A mídia tradicional e o jornalismo precisam descer do pedestal ou não terão futuro
Esta semana estou em Lisboa acompanhando o Web Summit. É um dos maiores eventos de tecnologia e inovação do mundo. Mais de 2 mil startups e dezenas de palestras e discussões em quase duas dezenas de palcos ao longo de três dias. Se você quiser vislumbrar o que vem pela frente, aqui é o lugar.
É uma surra de informação. Bom, ao menos se o seu interesse for tecnologia, IA, algoritmos, sustentabilidade, diversidade e afins. Mas se você estiver em busca de ouvir o que está por vir no jornalismo, sairá decepcionado.
A jornalista Inês F. Alves descreveu magistralmente no portal Sapo24 o cenário por aqui (recomendo fortemente a leitura do texto completo, mas deixo aqui um trecho):
“Encontrar um painel em que se discuta o futuro do jornalismo na Web Summit é como encontrar o Wally. Existe, mas há que procurar com afinco e ter disponibilidade para palmilhar os cinco pavilhões desta summit em busca de uma pérola.
No palco ‘New Media Summit’, por exemplo, houve espaço para quase tudo - para jogos, para concertos, para a jornada do youtuber que se tornou uma empresa, para o modelo de negócio por detrás do marketing de influência -, mas não para o futuro do jornalismo.
Quando o moderador lançou o único painel aqui dedicado aos media tradicionais, deixou como promessa a resposta à pergunta: ‘Como é que o jornalismo vai competir com criadores de conteúdos’, eles que já ajudam a decidir eleições?
Mas a conversa começou com um ‘como é que a eleição de Trump vos fez sentir’ e acabou com a ladainha da transparência e da confiança para sustentar um modelo de negócio pelo qual poucos leitores estão dispostos a pagar e que, por isso, mantém os títulos reféns dos interesses dos CEOs de grandes empresas que, dizem-nos os tempos, tendem a ser mais conservadores do que progressistas, pelo bem do negócio.
E não me interpretem mal, isto não é uma crítica à Web Summit, que entendeu que por esta altura não há muito de novo para dizer sobre o futuro do jornalismo e entregou o microfone aos criadores de conteúdo e ao marketing de influência, nem aos CEOs das grandes empresas que legitimamente colocam o seu investimento em projetos de media que vão ao encontro dos seus interesses ou sustentam a sua visão do mundo. Sempre foi assim.”
Em um momento em que eleições são decididas por memes e participações em podcasts ajudam a determinar o vencedor, a grande mídia realmente precisa repensar o seu papel. Como Alves destaca em seu texto, o fato é que parecem existir poucas ideias novas e originais quando o tema é mídia. Falamos muito de problemas, mas pouco de soluções.
Pior, de certa forma, vivemos dos louros do passado. Repetimos uma ladainha sobre credibilidade e confiança da mídia tradicional e parecemos ignorar o fato de que um crescente número de influenciadores ligados ao universo das notícias também está conquistando status de fonte confiável. Afinal, o modo mais efetivo de crescer nas redes (e cada vez mais em qualquer negócio) é criar uma comunidade em torno da sua marca. Mas, ao mesmo tempo, o pior erro de quem lidera uma comunidade é tentar enganá-la. Ou seja, jornalistas, influencers, YouTubers, e quem produz conteúdo informativo de modo geral, têm a credibilidade como diferencial competitivo.
No final do dia, a fronteira entre influencers, youtubers, jornalistas e plataformas será cada vez menor. Diferenciar mídia tradicional e digital também se tornará irrelevante. O que importa se a pessoa viu a Globo ou o SBT na TV aberta ou no streaming? Qual a diferença se a reportagem estava no impresso ou digital?
Confiança e credibilidade não são diferenciais, são pressupostos se você quiser existir como criador de conteúdo (e meus colegas podem até ficar irritados, mas confiança e credibilidade também são questão do ponto de vista da comunidade a quem o produtor de conteúdo atende).
É preciso maturidade e humildade para entender que o jornalismo mudou e o que nos trouxe até aqui não nos levará adiante.
Venho falando com recorrência sobre o releasegate (reclamações públicas de jornalistas que afirmam receber releases em excesso e de baixa qualidade). É mais um exemplo de como o jornalismo precisa descer do pedestal. Fico imaginando como seria se os assessores passassem a reclamar publicamente das entrevistas que o jornalista simplesmente esquece e deixa o entrevistado no vácuo ou dos textos copiados integralmente de releases e publicados até em grandes veículos sem o devido crédito.
