Mais capazes de aprender

Mais capazes de aprender

Todos aqueles que guardam memórias desagradáveis de seus tempos de escola supõem que nunca mais terão que estudar.

Não é verdade, a aceleração do conhecimento nos obriga a aprender por toda a vida. No contexto do trabalho, aqueles que se esforçam por fazer carreira dependem de contínuo desenvolvimento - e não há desenvolvimento sem estudo e aprendizagem.

Aceleração do conhecimento

A população mundial cresceu "exponencialmente" no último século. Levou milênios para atingirmos 1 bilhão de habitantes, mas depois levou pouco mais de 125 anos para atingir o segundo bilhão; depois levou 34 anos para adicionar mais um bilhão chegando a 3 bilhões; com mais 25 anos chegamos a 4 bilhões; mais 11 anos e chegamos a 5 bilhões em 1985; mais 14 anos e chegamos a 6 bilhões no ano 2000; em 2012 atingimos 7 bilhões e se prevê que em 2028 chegaremos ao oitavo bilhão, a partir do qual o crescimento da população será mais lento até estabilizar.

Diante de tal crescimento em 1960 economistas malthusianos previam fome generalizada no ano 2000, o que não ocorreu. Os ganhos de produtividade na economia desde então têm sido espetaculares. Na mesma velocidade em que a população cresceu, o conhecimento e a tecnologia expandiram.

Considere que a partir do segundo bilhão a expectativa de vida ao nascer cresceu a ponto de dobrar: hoje a maioria das economias apresentam expectativas de vida superiores a 75 anos. Mais gente, vivendo muito mais, com escolaridade muito maior e conectados à internet: imagine a quantidade de conhecimento é produzida por dia no planeta! O crescimento exponencial assim se traduz: em apenas um dia se produz mais conhecimento que em toda a história até a década passada.

Ao mesmo tempo em que o conhecimento expande, ele torna obsoleto muito do conhecimento existente. Se você guardou livros e anotações de seu tempo de universidade por mais de 10 anos, é provável que ele seja obsoleto. Se você não adquirisse novos conhecimentos desde a sua graduação, provavelmente se tornasse obsoleto, isto é, com reduzida empregabilidade.

Os ingleses popularizaram a "abordagem 70|20|10", sugerindo que 70% do que um profissional aprende é por meio do trabalho, 20% é pela convivência e apenas 10% pelo estudo e sala de aula. As proporções não foram definidas com validade estatística, são apenas uma ordem de grandeza. Em 2012 fiz enquete com alunos de pós-graduação chegando a resultados parecidos: ao perguntar a jovens graduados onde mais aprenderam "nos últimos dois anos", a proporção de respostas foi de 58% trabalhando, 23% convivendo e 18% estudando.

Esse resultado é contra-intuitivo, como dizem os norte-americanos, ou é um contra-senso, como prefiro denominar. Afinal, não é na escola que nos qualificamos para o trabalho? Quero explorar alguns contra-sensos:

  • No trabalho aprende-se pelo acúmulo de experiências;
  • A criatividade atrapalha;
  • O estudo não é parte das funções gerenciais;
  • Toda convivência é fecunda;
  • A ação educacional em sala de aula substitui a necessidade de leitura e estudo;
  • O estudo é solitário, introspectivo e requer isolamento diante de ambientes cheios de distrações;
  • Precisamos afastar os sentimentos no contexto do trabalho.

Pensar, Sentir e Intuir: as habilidades intelectuais

O século 20 foi marcado pelo exagero da racionalidade. O progresso científico exponencial parecia evidenciar o predomínio da razão, até que a sociedade passou a questionar algumas inovações nem sempre benignas: as bombas nucleares, a eugenia, os transgênicos, a clonagem de humanos. A razão sozinha não se sustenta, ela precisa da apreciação que considere valores e causas - e isso depende do sentir aliado ao pensar.

O crescimento exponencial do conhecimento para uns atemoriza, mas para outros passou a ser explorado como oportunidade: nunca antes a inovação foi tão fácil de obter, seja pela evolução tecnológica, evolução das necessidades e expectativas da sociedade e de consumidores. O pensar, sozinho, favorece a melhoria de processos e a inovação incremental. A inovação disruptiva e a revolucionária requerem sobretudo criatividade, que deriva do pensar aliado ao intuir. Na verdade, a sociedade do conhecimento prega a conjunção do pensar, do sentir e do intuir para otimizar nossas capacidades intelectuais.

