LIVRO: THE DAWN OF APOCALYPTIC: THE HISTORICAL AND SOCIOLOGICAL ROOTS OF JEWISH APOCALYPTIC ESCHATOLOGY
Muitos são pesquisadores – ou até curiosos – de temas que envolvem o último livro da bíblia cristã, o Apocalipse, bem como da escatologia, enquanto matéria da teologia sistemática. Fato. Entretanto, com base em pesquisas pessoais, é possível afirmar que muitos desses leitores concordariam que os termos “apocalíptica” ou “escatologia apocalíptica” se referem ao mesmo assunto dos primeiros. Ora, em virtude desse previsível engano, livros como The Dawn of Apocalyptic: the Historical and Sociological Roots of Jewish Apocalyptic Eschatology (“A Aurora da Apocalíptica: as raízes históricas e sociológicas da escatologia apocalíptica judaica”) são essenciais. É lastimoso que muitas obras desse porte e tema ainda não estejam disponíveis no vernáculo.
Paul D. Hanson leciona na Universidade de Harvard desde 1971, sendo professor na Faculdade de Teologia até 2009. É considerado um dos maiores especialistas na área de apocalíptica, profecia hebraica, literatura judaica do Segundo Templo e religião das antigas culturas mesopotâmicas e Egito. Depois de concluir seu doutorado no Departamento de Línguas e Civilizações do Oriente Próximo (1970), Hanson passou um ano fazendo pesquisas arqueológicas em Israel, alguns anos sabáticos em Israel e na Alemanha e, mais recentemente, em Princeton. Atualmente, está trabalhando para concluir um livro que examinará a interação entre religião e política, com ênfase nas comunidades de fé americanas baseadas na tradição bíblica.
A organização desta obra de Hanson está arranjada em cinco grandes capítulos intitulados: (1) o fenômeno da apocalíptica em Israel, (2) Isaías 56-66 ao lado do conceito dos discípulos visionários de um segundo Isaías, (3) as origens da hierocracia pós-exílica, (4) Zacarias 9-14 face ao desenvolvimento da escatologia apocalíptica dos visionários e (5) uma alegoria e sua explicação.
Reconhecendo a aurora de uma nova era apocalíptica em virtude do interesse atual pelos movimentos apocalípticos do passado, no primeiro capítulo do livro o autor aborda o fenômeno da apocalíptica em Israel. Hanson faz distinções entre profecia e apocalíptica (p. 10-31) e, admitindo as fortes influências helenísticas sobre Israel, aponta o dualismo persa como a fonte rastreada mais comum para a origem da apocalíptica (p. 5-6). O autor ainda apresenta dois importantes apêndices no capítulo: “Escatologia apocalíptica nos escritos apocalípticos posteriores” e “A história da profecia em Israel”.
O capítulo dois é um acurado exame de Isaías 56-66 ao lado do conceito dos discípulos visionários de um segundo Isaías. Tais capítulos bíblicos representariam um estágio da literatura profética de Israel, quando as formas proféticas clássicas passaram por modificações em formas apocalípticas (p. 43). Assim, Hanson questiona acerca de um terceiro Isaías que teria vivido pouco antes de Neemias e defenderá a causa da comunidade do templo contra os inimigos samaritanos de Esdras (p. 32-33). Também aborda a comunidade ideal imaginada pelos discípulos do segundo Isaías, analisando primeiramente Isaías 60-62 (apresentando o apêndice “A reconstrução textual e a análise prosódica”) e, depois, Isaías 57.14-21. Verificando Isaías 63.7-64.11, Hanson demonstra como esse ideal foi prejudicado pela oposição e, assim, como a tensão dentro da comunidade cresceu. Para tanto, o autor examinou crítica e separadamente os capítulos 58 e 59 de Isaías.
A partir de Isaías 65.1-25, Hanson demonstra como as sementes da escatologia apocalíptica germinaram a partir do cisma que se ampliou, da vingatividade que aumentou e da esperança que se adiou entre os israelitas (p. 134-161). Entendendo que as características essenciais dos apocalipses são reunidas em um todo coerente em Isaías 65 (p. 160), o autor ainda analisa a controvérsia sobre a construção do templo e expulsão do culto em Isaías 66.1-16, o conflito crescente acrimonioso em Isaías 56:9-57.13 e o julgamento contra as nações em Isaías 63.1-6, o que chamou de “a outra extremidade da espada”.