Mas para não ficar somente nas críticas e oferecer soluções, o que os grupos de mídia podem fazer na prática?
Primeiramente, entender que cada vez mais serão gestores de talento. A empresa terá de aposentar a visão de que nada é maior que sua marca centenária. Na prática, isso significa que o grande veículo cada vez mais terá de se comportar como uma agência de talentos, captando oportunidades e desenvolvendo ferramentas para valorizar os jornalistas/personalidades (suas marcas) que estão no veículo.
Já os jornalistas também precisam entender que não se trata apenas de apurar notícias, cada vez mais é sobre construir comunidades e atender os anseios das pessoas que fazem parte deste grupo.
Também precisamos olhar mais para quem trabalha bem no digital. No meio do ano, entrevistei a influenciadora Camila Coutinho, em Cannes. Foi dela que “roubei” e aplico no LinkedIn o conceito de comunidade que tenho falado. Com a Natalia Beauty (aquela influencer de beleza que cobra milhares de reais para fazer uma sobrancelha) e que assisti a uma palestra no Gramado Summit em que ela estava de pijama no palco, concluí que eu também precisaria produzir vídeos porque as pessoas não têm paciência para ler. Com a Mari Maria, influenciadora de beleza, concluí após assistir a uma palestra dela, que a vergonha que eu tinha de aparecer no vídeo era uma visão antiquada, de que o jornalista tinha de ser muito sério e não poderia errar. O resultado é que em seis meses o meu perfil no LinkedIn saltou de cerca de 50 mil impressões por mês para mais de 5,7 milhões de impressões mês passado.
Mudar é difícil. Para os jornalistas, ainda pior. As faculdades brasileiras são a primeira barreira que os profissionais encontram. Não raro, sofrem uma lavagem cerebral de professores que em grande parte atuaram anos atrás em redações e pregam um jornalismo romântico que um número cada vez menor de pessoas procura.
Está mudando, mas muitos professores de jornalismo ainda veem assessoria de imprensa, influencers, youtubers e quem produz jornalismo sem formação acadêmica como alguém menos competente. Mas o fato é que tem influenciador e podcaster que nunca estudou jornalismo e faz entrevista e reportagem melhor do que muito formado.
Amanhã estarei moderando dois paineis aqui no Web Summit. No primeiro, converso com Lucy Blakiston e Ben Moe sobre novas plataformas e como capitalizar o crescimento de novas mídias.
Blakiston é da Nova Zelândia e tem 27 anos. Começou sua empresa de mídia, a Shit You Should Care About, aos 17, porque não encontrava nada interessante para ler. Primeiro, fez um blog e ao concluir “que ninguém lia” migrou para o Instagram e bombou. Depois, lançou uma newsletter para começar a monetizar sua comunidade. Ela também lançou um livro best-seller na Nova Zelândia.
Moe começou como uma empresa de mídia, a Frame, mas entendeu que poderia ganhar mais dinheiro pivotando seu negócio para ser um software que cria páginas interativas. Basicamente, ele oferece uma solução de IA que em 15 minutos transforma um texto (chato) em algo interativo, com imagens, gráficos e vídeos.
Depois, subo ao palco novamente com Julia Beizer, Chief Operating Officer da Bloomberg Media; Jennie Baird, Chief Product Officer do BBC Studios; Blake Sabatinelli, CEO da Atmosphere; e Nick Halstead, fundador da DataMarked para discutir como as pessoas estão “perdidas” nas telas.
Vou me esforçar para tentar sair do palco com respostas mais claras sobre o futuro do jornalismo e da mídia tradicional.
Notícias relevantes:
Evangélicos não se sentem representados pelas marcas, aponta pesquisa (Caio Fulgêncio - Meio & Mensagem)
O estudo “O Brasil Evangélico”, realizado pela Data-Makers, mostrou que as marcas não estão conseguindo atingir o público evangélico, uma vez que 39% afirmam que o mercado não os atende de forma satisfatória.
Os setores mais em falta, de acordo com a pesquisa, são bares, restaurantes e casas noturnas (69%). Na sequência, aparecem moda (26%); eventos, espaços públicos e locais de lazer (21%); moda esportiva (19%); alimentos e bebidas (19%); brinquedos e jogos de tabuleiro (15%); produtos de beleza (14%); turismo (12%).
E esses números se espelham nas publicidades, em que 52% dos consumidores protestantes, por exemplo, não se sentem contemplados pelas propagandas, principalmente nas classes D e E, onde o número aumenta para 63%.
