A FILOSOFIA E A TEOLOGIA DE F. W. J. SCHELLING: A doutrina do "Drei-einigkeit" (TRINDADE) e CRISTOLOGIA , no Diálogo Bruno, de 1802.

A FILOSOFIA E A TEOLOGIA DE F. W. J. SCHELLING: A doutrina do "Drei-einigkeit" (TRINDADE) e CRISTOLOGIA , no Diálogo Bruno, de 1802.


“La sensibilité n’est guère la qualité d’um grand génei... Ce n’est pás son coeur, c’est as tête qui fait tout”
"A sensibilidade não está entre as principais qualidade de um gênio... Não é o seu coração. Mas sua cabeça que se encarrega de tudo"

(DIDEROT, D. "Œuvres complètes de Diderot". Org. de J. Assézat e M. Tourneux, Tome II, Paris: Ed. J. Claye, 1875)        

INTRODUÇÃO -- Carlos Morujão cita em nota, no artigo "A Cristologia de Schelling", pp. 286, que a primeira obra escrita por Schelling, onde obteve o grau de "Magister", foi uma dissertação teológica. Enquanto era aluno do Stift de Tübingen, escreveu e publicou em 1792, a dissertação: "De Prima Malorum Humanorum Origine". Um detalhe é que Schelling tinha apenas 17 anos. Assim, abordando os principais conceitos da sua filosofia, ver-se-á a intenção de ultrapassar os limites de compreensão não só do fenômeno da mitologia, mas todo processo teogônico da consciência que se apresenta como o próprio caminhar do "Absoluto". Assim apresentando em síntese a filosofia romântica, Schelling há-de-nos ajudar a compreender na sequência, se assim conseguirmos, as relações pericoréticas, "Pai-Filho-Espirito Santo". Abordar-se-á a questão da Drei-einigkeit, ou seja, da interpretação especulativa da doutrina cristã da trindade divina. Deste modo, na filosofia da revelação, Schelling reconhece, segundo Heidegger, que

... não é Deus que é aqui rebaixado ao nível do homem, mas ao contrário, o homem é experimentado no que o conduz e o expõe além de si mesmo ... (M. Heidegger, "Schellings Abhandlung über das Wesen der menschlichen Freiheit (1809)", pp. 197-198, pp. 282).

I -- Por volta do ano de 1800, filósofos, escritores e artistas na Alemanha começaram a propagar uma nova visão do mundo, que descreviam-na como "romântica". Assim, o primeiro romantismo alemão no final do século XVIII, expandiu-se como escola, como um estado de espírito e também como um forte fenômeno histórico. Ele marca temporalmente o Iluminismo, as benesses da filosofia kantiana, bem como, as tensões e o rompimento com o racionalismo exacerbado, cultivado pela história da filosofia. O pensamento romântico tinha a intenção de demonstrar a filosofia como um exercício de pensamento, um laboratório de experimentação. Num aspecto de generalidade, as reflexões indicariam que o poeta é, de alguma forma, superior ao filósofo, pois o foco da busca filosófica é enquadrado com o termo "Infinito" ou por esta nostalgia do "Todo".

II -- Os românticos desejaram reconhecer todas as dimensões do ser, sendo ele constituído "pelo sentimento, pela intuição, pela emoção e pelo afeto, com isso, ansiavam pela exploração do domínio da interioridade humana em sua singularidade. O esteticismo romântico foi o alheamento ao mundo, em que o “Eu” mostrava-se impotente e, também, foi parte de um caminho indireto para a realização de um ideal humano que não podia ser concretizado pelo processo direto de educação política e social.

III -- Fichte (1762-1814), filósofo que desenvolveu um pensamento original, foi também o continuador filosófico de Kant. Conheceu o mestre e apresentou-lhe um texto em 1791, intitulado "Ensaio de uma crítica de toda revelação", e de uma forma geral, o objetivo de sua filosofia era, como que "corrigir" a lacuna deixada pela Crítica de Kant que ainda impedia o sistema do criticismo de se erguer com a mesma necessidade com que, na filosofia de Espinosa, se ergueu o dogmatismo. O conhecimento é dito como "intuitivo" e é imediato ao qual, Fichte se refere como "capacidade criadora da faculdade da imaginação", que nos permite construir dinamicamente um conhecimento regido por leis a priori. Fichte ainda reformula na sua obra tardia o papel que a "consciência desempenha dentro do sistema do saber". Eis que afirma

[O] o absoluto não é intrinsecamente inconcebível, pois isto não faz sentido; ele é inconcebível apenas quando o conceito por si tenta alcançá-lo, e esta inconceptibilidade é sua única qualidade.
FICHTE, J.G. Gesamtausgabe der Bayerischen Akademie der Wissenschaften, II, v. 8. Stuttgart: Frommann-Holzboog, 1985, pp. 58.        