O terceiro capítulo trata das origens da hierocracia pós-exílica. A partir do reconhecimento de dois grupos que lutavam para controlar a restauração do culto (os ancestrais do segundo Isaías e os zadoquitas) e do exame nos livros de Ezequiel, Ageu, Zacarias e Crônicas (p. 228-262), Hanson vê nesses a matriz da escatologia apocalíptica. Assim, passa a demonstrar o fundo sociológico das lutas pós-exílicas entre 597 e 587 a.C., bem como a ascensão do partido hierocrata dos “zadoquitas”, isto é, “os justos”. No livro de Ezequiel aborda as estruturas pré-exílicas do templo zadoquita transformadas em um programa de restauração hierocrático, em Ageu e Zacarias vê como o programa do templo hierocrático recebeu legitimação profética e, em Crônicas, descreve como o partido hierocrático vitorioso retornou a uma posição mais conciliatória.
Seguindo o modelo do segundo capítulo, a quarta divisão pretende examinar Zacarias 9-14 face ao desenvolvimento da escatologia apocalíptica dos visionários. Em defesa de uma nova abordagem dos oráculos de Zacarias 9-14 (p. 286-287) e com oito subdivisões adicionadas, com pequenos apêndices, Hanson trata do fundo histórico e sociológico das contínuas lutas que alimentaram a apocalíptica.
Apresentando os apêndices capitulares “Pesquisa bíblica passada sobre Zacarias 9-14” e “o problema textual de Zacarias 12.2 e uma interpretação alternativa”, esmiúça os capítulos dessa literatura profética expondo a polêmica intercomunitária (10.1-12), a provocação contra as nações estrangeiras redirecionada contra a liderança de Israel (11.1-3), a narrativa de comissionamento transformada em profecia da condenação (11.4-17 e 13.7-9), um apocalipse moldado pela luta intercomunitária (12.1-13.6).
O último capítulo do livro é intitulado “uma alegoria e sua explicação”. Sem subdivisões, o texto descreve como é possível afirmar que a escatologia apocalíptica não se originou em solo judaico, mesmo que os detalhes do nascimento não sejam claros (p. 402). A conclusão de Hanson é que seu estudo enfatizou que uma explicação adequada para a ascensão do pensamento judaico apocalíptico deve levar em conta as forças históricas e sociológicas que afetaram a comunidade judaica pós-exílica. Afinal, a partir do contexto político e social, marcado pela opressão estrangeira e tirania, as comunidades responderam pensando todo o mundo, material e espiritual, através da literatura apocalíptica.
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Finalmente, deve-se dizer que a obra é essencial para os estudiosos da apocalíptica, perspectiva religiosa que tem sua aurora em anos mais recentes, como declara o próprio autor: “uma renovação do interesse em movimentos apocalípticos do passado” (2-3). Para o pesquisador da área, é fundamental o conhecimento da tripla definição da apocalíptica judaica feita por Hanson (p. 429-431).
Creio que uma avaliação crítica da obra seria apenas o fato de não estar disponível em português. Apesar da obra ter quase cinquenta anos de publicação e da edição revisada ser de 1979, pesquisadores com nível intermediário na língua inglesa poderão usufruir da essência da pesquisa de Hanson. É o caso deste leitor, convencido que a natureza e o conteúdo da literatura apocalíptica com suas particularidades estarão mais acessíveis às comunidades religiosas e ao leitor em geral à medida que novos textos sejam publicados.
Em geral, o autor argumenta de maneira clara e examinou textos bíblicos mediante comparativos linguísticos organizados em tabelas. Além da apresentação de uma selecionada bibliografia, destacam-se ainda o indispensável índice de palavras-chave (passagens bíblicas, autores e termos principais) e o imprescindível apêndice ao final da obra intitulado: “uma visão geral do apocalipticismo judaico e cristão primitivos”. Eis uma obra extremamente recomendável.
RESENHA ACADÊMICA
Obra: HANSON, Paul D.. The Dawn of Apocalyptic: The Historical and Sociological Roots of Jewish Apocalyptic Eschatology. Revised Edition. Philadelphia: Fortress Press, 2012. 444 pp. ISBN 978-08-006-1809-4.
Publicada pela Revista Unitas, volume 11, nº 1, 2023.