Hoje, os evangélicos são 35% da população brasileira e a estimativa aponta para um crescimento desta população nos próximos anos, que deve se tornar o maior grupo religioso do Brasil.
Opinião: procure por editorias que abordem religião nos veículos de mídia e ficará evidente que a falta de representação não se limita ao setor de publicidade e reforça a questão da nossa desconexão com parcela relevante da audiência.
Ex-lobista do Facebook se junta ao regulador de comunicações do Reino Unido como diretor não executivo (Dan Robinson - The Register)
Lord Richard Allan, ex-vice-presidente de políticas públicas do Facebook, acaba de se tornar diretor não executivo do Conselho do regulador de telecomunicações do Reino Unido, Ofcom.
Assim, Allan foi nomeado Secretário de Estado do Departamento de Ciência, Inovação e Tecnologia (DSIT). A decisão, comunicada pelo próprio departamento, começou a valer em 1º de novembro e tem duração de quatro anos.
Desta forma, o ex-lobista assume a função de supervisionar as mídias no país. Lord Grade, presidente da Ofcom, defendeu Allan: “Richard traz uma vasta experiência em tecnologia, telecomunicações e mídia, de uma carreira de décadas tanto na vida pública quanto no setor privado. Sua contribuição para o Conselho será inestimável e estou ansioso para trabalhar com ele.”
Opinião: é uma faca de dois gumes. O conhecimento de Allan sobre como operam as big techs pode torná-lo uma figura altamente efetiva dentro do governo; por outro lado, o vínculo com a Meta poderá se mostrar um problema se existirem potenciais vínculos.
Eletromidia e Globo: os termos do acordo bilionário da mídia brasileira (Bárbara Sacchitiello - Meio & Mensagem)
A Globo acaba de fechar um acordo para comprar 47% das ações da Eletromidia, além dos 27,5% que já tinha, sendo uma das maiores movimentações no setor de mídia brasileiro desde sempre.
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Para isso, a Globo desembolsará R$ 27 por cada ação da companhia e, considerando que o acordo soma 65.923.980 ações, apenas na fase inicial é estimado um pagamento superior a R$ 1,78 bilhão.
Com a aquisição completa, o valor de mercado da Eletromidia deve atingir R$ 5 bilhões. Em nota, Paulo Marinho, diretor-presidente da Globo, disse: “O segmento de OOH é complementar ao nosso ecossistema de canais e plataformas e seremos capazes de oferecer soluções de publicidade cada vez mais complexas para nossos parceiros e anunciantes.”
Opinião: a Globo comprou a Elemídia. Em junho, o UOL adquiriu 29% de participação da empresa de out-of-home Neooh, outra grande companhia brasileira do segmento OOH. Com a audiência cada vez mais fragmentada, oferecer escala é um diferencial para grandes grupos de mídia que concorrem com os gigantes Google, Meta, e cada vez mais, a Amazon. O rápido crescimento do faturamento do mercado OOH também ajuda a entender o interesse, mas o fato deste ser um segmento no qual as big techs não têm grande presença também é uma grande vantagem.
Meta diz que está disponibilizando seus modelos Llama para aplicações de segurança nacional dos EUA (Kyle Wiggers - TechCrunch)
A Meta anunciou nesta semana que está disponibilizando o modelo Llama, de inteligência artificial, para agências do governo norte-americano e contratantes de segurança nacional.
Usualmente, a política da Meta proíbe a utilização do Llama para quaisquer projetos relacionados a missões militares, porém decidiu no último dia 4 abrir uma exceção.
“Temos o prazer de confirmar que estamos disponibilizando o Llama para agências do governo dos EUA, incluindo aquelas que estão trabalhando em aplicações de defesa e segurança nacional, e parceiros do setor privado apoiando seu trabalho”, disse a empresa em uma publicação.
A Meta defende que a IA aberta pode acelerar a pesquisa nesse setor e atender às demandas e interesses econômicos e de segurança do país.
Opinião: não surpreende, as redes sociais em boa medida já são armas de destruição em massa.
Musk e X são epicentro da desinformação eleitoral dos EUA, dizem especialistas (Kanishka Singh e Sheila Dang - Reuters)
Um relatório feito pelo Center for Countering Digital Hate apontou que fake news disparadas por Elon Musk a respeito das eleições dos Estados Unidos, que elegeram Donald Trump, somaram 2 bilhões de visualizações no X em 2024.
Assim, o estudo afirmou que esta plataforma tem sido responsável por disseminar informações falsas, que conseguiriam, inclusive, impactar no resultado final. E de fato, nesse caso, Musk apoiou o republicano.
