LIBERDADE E ORDEM
As expressões "Liberdade" e "Ordem" são frequentemente utilizadas como slogans, indicando o compromisso dos grupos políticos com os princípios que consideram fundamentais. No entanto, como Aristóteles já ensinava, a análise política começa pela distinção entre o discurso do ator político, que expressa uma vontade política, e o discurso do estudioso, que descreve ou analisa um aspecto da realidade. No contexto brasileiro, qualquer pessoa que emita uma opinião sobre política é automaticamente interpretada como um ator político e respondida com base em valores e preferências, mesmo que tenha tentado ser imparcial e objetivo. Esse fenômeno reflete, por um lado, a tendência verbalista do país, onde as palavras provocam reações emocionais diretas sem uma conexão mínima com os objetos reais que representam, e, por outro lado, a predominância do pensamento marxista, que desconsidera a distinção entre agir e conhecer como ilegítima e busca não apenas analisar o mundo, mas transformá-lo, especialmente através da confusão deliberada entre teoria e prática.
Olavo de Carvalho trata desse assunto em seu livro de 1996, "O Jardim das Aflições".
Enquanto a primeira dessas tendências é endêmica no Brasil, a segunda não discrimina suas vítimas com base em ideologia, afetando até mesmo aqueles mais hostis ao marxismo. Foi assim que a afirmação sobre uma hierarquia lógica entre dois conceitos e entre as realidades histórico-sociais correspondentes a eles foi interpretada como uma preferência pela estrutura em detrimento da autonomia.
Apenas quando consideradas como palavras de ordem partidária, autonomia e estrutura podem ser motivo de preferência e escolha. Quando utilizadas como indicadores descritivos de realidades objetivas, não há nem oposição nem fusão entre elas, mas sim uma relação de conjunto e subconjunto: a autonomia é um elemento da estrutura, não havendo, portanto, escolha entre "mais liberdade" e "mais ordem", mas apenas entre estruturas que promovem a autonomia e estruturas que a restringem.
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Em todo sistema político, a liberdade é sempre e exclusivamente a margem de manobra distribuída entre os vários atores dentro da estrutura jurídica existente; a estrutura é a condição que possibilita a autonomia, e não o contrário, como evidenciado pelo simples fato de que pode haver uma estrutura com pouca autonomia, mas não pode haver autonomia fora da estrutura, exceto em um hipotético e, aliás, autocontraditório "estado de natureza". A estrutura pode ser inspirada pelo desejo de ampliar ao máximo a margem de autonomia, mas não há motivo para confundir o ideal inspirador de uma construção com os elementos substanciais que a compõem.
Por definição, a estrutura, qualquer que seja, desde a mais libertária até a mais autoritária, não é um sistema de privilégios, mas sim de obrigações, restrições e controles. Simone Weil observava com razão que cada direito garantido a um cidadão nada mais é do que uma obrigação imposta a outros, e fora disso é apenas uma palavra vazia. Uma estrutura liberal, ou ainda mais, libertária, só pode ser concebida como um sistema complexo de controles idealmente recíprocos (checks and balances) destinados a limitar a autonomia de todos de modo que a de um não se sobreponha à dos outros: a liberdade do ator individual é a margem que permanece após todas as subtrações de ambas as partes. A problemática e um tanto paradoxal natureza dessa noção é evidenciada pelo fato de que o mesmo processo legislativo necessário para preservar as autonomias pode se tornar opressivo quando os direitos proclamados são numerosos e os controles criados para mantê-los resultam no crescimento ilimitado da burocracia judicial, policial e administrativa.
Mas, afinal, nenhuma estrutura é perfeita em seus próprios termos. A estrutura totalitária, ao oprimir os de baixo, concede aos de cima uma liberdade ilimitada que leva ao caos e à destruição mútua dos poderosos.