IV -- Passemos então à Schelling (1775-1854), segundo grande pensador do Romantismo alemão. Acompanharemos o texto - "A Cristologia de Schelling" - de Carlos Morujão. Ao escrever: "Bruno", de 1802, fez seu pensamento anunciar a existência apenas de uma diferença quantitativa entre os conceitos de "finitude e Absoluto", adotando no segundo também, em parte, a doutrina das ideias de Platão. Schelling tratou da questão do "Absoluto" (que se "popularizou" na filosofia de Fichte, a partir de 1794-95) e postou que não se tratava de um objeto fora da noção de "eu", mas, antes, um momento do próprio "eu", em sua intuição de si mesmo. Esta inferência antecede ou sucede a questão da autoconsciência. A filosofia em Schelling deve prioritariamente partir do "incondicionado", por isso, trata-se de uma "filosofia da identidade". Essa noção filosófica, na teologia é identificada com o Filho, Jesus Cristo. Neste mesmo sentido, a reflexão de Schelling adentrou a concepção cristã do Deus trinitário e referiu-se sobre a encarnação de Deus na figura histórica de Jesus Cristo. Assevera sobre esta temática, X. Tilliette, que esta atitude, asseverou no Séc. XVIII, a problemática cristológica na filosofia.

"[A] a Drei-einigkeit, ou seja, a interpretação especulativa da doutrina cristã da trindade divina, ... insiste em pensar o mundo efetivo - a natura naturata - como o Filho ... (sobre o lugar que é sucessivamente atribuído ao Filho na filosofia da identidade). cf. VETO, M. Le Fondement selon Schelling, Paris, Beauchesne, 1977, pp. 230". In: Morujão, 2005, pp. 290.

Va -- A realidade denominada por "Deus", foi concebida em 1802, no "Diálogo Bruno ou sobre o Princípio Natural e Divino das Coisas", posteriormente, em 1804, no "Pequeno ensaio Filosofia e Religião", e, mais sistematicamente, a partir de 1805, nos "Aforismos sobre Filosofia da Natureza". Schelling também fez sua crítica a Kant, sobretudo quando demonstra que para a teologia, a fé em Cristo não é propriamente o produto de uma escolha livre do sujeito ou, como diz Kant, não se deixa determinar por liberdade, tal como se dá com a lei moral, mas Schelling mesmo reconhece que

Deus não pode ser para mim pura e simplesmente o fundamento real de meu ser, porque assim ele cairia na esfera do condicionado. Pelo contrário, se eu determinasse Deus não como objeto, mas como = eu, então certamente ele seria fundamento real de meu saber (Schelling, pp. 91).

Vb -- Mas, o que é Deus? Schelling insiste em que

Deus não é, somente, aquele que é, mas também aquele que devêm
A revelação é progressiva porque Deus não é simplesmente um ser [ein Sein], mas é uma vida [ein Leben], e “toda vida tem um destino e está sujeita ao sofrimento e ao devir”.

-- assim, o finito, que, visto em si mesmo, é infinitamente imperfeito, não o é se o virmos em Deus, onde a sua possibilidade e a sua realidade se identificam. Deus não pode ser reduzido a uma mera “ordem moral do mundo”. Não obstante, a noção de Deus - efetivo no mundo real, por sua vez, pode se tornar "um Deus derivado". Deste modo, quanto a teologia cristã, afirma Schelling

[C] conheceremos, na essência daquele uno que, de todos os opostos, não é nem um nem o outro, o Pai eterno e invisível de todas as coisas, que, na medida em que nunc]a sai da sua eternidade, concebe o infinito e o finito em um e o mesmo ato de divino conhecimento; e o infinito é o espírito, que é a unidade de todas as coisas; mas o finito é, em si, idêntico ao infinito, porém, por sua própria vontade, um Deus sofredor e submetido às condições do tempo ...
“Deus é algo mais real (...) e tem em si forças de movimento totalmente diferentes e muito mais vivas do que as que lhe são atribuídas pela desprezível sutileza dos idealistas abstratos.” (S.W.,VII, pp. 356)