Vale lembrar que quando Musk assumiu o antigo Twitter, além do corte de milhares de funcionários, também restringiu a moderação de conteúdo.
Opinião: não surpreende (parte 2), como eu já disse, redes sociais são armas de destruição em massa, inclusive da democracia.
Por que o crescimento explosivo do Reddit pode durar? (Anita Ramaswamy - The Information)
De acordo com um relatório do Reddit, a plataforma cresceu a receita em 68% no terceiro trimestre deste ano, o que também fez as ações da empresa dispararem em 40%.
Um dos principais motivos desse crescimento se dá pela maior visibilidade de conteúdos do Reddit nos resultados de pesquisa do Google, que não foi conquistado ao acaso.
A própria plataforma anunciou medidas recentes com objetivo de melhorar a velocidade e desempenho do site, buscando, justamente, essa melhor classificação nas pesquisas de busca.
Opinião: admiro o otimismo do Reddit, mas parece repetir a euforia infundada em torno do site de notícias BuzzFeed e do joguinho FarmVille. Na hora que as plataformas como Meta e Google mudam de ideia, o negócio morre porque deixa de receber tráfego de usuários.
O jogo da otimização do chatbot: podemos confiar nas pesquisas na web com IA? (Callum Bains - The Guardian)
Na teoria, em vez de precisar rolar páginas e páginas de pesquisa para encontrar alguma informação que você precisa, o chatbot de IA faria “esse trabalho” e resumiria com a informação mais importante e direta.
Contudo, estudos apontam que estes resultados gerados por IA ainda estão longe de serem confiáveis. Por isso, usar essa ferramenta como única fonte de pesquisa poderia causar problemas.
Desde o surgimento da IA é indiscutível os enormes avanços que ela possibilita, contudo, especialistas notaram que o chatbot tende a priorizar textos que incluem linguagem técnica ou estão repletos de palavras-chave e não necessariamente aqueles com referências científicas ou até linguagem objetiva e livre de preconceitos.
Desta forma, se você quer garantir que aquela informação está correta e precisa, não dá para deixar 100% na mão da inteligência artificial.
Opinião: isso ajuda a explicar porque empresas de IA generativa, como a OpenAI, do ChatGPT, têm acelerado acordos de licenciamento de conteúdo com grandes veículos de mídia.
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🎬 Projeto de novelas do Kwai ganha nova fase no Brasil (Meio & Mensagem)
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🔞 Instagram planeja utilizar IA para pegar adolescentes mentindo sobre a idade (Curtis Heinzl - Bloomberg)
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🔎 OpenAI adiciona mecanismo de busca ao ChatGPT, desafiando o Google (Kimberley Kao - The Wall Street Journal)
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Foto de capa: Freepik
Direto no ponto, estamos dormindo e vários ônibus já passaram e vão passar. Como profissional de mercado e professor universitário tenho consciência disso tudo, e também sei que, apesar de todos os entraves, tem gente tentando mudar para melhor o jornalismo contemporâneo.
Jornalista Diplomado com Pós-Graduação em Marketing Digital
3 semGenial constatação Sua!
Head de Public Relations | Rugido 🦁
1 mReflexão extremamente necessária para mudarmos esse cenário (para melhor, claro), sobretudo para a minha geração que pegou a chegada da internet e, com ela, todas as transformações na comunicação.
MSc em relações internacionais, com enfoque em controle dos arsenais nucleares e segurança internacional; jornalista multiplataforma.
1 mReputação - e sua expressão nas relações, a credibilidade - é uma questão que permeia diversas áreas, seja economia, seja segurança e defesa, seja psicanálise. E nós jornalistas nos beneficiaríamos muito ao lembrar que ela também nos abarca não apenas na exatidão das informações que oferecemos, mas também na forma como nos interrelacionamos com os diferentes públicos. Seu texto é muito feliz e preciso ao abordar essa questão e o quanto o isolamento afeta até a reverberação do necessário debate de novos modelos para a nossa atividade. Parabéns pela análise e sucesso nos painéis Guilherme Ravache
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1 mTemos muito, mas muito mesmo o que debater sobre jornalismo, mídias digitais etc. Mas acredito que é importante considerar que não é um debate "nós vs.eles". Estamos todos no mesmo barco de produção e divulgação de notícias. Sem esquecer que vivemos um período em que as mudanças trazidas pela tecnologia continuam a todo vapor -- o que, entre outras coisas, significa que o debate terá que ser continuo.