Note o uso das palavras: contraintuitivo é tudo o que contraria a intuição sobre algo. Prefiro usar contra-senso, indicando que na verdade os itens acima contrariam o senso comum, o conjunto de ideias e opiniões mais aceitas. Para compreender algo, antes é preciso que o tema "faça sentido", portanto o senso comum requer o pensar aliado ao sentir. Mas esse pensar se pouco desenvolvido pode prejudicar nosso julgamento.

O pensar envolve o uso da lógica, do raciocínio, do julgamento objetivo acerca de fatos para corroborar hipóteses. Tem a ver com isenção (e é esta que exclui o sentir) e cria paradigmas, modelos mentais que criamos para facilitar o pensamento. Envolve habilidade de ponderar, de classificar, analisar e sintetizar, estudar nexos de causas e efeitos, de deduzir e de fazer inferências. São habilidades tão sofisticadas que a sua aplicação exige atenção, foco e concentração. Daí nasceu o senso comum de que precisamos eliminar fontes de distração para estudar melhor. e o senso comum de que o melhor estudo é solitário e introspectivo.

O sentir tem dupla função: envolve o uso dos sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar) e a consciência dos sentimentos derivados das emoções em jogo. É o sentir que dita o que apreciamos como valioso, os nossos valores, um poderoso filtro para nossos objetivos e comportamentos. É o sentir que coloca o humanismo como condição básica e atitude diante da vida; sem ele a ciência costuma ser destruidora. Por outro lado, o sentir pode afetar negativamente o pensar, quando cria vieses de julgamento, o que talvez explique o senso comum de que os sentimentos precisam ser banidos do ambiente de trabalho. Será que o trabalho em si é tão racional que exclua toda humanidade que possuímos? Infelizmente, perdemos a capacidade de qualificar o pensar com o sentir quando estamos "estressados", destemperados ou alienados de nossas capacidades sensoriais.

O intuir, por sua vez, dita a imaginação, a criatividade, o reconhecimento em relance, de sinais de perigo e de padrões que existem entre coisas ilógicas. Mudança não é o estado natural das organizações e dos indivíduos, ela precisa ser intencional, e isso requer o concurso do intuir aliado ao pensar. De que outro modo se poderia explorar a inovação? O "senso de perigo" que o norte-americano chama "gut feelings", sentimentos das entranhas, é na verdade fruto da intuição. Em um contexto de turbulência, crises sucessivas e ampliação de incerteza e riscos, poderíamos desprezar a intuição? Infelizmente, o pensamento se sobrepõe à intuição e impede que esse sistema alternativo de pensamento subconsciente se torne consciente. Não há alumbramentos (insights) se a mente e o corpo relaxados e sem o pensamento atenuado, o que só se consegue pela atenção plena (mindfulness) e pela meditação.

Quando somamos as capacidades de pensar, de sentir e de intuir há imensos e valiosos ganhos. Em primeiro lugar, consideramos a subjetividade tanto quanto a objetividade, o que permite rejeitar verdades absolutas, convicções e preconceitos. Em segundo lugar, pela conjunção entre arte e técnica (ciência), tão exigidas no marketing, no design thinking e no storytelling, temas contemporâneos de grande relevância. Em terceiro lugar, para ampliar o "bom senso", o julgamento qualificado e as decisões envolvendo aspectos qualitativos além dos quantitativos.

A conjunção do pensar, sentir e intuir explica um fenômeno conhecido: a "efervescência" que o indivíduo manifesta logo após enriquecer seu conhecimento: novas ideias brotam à mente; teorias elegantes são formuladas; sensações positivas inspiram otimismo e assim por diante. São os momentos fecundos da vida e do trabalho.

O senso comum nos leva a errar

As empresas mais admiradas e de excelência buscam uma nova arquitetura de escritórios. Por si só a busca de beleza é relevante: promove a intuição e a sensibilidade. Já seria uma grande conquista abdicar do cinza e preto como cores predominantes nos escritórios. Há evidências de que o uso decores quentes ativa a criatividade; o uso de pinturas abstratas na decoração ativa a sensibilidade; a exposição de protótipos, maquetes, gadgets e produtos artesanais igualmente contribuem para o intuir.