VI -- O Pai é, assim, a indiferença do infinito e do finito (ou seja, do Mesmo e do diferente), o espírito é o infinito como unidade de todas as coisas, ou a indiferença enquanto meramente diferente do que difere, a saber, o Filho - o Deus submetido ao tempo -, e este, por fim, é o finito, que, tendo-se tornado tal por vontade do Pai, é, porém, uma réplica, no tempo, da eternidade do Pai.

o Pai; a natura naturata, (Deus tem em si mesmo o fundamento de sua existência) o entendimento, a Palavra do desejo , a luz, é o Filho; a harmonia entre a vontade e o entendimento é o espírito.

O Pai contém potencialmente todas as diferenças entre as coisas finitas, mas não atualiza nenhuma delas (é indiferença); ele representa a unidade da intuição, ou visão do singular, e do conceito, ou seja, do universal que subsume os singulares (quer dizer, ele, que é como que a ideia de todas as ideias, vê estes últimos somente em Ideia); o Espírito é o infinito como unidade de todas as coisas que foram atualizadas; o Filho, como dissemos, é o finito. Há, pois, uma espécie de engendramento do "Filho pelo Pai", um "ser exterior" (?) ao Pai, mas semelhante a ele, quer dizer, qualquer coisa de, simultaneamente, independente e autónomo.

VII -- Assim sendo, numa passagem central das Exposições Ulteriores, Schelling afirma que a totalidade do universo existe no absoluto como planta, animal ou homem, não enquanto cada um destes exprime uma unidade particular, mas sim enquanto é a imagem da unidade absoluta. Assim sendo, na Freiheitschrift (Investigações Filosóficas sobre a Essência da Liberdade Humana e os Assuntos com ela Relacionados), publicadas, pela primeira vez, em 1809, o "Pai é força contrativa", ou seja, é princípio obscuro. Já o Filho é "força expansiva", ou seja, princípio luminoso. Em tese, Deus irrompe na natureza e na história, não pode ser colocado em um nexo causal, é “fundo do abismo sem fundo”, e por isso, não como supra-natural e supra-histórico, mas sim como sujeito de uma história superior.

REFERÊNCIAS

CARPEAUX, O. M. "Prosa e Ficção do Romantismo". In: GUINSBURG, J. (Org.). O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1985.

DIDEROT, D. Ouvres complètes de Diderot. Org. de J. Assèzat e M. Tourneux. Tome II, Paris: Ed. J. Claye, 1875.

HEIDEGGER, M. Schellings Abhandlung über das Wesen der menschlichen Freiheit (1809). Ed. por H. Feich. Tübingen: Niemeyer, 1971.

MORUJÃO, C. "A Cristologia de Schelling", In: Revista Didaskalia, n. XXXV, pp. 285-303, 2005.

SANTORO, T. S. "Fichte e o saber absoluto na doutrina-da-ciência de 1804". In: Revista Dissertatio, [26], pp. 111-125, 2007.

SCHELLING, F.W.J. Werke [S.W.]. Stuttgart, Augsburg, J. G. Cotta, 1856-1861.

_____. "Vom ich als Princip der Philosophie oder über das Unbedingte im menschlischen Wissen". In: Werke. Stuttgart: Froomann Holzboog, 1980a.

_____. Cartas sobre o dogmatismo e o criticismo. Trad. R. R. Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1980b.

_____. Bruno ou do princípio divino e natural das coisas. Coleção Os Pensadores, 3ª ed. Trad. R. R. Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1989.

SILVA OLIVEIRA, J. P. "Da metafísica da substância `s metafísica da subjetividade: Os caminhos de Hegel e Schelling se separam em Jena". In: Revista Sofia, (ISSN 2317-2339), Vitória/ES, v.9, n.1, pp. 71-84, jan./jun. 2020.

TILLIETTE, X. Le Christ de la Philosophie, Paris, Les Éditions du Cerf, 1990.

VETO, M. Le Fondement selon Schelling, Paris, Beauchesne, 1977.

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