.
Lá para os meus 14 anos, fui convidado para fazer pamonha no sítio de um amigo do meu pai. No começo, não entendi por que precisavam da minha ajuda, mas a curiosidade me fez aceitar o convite (tenho orgulho de não ter sido o tipo adolescente chato e antissocial).
Ao chegar lá, me deparei com mais de vinte pessoas. Confuso, perguntei ao meu pai por que precisava de tanta gente. Ele respondeu, "essas pessoas não vieram apenas para fazer pamonha." Me permiti ainda não estar preparado para entender essa resposta.
Era cedo, e eu esperava ansioso pela experiência de comer pamonha fresquinha. Ao perguntar que horas comeríamos, meu pai riu e disse, "se começarmos agora, lá pelas três ou quatro da tarde a gente come."
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"Três da tarde?!", retruquei, decepcionadíssimo. Não fazia sentido algum esperar tanto tempo para algo que parecia simples.
No entanto, ao longo do dia, fui surpreendido pela experiência. Todos conversavam, riam e trabalhavam juntos. Eu mesmo me envolvi no espírito da coisa. Lembro de ter embrulhado algumas pamonhas com diferentes nós, para identificá-las mais tarde, especialmente aquelas nas quais, sorrateiramente, coloquei mais queijo do que o padrão. (Ironia do destino: hoje, na minha profissão, sou eu quem ensina as pessoas a seguir padrões operacionais. Quanta hipocrisia!)
Aquele dia é muito vivo na minha memória, só que algumas vezes esquecemos das lições da vida ou não as enxergamos nas situações cotidianas.
Nas últimas semanas, me vi parando de fazer café em casa pela manhã para tomar no escritório e ganhar alguns minutos. Pelo nome dessa newsletter, vocês podem imaginar o quanto sou apaixonado por café. Mesmo assim, passei a trocar o café especial de qualidade pelo café comum queimado do escritório. Foi apenas alguns dias atrás que percebi o quanto o Patrick de 14 anos, que fez pamonha ao longo de todo um sábado, ficaria decepcionado se soubesse que sua versão adulta não é capaz de dedicar nem dez minutos para fazer um café.
A história da meta de livros me fez perceber o quanto muitas vezes direcionamos a nossa felicidade para o futuro, ao invés de ter prazer no simples fato de ler um livro. O objetivo de ler um livro jamais deve residir em terminá-lo, em aumentar um contador sem sentido. O que vale é a reflexão enquanto se lê, a imaginação aflorada, a imersão na narrativa, as diversas sensações que se tem ao longo das páginas. Ao final de um ótimo livro, não consigo iniciar outro imediatamente, tão envolvido com o conteúdo eu me mantenho mesmo após finalizar todas as páginas.
A experiência da pamonha nunca foi sobre a etapa final, sobre a recompensa. Na verdade, quando finalmente vamos degustar o que levamos horas para fazer, seu sabor vai além do material. O valor dessa pamonha é imensurável. É uma pamonha que jamais será comprada com dinheiro, e que jamais poderá ser recebida de outra pessoa.
E o café? Nunca foi sobre café, mas sobre autocuidado. Sobre proporcionar o melhor que eu posso fazer por mim. Sobre definir prioridades que me coloquem em primeiro lugar. Jamais serão 10 minutos perdidos. E que fossem 20 ou 30, quanto tempo eu mereço de mim mesmo?
O valor das coisas nunca estará na recompensa. Após um final, sempre existirá outro a ser atingido. Por isso de nada vale a pressa.
Você ousaria começar a ler um livro infinito?
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Espero te ver aqui mais vezes e até a próxima!