LITTLE BROTHER – O QUE ORWELL NÃO PREVIU

LITTLE BROTHER – O QUE ORWELL NÃO PREVIU

Que George Orwell foi um visionário, não há debates. Seu 1984 foi uma predição do futuro e o futuro chegou. Para os que não leram a obra e para aqueles que leram e esqueceram, diga-se que o livro antevia um estado totalitário, que controlava cada indivíduo através da teletela, um equipamento tecnológico instalado em todos os locais: residências, bares, vias públicas. O estado era personificado pela figura do Big Brother, uma face de olhos inquisidores e acusadores que estampava as teletelas durante as transmissões das mensagens à população.

A teletela era um equipamento de dupla via: transmitia som e imagem nas duas direções. Assim, o estado enviava suas mensagens aos indivíduos, mas também acompanhava o cotidiano de cada um deles. Não havia privacidade; a teletela não podia ser desligada nem silenciada. Diariamente havia notícias, sempre distorcidas, para fazer propaganda do partido; havia aulas de ginástica, para que a população se mantivesse em boa forma para o trabalho; havia confissões de criminosos condenados por traição ao partido; havia transmissão de execuções dos traidores.

A dominação por meio da tecnologia se transformou em realidade, mas nem mesmo Orwell poderia prever o que estava por vir. Na obra ficcional, a população era forçada a acompanhar tudo pelas teletelas, que não podiam ser desconectadas. A coação e as punições eram diretas. Hoje, em lugar do Big Brother, temos os “Little Brothers”, que observamos e que nos observam das telas de nossos celulares, tablets e computadores. A dominação é atual e tão (ou mais) penetrante que aquela do 1984 antevisto pelo romancista. Contudo - e isso é o mais espantoso -, a dominação é voluntária: ninguém obriga diretamente o internauta a se manter conectado; não há sanções diretas pelo desligamento de sua teletela. A punição é meramente social: “- você não viu isso?”; “- sabe o que aconteceu com fulano?”. Quem responde negativamente sente uma espécie de demérito social, de desatualização, de desinformação (por mais inútil que seja a informação que lhe possa ter escapado).

As teletelas atuais também controlam os usuários; as grandes companhias sabem o que eles compram, suas preferências de alimentos, vestuário, horários, atividades, destinos, religião, política, sexo. Os aplicativos ensinam idiomas, reservam hotéis e enviam carros com motorista; mas também fazem propaganda, ministram aulas de ginástica e transmitem as mais íntimas confissões.

Orwell, ainda em 1949, havia previsto a guerra perpétua e o controle das informações, inclusive com modificação da história. Fatos e pessoas eram retirados de todos os registros, a manipulação das informações atingia a memória das pessoas, que acreditavam que o engano era delas quando suas ideias divergiam das notícias oficiais. Até a língua havia sido modificada e simplificada (com a criação da Novilíngua), de modo a mitigar a capacidade de pensamento da população, que vivia uma situação de penúria enquanto os líderes tinham mais do que podiam desfrutar.

O autor tinha razão em sua previsão distópica; atualmente somos dominados pelos líderes através de nossas pequenas teletelas. Ele só não imaginou que a sutileza seria muito maior, pois, à obrigação de nos mantermos conectados, deram ares de vontade; podemos desligar nossas telas, mas não queremos; a obrigação virou compulsão.

Hoje, compartilhamos espontaneamente nossas informações. Não precisam nos vigiar; nós mesmos nos fotografamos e postamos tudo nas redes sociais: da roupa nova ao prato de comida, do corte de cabelo às preferências políticas. Nem o genial visionário imaginou a realidade a que chegaríamos: um totalitarismo privado comandado pelas grandes companhias ao qual nos sujeitamos de bom grado. Somos observados e controlados pelos Little Brothers e, como se diria em Novilíngua, ainda achamos isso dupliplusbom.

Nelson de Menezes Pereira

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