Outros aspectos dessa nova arquitetura: mescla espaços colaborativos para a criação coletiva com espaços privados para a reflexão; uso intenso do verde e de paisagens; espaços para a descompressão e para o ócio criativo; espaços para atividades físicas e meditação, por exemplo. Não há mais repetição e padronização nos ambientes: há evidências de que alterando o contexto ambiental brotam alumbramentos que favorecem a solução de problemas e impasses. Por essa razão, alterar o posto de trabalho de tempos em tempos tende a melhorar a eficiência. Ambiente empobrecedor resulta em desempenho empobrecedor.

Outro contra-senso indica que o estudo ininterrupto poderia trazer melhores resultados. Não é verdade. Interrupções de até 20 minutos após impasses geram alumbramentos eficazes. Um cochilo por igual período rompe efeitos do distresse e melhora a sensibilidade e a intuição. O mesmo vale para contemplar paisagens e jardins. No trabalho, intercalar estudo com atividades variadas torna mais eficaz ambas as atividades, desde que se procure fazê-las com atenção plena. A variedade rompe com determinados estados mentais, estados de ânimo e mentalidades.

Chegamos ao contra-senso do acúmulo de experiências. Acumular experiências apenas cria automatismos, ou seja, inibe o pensar, sentir e intuir. A variedade, a ruptura e o desafio despertam a atenção, a imaginação e a análise "fresca" da situação. Essa é a razão que faz da rotação de pessoal (job rotation) uma técnica fecunda. Afinal, criatividade, imaginação e reflexão crítica nunca são demais. Encaro aqui o contra-senso de que a criatividade atrapalha. É preciso criatividade na ciência, na evolução tecnológica, nas "quebras de paradigma" e na inovação.

Para pessoal operacional, a experiência gera destreza, o que é necessário. Para gestores ou profissionais que desempenham atividades intelectuais, a repetição gera convicções, embota a mente e a torna refratária a mudanças. Por essa razão, todo esforço em "fazer diferente" ou aplicar criatividade e inovação trazem tantos ganhos para as organizações. Gestores precisam estudar mercados, tendências, divergências e dilemas - a atividade intelectual é a mais nobre dentre as que desempenha. Sem estudo não se adquire conhecimento, repertório de exemplos, melhores práticas, lições aprendidas, etc. Gestores continuarão estudando, ainda mais no contexto em que vivemos.

Com relação à convivência, ela não é tão fecunda como gostaríamos que fosse. A convivência fecunda é episódica e descontínua; depende de oportunidades e ambiente fecundos; ainda por cima, requer inteligência emocional e social. Mas a aprendizagem social é relevante demais para que seja desprezada. Daí que o coaching cria foco e torna sistemática a aprendizagem - e também para a mentoria, tutoria e aconselhamento. O mesmo poderia ocorrer com o treinamento supervisionado no trabalho (on the job training), infelizmente pouco praticado.

Para completar, chamo a atenção para a importância da leitura disciplinada. Poucos aprendem só ouvindo professores, ou observando praticantes ou conversando sobre ocorrências. Ao contrário, a leitura propicia a introspeção e o fluxo reflexivo necessários para aprofundar a compreensão do conhecimento envolvido. Quem lê muito usa conceitos apropriadamente, escreve com clareza e produz narrativas convincentes. Não há substituto para a leitura, ainda.

Esqueça o senso comum. Abrace a gestão de conhecimentos.

Lilian Mazziero Maluche

Especialista em Gente & Gestão | Coaching | Neurociência | Cultura | Filosofia e Comportamento Humano

6 a

Texto enriquecedor, me trouxe possibilidade de inúmeras reflexões e conexões! Admiro seu trabalho desde de que li seu livro sobre resiliência e o escolhi para meu trabalho de conclusão do curso de Administração. Acredito no quanto a leitura e a busca por conhecimento fazem diferença na vida pessoal e profissional. Parabéns!

Concordo Professor Sabbag! Tenho buscando todas as manhãs ler um artigo e hoje me deparo com esse seu texto inspirador e totalmente aplicável para o crescimento profissional dentro das empresas. Já esperava por isso, dado seu histórico e credenciais. Saudades da nossa parceria como professor local no MBA da FGV!

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