LIDERANÇA MEDIADORA
Sobre estar no meio
Líderes que compartilham seus aprendizados e práticas, não raro, falam muito sobre pessoas. Contam dos relacionamentos, dos conflitos e das emoções com as quais lidam durante suas jornadas. Muitas vezes, esses assuntos não são bem compreendidos pelos ouvintes. Não percebem que a liderança é o fruto de práticas recorrentes, pensadas, treinadas e desenvolvidas. É uma pessoa diferenciada – dizem ao comentar os depoimentos, como se fosse uma questão de sorte, um ponto fora da curva. Parece-lhes que é uma característica exclusiva daquela pessoa e que não poderiam aspirar a ter comportamentos semelhantes.
Já estamos – ou deveríamos estar – bem informados sobre a mudança de era que estamos vivendo, sobre a nova economia, sobre o futuro do trabalho. Esses e outros nomes parecidos são usados para descrever o tempo VUCA atual. O que devemos fazer com essa informação é sair da inercia de quem a recebe passivamente, e colocar em ação um novo modelo mental para agirmos de acordo com o que estamos vivendo em nosso contexto. Ser líder hoje não demanda o mesmo esforço de anos atrás. Ser líder hoje é muito mais complexo porque devemos nos preparar constantemente e de maneiras menos ortodoxas, em passos caórdicos, muitas vezes criando nosso próprio método. Não existem muitas referências do passado para o novo tempo. As que existem estão vivas, compartilhando diretamente seus conhecimentos. Isso quer dizer que encontrar escolas que transmitam seus conceitos é difícil. E ter acesso a eles demanda de nós um esforço que muitas vezes não é viável.
Essa é uma das características do nosso tempo. Somos cocriadores da história e, portanto, a nossa criatividade é constantemente convocada para nos ajudar nessa tarefa. O protagonismo é indispensável.
Acontece com muitos líderes, porém, um paradoxo: após criarem um campo de confiança com seus liderados se percebem menos preparados do que imaginavam para lidar com o protagonismo – incentivado – dos colaboradores. Estar no meio de um grupo que sabe o que quer, que sabe o que precisa e que é protagonista da sua história é um desafio e tanto, porque exige habilidades que provavelmente nunca antes foram treinadas no mercado corporativo.
Mediação de relacionamentos
Aprendi com a Priscila Diacov que mediação de conflitos pode ser entendida como mediação de relacionamentos. Em todo momento estamos frente a uma necessidade de mediar, de alinhar expectativas e compreensões.
O Frederic Laloux, no seu reporte Reinventando as Organizações, verificou que em organizações ‘teal’ – que estão vivenciando um estágio de consciência organizacional mais alinhado com os nossos tempos – um dos pilares que caracterizam o trabalho é o da integralidade. Ter a possibilidade de, no ambiente organizacional, ser a mesma pessoa que se é no ambiente social/familiar, é algo muito importante para que a produtividade seja sustentável ao longo do tempo. Talvez não seja uma percepção tão direta, mas o que a integralidade traz consigo é a necessidade de lidar com os conflitos de relacionamento que antigamente eram mitigados pela ‘última palavra’ do líder-chefe: – é assim porque eu digo!
Num ambiente mais colaborativo, as crenças pessoais, as ideologias, as limitações, os anseios, precisam ser levados em consideração, e os conflitos podem aparecer diariamente.
Quando se instaura um conflito? Quando existe uma crise de comunicação, de percepção, de emoções, ou de quaisquer combinações delas. O líder atual precisa ser um mediador que está preparado para encarar essas crises e para as quais sabe dar um encaminhamento apropriado, holístico, espontâneo e eficaz.
Os jovens estão cada vez mais aptos a lidar com esse tipo de fenômeno. É algo mais natural para eles. Mas para quem já vivenciou experiencias de liderança tradicional podem faltar recursos para se desempenhar apropriadamente.
A mediação de relacionamentos começa pela compreensão de que existem 3 dimensões a serem consideradas quando um conflito aparece.
- Interesses. Entender para onde as pessoas estão direcionando seus esforços, quais são seus desejos, o que procuram, é uma das maneiras que vai clarear o caminho da mediação.
- Necessidades. Nem sempre as pessoas estão agindo de acordo com os seus desejos. É provável que tenham necessidades maiores do que seus desejos, e que as levam a tomar decisões não convencionais perante determinado conflito. Um líder mediador sabe estar atento a elas.
- Medos. É uma das nossas emoções básicas. Ser humano implica que o medo estará presente em nossa vida. Ele tanto protege dos perigos, como paralisa perante o desconhecido. É importante portanto que o líder mediador entenda se os medos estão numa proporção adequada à situação que gerou o conflito ou se estão fora do que é razoável.
A liderança mediadora requer que as pessoas desenvolvam intencionalmente as soft skills que serão necessárias para se desempenhar nesse mundo que nos continuamente nos demanda a sair do automático, a aprender a aprender, e a criar ambientes seguros para que a integralidade de cada colaborador possa ser vivenciada. Neste artigo são listadas algumas delas.
Nos tornarmos líderes que podem falar dos seus conflitos e, mais interessante ainda, das suas mediações de relacionamentos, é resultado de trilhar intencionalmente um caminho de autoconhecimento, de busca de ferramentas que alimentem nossa coragem, e no qual possamos aprender como aprender. O mundo não é mais o mesmo: hoje todos somos chamados a ser referência, a construir modelos e a inspirar a liderança dos outros. Assumamos esse protagonismo!