Mútuo Conversível: Depois da faca e do queijo
Photo by Lasseter Winery on Unsplash

Mútuo Conversível: Depois da faca e do queijo

Modelo de negócios azeitado, um excelente produto ou serviço desenvolvido e validação pelo mercado. Sua empresa (startup ou empresa tradicional) gera interesse e surge o investidor. Ótimo! Você já tem a faca e o queijo na mão. Como tornar esse investimento realidade?

Quando um investidor decide aportar valores em uma empresa, ele não pretende simplesmente receber o dinheiro de volta com juros, mas tornar-se sócio e se beneficiar de grandes resultados gerados. Ao mesmo tempo, o investidor não pretende arriscar mais do que o valor aportado. Combinar esses dois pontos não é tão simples quanto parece.

A maioria das empresas no Brasil são estruturadas como Sociedades Limitadas e não como Sociedades Anônimas (SAs). Infelizmente, há diversas situações em que o patrimônio pessoal dos sócios é utilizado para quitar dívidas da sociedade. Isso pode ocorrer por dívidas trabalhistas, ações de consumidores ou por irregularidades na condução dos negócios (no último artigo falamos sobre uma irregularidade comum: a ausência de integralização do capital social). Esses riscos tendem a ser ainda maiores quando se trata de uma startup que ainda está se estruturando. Como consequência, os investidores evitam tornarem-se sócios ainda no início da empresa em que estão investindo.

É aí que surge o mútuo conversível, o instrumento mais popular para operacionalizar investimentos em startups, também adequado para empresas tradicionais.

Mútuo Conversível

Mútuo conversível é um contrato em que alguém (como o investidor, chamado de mutuante) empresta dinheiro para outrem (como a empresa, chamada de mutuária), que se compromete a pagar a dívida pela via tradicional em espécie (dinheiro) ou converter essa dívida em um determinado número de cotas/ações em condições atrativas.

A principal vantagem é limitar o risco do investidor ao dinheiro "emprestado", postergando sua entrada como sócio na empresa para um momento em que ela já esteja mais bem estruturada. Com isso, o investidor garante que seu patrimônio pessoal não será atingido por dívidas da startup e a empresa consegue atrair investimentos com mais facilidade.

Quando converter

É importante que o contrato de mútuo conversível preveja momentos para que o investidor faça a opção pela conversão do empréstimo em participação societária. O mais recomendado é que a opção seja condicionada a uma data específica e/ou à ocorrência de eventos de liquidez, que são fatos relevantes que ocorrem na empresa e que antecipam a data de ingresso do investidor na empresa, como uma fusão, aquisição empresarial ou a realização de oferta pública de inicial de ações (IPO).

Proteções

Além dos elementos básicos de um contrato de mútuo conversível, há proteções adicionais ao investidor, como a criação de um acordo de sócios e o direito de não diluição.

O acordo de sócios é documento que determina obrigações recíprocas entre os sócios e a empresa. Por meio do acordo de sócios, é possível definir como os sócios agirão na condução da sociedade e, assim, garantir ao investidor que a empresa não trilhe caminhos indesejáveis.

O direito de não diluição impede que a empresa emita novas cotas/ações que implique em diminuição automática da participação percentual do investidor. Esse mecanismo deve ser usado com muito cuidado, pois a diluição não é necessariamente prejudicial a quem é diluído.

Se muito restritivo, o direito de não diluição dificulta novos investimentos na empresa e impede seu crescimento. Use eventual cláusula de não-diluição com bastante tempero e moderação.

Não exagere na proteção, o cobertor é curto

Ao definir as garantias do investidor, é importante ter muito cuidado. Exagerar nos direitos e do investidor, como, por exemplo, na garantia irrestrita de voto em deliberações societárias e no recebimento de dividendos pode configurar natureza de sócio ao investidor mesmo antes da conversão. Caso isso ocorra, toda a racionalidade de utilização do mútuo conversível vai por água abaixo.

Tributação

No momento da conversão, é comum que o valor do mútuo seja superior ao valor nominal das cotas adquiridas pelo investidor. Essa diferença, chamada de ágio, é considerada renda tributável pela Receita Federal.

Sociedades Anônimas são isentas da cobrança de tributos sobre o ágio. Portanto, uma vez que a conversão do mútuo geralmente coincide com o fortalecimento da empresa, a conversão da Limitada em S/A pode se justificar também pelo aspecto tributário.

Para não passar batido, importante mencionar que há Projeto de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados que estende a isenção do ágio para Sociedades Limitadas.

Conclusão

O mútuo conversível é um instrumento muito útil para operacionalizar investimentos em uma empresa, mas sua adoção não é trivial. Caso seja mal estruturado, pode levar ao enrijecimento da empresa ou ao aumento de custos em um momento estratégico da sociedade. Por outro lado, utilizar mecanismos bem desenhados para a realidade da empresa e do investidor aumenta os benefícios recíprocos e dá maior segurança ao investimento.

Rodrigo Bindes

Empresário | Mentor de agências de marketing digital | Estrategista digital especializado em marketing para restaurantes

4 a

Excelente explicação. Direto e simples!

Cristiane Terra

Sócia Cofundadora da Terra & Mendonça Advocacia

4 a

Gostei, Luís, parabéns! E é interessante tb que a antidiluição deve ser temperada em qualquer caso, inclusive em contratos de vesting. Cuidei de um caso em que o contrato de vesting previa a antidiluição de um executivo até a entrada de investimento acima de x milhões na startup. Veja, nesse caso, o executivo tinha muitos contatos de investidores de peso e não tinha interesse em ser diluído. Segundo ele, nao havia motivação para que tentasse conseguir um investimento maior que x milhões, oq pode ser extremamente prejudicial para a startup. Então, realmente é um cuidado importante, pois não pode ser um embaraço para a entrada de outros investimentos...

Fábio Dias

FdS Advogados | Diretor do FdS Europa | Direito empresarial

4 a

E que continue assim, Luis Gustavo Silva!

Edilene Rossi Lacerda

Advogada Cofundadora do FdS| Gestão | Inventários | Execuções | Negociação | Acordos Judiciais e Extrajudiciais

4 a

Vamos combinar: dá gosto levar informação de primeira e sem ares de mistério para os clientes! Sigamos Freitas da Silva.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos