Precisamos de Carmen Miranda
Estou alarmado com a escalada da violência em nível mundial. Diante da omissão da grande mídia, o início de uma guerra com implicações mundiais está sendo "normalizado", quer dizer, todo o mundo crê que este será o desfecho natural, e tudo bem! Ninguém considera as consequências dessa guerra: uso de armas nucleares e armas de enorme poder destrutivo; crise econômica mundial; e matanças por todo lado.
Como analogia, parece o período que antecedeu a primeira grande guerra, quando todos até mesmo desejavam a guerra. Depois viram que foi uma guerra suja, com matança desenfreada que destruiu os impérios britânico e otomano. A Europa nunca mais foi a mesma. O saldo dessa guerra foi a segunda grande guerra, ainda mais cruel e nazifascista.
O declínio do império estadunidense vem se acelerando, mas a próxima guerra, se for mundial, será a pá de cal, o triste desfecho da maior potência da história. O mundo multipolar será dominante, por pura inconsequência dos EUA e Europa, com seus governantes da pior qualidade em décadas. O que podemos fazer? Entregar-se ao pavor? O mercado cultural tem suas facetas. Vou explicar o insight que a figura da Carmen Miranda revelou, durante a segunda grande guerra.
Carmen Miranda
A música brasileira é respeitada em todo o mundo há um século, muito mais do que os brasileiros em geral creem. Carmen Miranda ganhou o apelido de "pequena notável", como eram as brasileiras da época. Nascida em Portugal, ainda bebê viveu no Rio de Janeiro. A figura exótica com turbantes e chapéus decorados com flores e frutas, e sapatos de plataforma nasceu de um filme brasileiro de 1939 onde ela cantou "o que é que a baiana tem" de Caymmi. Foi essa figura que a catapultou para os EUA, onde até 1943 estrelou filmes e shows da Broadway. Estava criada a personagem autoconfiante, alegre e sapeca, vinda de um país tropical. Tornou-se a estrela mais bem paga de sua época nos EUA. E não deixaram que mudasse a sua figura exótica. Um fenômeno.
Vinte anos depois, era Tom Jobim que brilhava por lá, secundado por Astrud e João Gilberto. Logo mais chegou Sérgio Mendes, que lá se radicou. Se a bossa nova se mesclava com o jazz, Mendes a mesclou com a música pop. Desde então, algumas estrelas da MBP brilham por lá de tempos em tempos, em particular Djavan. Músicas mais conhecidas: Aquarela do Brasil, Garota de Ipanema, Desafinado, Águas de Março e por aí vai.
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Otimismo Aprendido
Em tempos tão bicudos, como poderíamos ser otimistas? Seria natural esperar a predominância do pessimismo. Mas pode ser de outra maneira.
O "gênio da evolução está na tensão dinâmica entre otimismo e pessimismo continuamente corrigindo-se um ao outro", afirmou Martin Seligman. Esse psicólogo começou sua residência nos EUA observando cães de laboratório que as vezes desistiam das tarefas e se prostravam, desamparados, comportamento equivalente ao humano.
Ele passou a defender a importância do otimismo. Não daquele otimismo tipo Polianna (ou pensamento positivo) que é falso, ilusório e que causa mais mal do que bem. Seligman defendia o "otimismo aprendido", a capacidade consciente de contrapor emoções e pensamentos negativos às emoções e pensamentos positivos. Um exemplo ainda que inadequado disso é o de quem conta piadas em velórios, cuja única explicação é a de que não querem que todos se entreguem à tristeza.
Os períodos de crise generalizada são muito fecundos para as artes. Durante os vinte anos de regime militar no Brasil prosperou a bossa nova, o rock, a MPB, a Tropicália. Vivenciei a música de carnaval, a música de protesto e a música de amor e esperança. Ritmos mais antigos como o forró e o sertanejo também prosperaram. O mesmo ocorreu com a nossa poesia, teatro, dança e artes plásticas. Um período sombrio que ao mesmo tempo provocou a cultura luminosa. É um paradoxo que sempre me interessou: achava que a volta da democracia tornaria ainda mais esplendorosa nossa cultura e seus produtos, mas não foi isso que ocorreu. Toda aquela fecundidade era resposta aos tempos sombrios que vivíamos.
Eu me dei conta de que a Carmen Miranda teve seu apogeu exatamente durante a segunda grande guerra. Não por acaso. Alegrou a toda a gente americana, e nos encheu de orgulho. Era um sopro de luz em meio ao esforço de guerra. Havia uma razão política: trazer o Brasil para as forças aliadas, a mesma razão que levou Walt Disney a criar o Zé Carioca, patrocinado pelo governo dos EUA.
O sucesso de Carmen Miranda é exemplo de otimismo aprendido. Um sopro de alegria, um gesto de camaradagem com os latinos, e um sonho de esperança.
Então espero que se a guerra de grandes proporções começar, ela traga junto sua antítese, que é a alegria e a pulsão de vida. Por isso, precisamos de novas Carmens Mirandas. E o pessimismo? Parafraseio um diplomata brasileiro que em entrevista falou: "eu guardo o meu pessimismo para dias melhores".